Ativistas temem um desmonte da prefeitura no setor cultural; prefeitura diz que espaços passam por readequação e que herdou estrutura sem condições de uso
Katia Flora/Agência Mural
Por: Katia Flora
Notícia
Publicado em 11.05.2023 | 14:11 | Alterado em 19.05.2023 | 10:22
O fechamento de duas bibliotecas e a demolição da estrutura de um teatro nas periferias de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, têm gerado críticas de moradores e ativistas ligados às atividades culturais na região.
Eles relatam o receio de que a prefeitura esteja promovendo um desmonte no setor. Entre os espaços está a biblioteca Malba Tahan, no bairro Rudge Ramos, que funcionava desde 1976 no mesmo local e teve as atividades encerradas no ano passado.
Além dela, a biblioteca Manuel Bandeira, instalada no Baeta Neves, foi fechada em março de 2020, no início da pandemia e não voltou mais – a unidade era mantida desde 1979. A gestão nega ser o fim dos equipamentos de cultura.Porém, um teatro fechado há oito anos em uma unidade educacional foi demolido e a gestão não prevê retomar o projeto.
O educador popular Carlos Wellington Moraes dos Santos, 49, diz que ficou sabendo do fechamento da biblioteca Manoel Bandeira pelas redes sociais da prefeitura.
“A gestão deveria fazer um trabalho para intensificar o acesso à leitura para crianças e jovens. Alegaram que a biblioteca era pouco utilizada, isso é um desmonte cultural na cidade”, afirma.
Santos mora no Baeta Neves desde 2005. Na época de estudante do ensino médio, no final dos anos 1990, era frequentador da biblioteca Manuel Bandeira e costumava pegar seis livros por semana. “Participar de movimentos sociais me incentivou o hábito da leitura”, ressalta.
Ele atua como educador há oitos anos no ‘Projeto leitura e luta’, que doa livros todas às terças-feiras na Batalha de Matrix, espaço que reúne jovens para disputa de rimas, no centro de São Bernardo.
Além disso, ele integra o coletivo de cursinhos populares com a Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para negros e classe Trabalhadora).
Já o publicitário e líder comunitário Ananias de Andrade, 37, afirma que a prefeitura não dialoga com a população. Morador do bairro Jordanópolis, também em São Bernardo, ele tinha o costume de visitar o acervo da Malba Tahan.“Estão gerando uma exclusão de pessoas, um apagamento cultural para as periferias da cidade”.
Para ele, a atual gestão deveria criar novas formas de organização social, mostrar ações efetivas para os jovens, mas não tem manutenção de permanência.
Outro espaço cultural ameaçado é um teatro dentro de uma unidade educacional, que ficou fechado por oito anos e agora será demolido.
O CEU Celso Augusto Daniel (Centro Educacional Unificado) foi criado em 2012, no Conjunto Habitacional Três Marias, no bairro Cooperativa. O local abrigava um teatro que tinha apresentações artísticas às crianças das EMEBS (Escolas Municipais de Educação Básica) e exibição de filmes.
O teatro durou pouco tempo. Em 2015, houve um incêndio após uma pane elétrica. Desde então, o espaço ficou fechado sem previsão de reforma.
Em fevereiro deste ano, o prefeito Orlando Morando (PSDB) anunciou que o teatro seria demolido, para abrir novas salas de aulas, enquanto moradores e movimentos sociais pediam o retorno das atividades culturais.
“Não era necessário derrubar o teatro, o espaço também faz parte da educação de crianças e jovens das periferias”
Roseli Simão, 54, coordenadora cultural
O educador social Michel Oliveira, 30, diz que a prefeitura deveria ter cumprido com o projeto de revitalização, mas não houve acordo com a população.
Morador da Vila Ferreira há 27 anos, bairro próximo dos Três Marias, ele tem um trabalho de capacitação com jovens do bairro, o ‘Programa Mob’. Com foco em atividades interdisciplinares, oficina de arte e música.
No mês de março, Oliveira fez um festival em frente ao antigo teatro, onde reuniu cerca de 100 pessoas, entre artistas periféricos e jovens, com performances e rimas. Improvisaram uma tenda para realizar o evento.
“Se o teatro estivesse funcionando poderíamos organizar saraus para os jovens. Mas destruíram o espaço cultural, isso agrava a desigualdade social”, diz.
Em nota, a Prefeitura de São Bernardo afirmou, por meio da Secretaria de Cultura e Juventude, que a Biblioteca Municipal Manuel Bandeira passa por processo de readequação do espaço para melhorar a própria estrutura e também para receber o centro de referência em jogos eletrônicos.
Diz ainda que a biblioteca Malba Tahan passará por reforma para receber um Centro de Audiovisual. O acervo de ambas foi distribuído às demais bibliotecas da cidade.
Sobre o teatro, a gestão diz que herdou, da antiga administração, uma área anexa à EMEB Celso Augusto Daniel completamente danificada, sem uso, após ter sofrido um incêndio em 2015.
A gestão afirma que está construindo quatro pavimentos que serão utilizados para ampliar a unidade de ensino, com isso, aumentar a capacidade de atendimento de alunos em tempo integral.
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
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