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Agência de Jornalismo das periferias

Matheus Pigozzi/Agência Mural

Por: Ira Romão

Notícia

Publicado em 14.09.2022 | 18:26 | Alterado em 16.09.2022 | 17:07

Há dois anos, a operadora de caixa e também artesã Rubia de Aquino, 38, faz terapia. A moradora da Vila Nova, em Perus, na zona noroeste de São Paulo, iniciou o atendimento para lidar com crises de ansiedade e depressão. “Foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida nesse período. Me ajudou muito porque eu tinha criado uma zona de conforto e me afastado de todo mundo”, diz.

Entre os ganhos de fazer terapia, Rubia cita que adquiriu mais autoconfiança e criou ferramentas para encarar os seus transtornos, incluindo demandas da vida familiar e social. “Além do medo de socializar, tinha medo de voltar a trabalhar. Em menos de três meses que iniciei [o tratamento], consegui meu atual emprego”, destaca.

Rubia de Aquino, 38, ficou mais confiante e conta que aprendeu a lidar com os traumas após a terapia @Ira Romão/Agência Mural

O processo da terapia visa o cuidado com a saúde mental e ajuda a resolver (ou entender) questões emocionais. A sessão é feita sempre por um profissional e tem diversas linhas de abordagem. Por meio dela, é possível tratar ou aliviar os sintomas de depressão, ansiedade, estresse e luto. O tratamento pode ser feito de modo individual, em grupo ou até em casal.

Espaço seguro

Keila Duarte, 44, é psicóloga e define a terapia como um espaço seguro onde a pessoa em atendimento é ouvida integralmente por um profissional da psicologia (que analisa questões internas da pessoa e comportamentos, ajudando a identificar traumas, medos, entre outros aspectos).

“Ele [profissional] vai tentar te enxergar e te perceber em todas as suas formas de se expressar. Tamanha será a atenção desse profissional para com você que te fará também aprender, entender e querer se ouvir de verdade”, explica.

“É um processo de autoconhecimento, de olhar para o que dói e pensar junto, no caso com a psicóloga, como você chegou nesse lugar. E o que você faz a partir desse entendimento sobre o que dói e quais os caminhos para sair disso”

Keila Duarte, psicóloga

Desde setembro de 2019, Keila contribui para viabilizar a terapia nas periferias, oferecendo atendimento psicológico às vítimas de violências na região noroeste da cidade. Trabalho que ela desenvolve por meio do projeto Consultório Solidário, do Coletivo de Mulheres da Noroeste, que dá assistência a mulheres em situação de violência nos distritos do Jaraguá, Brasilândia e Cachoeirinha.

“Na periferia as demandas de terapia saltam aos olhos em todos os lugares. Basta fazer uma roda de conversa, abrir um espaço de escuta que a necessidade se mostra”, relata a psicóloga. “As pessoas necessitam falar, ouvir e parar para sentir, chorar, trocar e [espaços para] isso falta na periferia.”

Quem tem a mesma percepção é a psicóloga Elisabeth Santos, 35. Em agosto de 2018, ao lado da amiga Andrea Coutinho, ela abriu a Clínica Lotus.

A clínica ocupa salas da Paróquia São José, no Jardim do Russo, em Perus. Ali as psicólogas estabeleceram uma parceria a partir do desejo de “levar apoio e suporte mental às pessoas da região e de baixa renda.”

A psicóloga Elisabeth Santos trabalha em clínica dentro da Paróquia São José, no Jardim do Russo, em Perus @Ira Romão/Agência Mural

Elisabeth explica que a clínica trabalha com valores abaixo do valor base de atendimento. “Vamos de acordo com possibilidade de cada paciente. Por isso é importante a triagem que fazemos antes do atendimento”, diz. Quando é possível, são feitos atendimentos gratuitos.

Hoje são quatro profissionais que atuam com diferentes demandas psicológicas. “Desde ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, luto, relacionamento abusivo, demanda escolar, entre outros”, lista Elisabeth. Ela frisa que antes da pandemia a ansiedade era o motivo principal da busca por terapia, mas hoje a depressão e problemas com as relações são as razões mais comuns.

É na Clínica Lotus onde Rubia, que abre essa reportagem, faz tratamento hoje em dia. “Esse tipo de projeto é importante porque além do preço ser acessível, os profissionais já sabem a demanda e o público que vão atender. Assim, fica mais fácil da pessoa [paciente] se sentir à vontade na sessão”, conta.

A artesã já havia feito terapia na infância e, adulta, buscou o SUS (Sistema Único de Saúde). É possível conseguir atendimento público nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) ou CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) espalhados pela cidade.

Em quais momentos buscar ajuda?

A psicóloga Keila explica que, de modo geral, a terapia se mostra como um caminho necessário em dois momentos da vida.

1. “O primeiro momento é quando você finalmente entende que não se conhece e quer fazer esse entendimento de si, pelo processo do autoconhecimento.”

2. “Já o segundo é quando você está em sofrimento. Sentindo muita dor por alguma situação vivida, ou várias, e já tentou de tudo sozinha e não consegue sair disso nem se anestesiar mais.”

Ela frisa que essa dor pode surgir de uma “violência externa muito grande”. “Atendo muitas crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, por exemplo. Não é uma dor que surgiu de escolhas da pessoa. Muitas vezes, é a partir de uma dor causada por outra pessoa que se faz necessário um apoio psicológico.”

Acesso à saúde mental e emocional

Mas acessar o atendimento em saúde nem sempre é fácil, sobretudo nas periferias. Melhorias precisam ser feitas para que a sociedade brasileira tenha pleno acesso à saúde básica, no que se inclui a saúde mental.

De acordo com o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, em 2020, os moradores do distrito São Domingos, na zona noroeste,tinham que esperar 343 dias para conseguir agendar uma consulta com psiquiatra (profissional que trata distúrbios mentais, sejam eles de origem orgânica ou funcional). Enquanto isso, os moradores do Limão, na zona norte, conseguiam o mesmo agendamento em seis dias.

Mas esse não é o único obstáculo que impede a população periférica de manter o autocuidado mental. Elisabeth lembra que ainda existe muito preconceito em relação à terapia.

Psicóloga destaca que ainda há preconceito em relação à fazer terapia @Ira Romão/Agência Mural

“Infelizmente, muitas pessoas chegam ao consultório com uma armadura social extremamente rígida. É comum frases do tipo: ‘Só estou aqui porque fulano me obrigou’, ‘Estou aqui, mas não acredito na psicologia’, ‘Não acho que só conversar resolve’”, comenta.

Keila acrescenta que há pessoas que associam a terapia à loucura e que o estigma enfrentado por quem mora na periferia e precisa dela vai além. “A situação que mais me deparo é que o entendimento é frescura. E que na periferia as pessoas não têm tempo nem dinheiro para isso.”

Ela diz acreditar que essa classificação como frescura tem a ver com a falta de acesso ao autocuidado.

“Na periferia está todo mundo lutando para a sobrevivência. O tempo é para isso e o cuidado de si não está nessa conta. A vida te engole e você não tem tempo para se olhar. Principalmente se for uma mulher, não tem esse lugar de se priorizar”

Keila Duarte, psicóloga

Terapia na pandemia

A pandemia da Covid-19 afetou e muito a saúde mental das pessoas. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que no primeiro ano pandêmico o crescimento de casos de ansiedade e depressão aumentaram 25% em todo o mundo. Jovens e mulheres foram os mais atingidos pelos transtornos.

A psicóloga Silvia Batista, 61, viu esse cenário em seu entorno e quis ajudar quem estava próximo. Assim, em 22 de março de 2020, ela fez um post em um grupo do Facebook, do bairro de Perus, onde mora, oferecendo apoio psicológico de forma gratuita.

“As pessoas realmente ficaram com muitos problemas psicológicos por achar que iriam morrer [por conta do vírus], que iriam perder pai, mãe, filhos, enfim. Foi bem complicado”, relembra Silvia. Para atender, ela utilizou a técnica de terapia breve que é focada em uma única questão e pode durar até um ano.

O post rendeu, entre comentários e curtidas, mais de mil interações. “Conversei com muitas pessoas. A maioria, bastou um atendimento. Com nove delas eu falava quando era preciso, e com uma delas sigo falando até hoje”, conta.

Se ficou interessado ou interessada em conhecer mais o trabalho das psicólogas ouvidas pela Agência Mural, acesse as páginas da Clínica Lotus e Consultório Solidário, do Coletivo de Mulheres da Noroeste.

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Ira Romão

Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.

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