Arthur Rodrigues
Por: Gabriel Negri
Notícia
Publicado em 02.02.2024 | 9:22 | Alterado em 02.02.2024 | 10:11
No fim do ano de 2023, o movimento feminista Olga Benário ocupou uma casa abandonada na cidade de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, para protestar pelo descaso da cidade com políticas públicas e sociais voltadas às mulheres do município.
O objetivo da ocupação, que durou cerca de um mês no bairro Alves Dias, era denunciar o desmanche de serviços públicos. O imóvel já foi desocupado, mas a disputa segue no meio jurídico bem como as manifestações sobre a falta de atenção às mulheres da cidade.
Segundo Roseli Simão, 55, principal coordenadora da ocupação, desde a saída do município do Consórcio do Grande ABC, o descaso e a falta de investimento nos serviços públicos voltados às mulheres só pioraram. A coordenadora destaca, como principal, a perda ao acesso da Casa Abrigo do ABC, organizada e administrada pela entidade.
‘Já há muito tempo, São Bernardo não atende as mulheres como deveria’
Roseli, ativista pelo direito das mulheres no ABC
Uma Casa Abrigo é um local utilizado por mulheres e crianças que possam estar sofrendo ameaças ou risco de violência. “De lá pra cá, todos os serviços familiares ficaram sucateados, em especial o Creas (Centro de Referência de Assistência Social) e o Cram (Centro de Referência de Atendimento à Mulher)”, diz.
Ter um espaço de acolhimento é uma necessidade da cidade, segundo Roseli. Em 2023, houve um aumento de 24% nos casos de estupro em um mês em toda a região do ABC, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública.
Ao longo de 2023, São Bernardo registro 627 casos de estupro, mais de um por dia, e acima dos 622 registrados em 2022. Além disso, um levantamento do Olga Benário aponta que a prefeitura registrou 3.056 casos de mulheres atendidas em postos de saúde em 2022 devido à violência doméstica, representando um aumento de 400 casos em relação a 2021.
Ainda no ano passado, após dois casos seguidos de feminicídio em junho, o Movimento de Mulheres Olga Benário, a Frente Regional de Mulheres e outras forças políticas em São Bernardo organizaram um ato pedindo justiça pelas vítimas.
Também foi criada a “Patrulha do Olga”, que consiste em visitar os órgãos públicos voltados às mulheres, como delegacias, Crams, Creas, e inclusive o Hospital da Mulher, localizado no centro da cidade.
“O CRAM, inclusive, quando visitamos, fica em um prédio no centro da cidade, que atende no terceiro andar. O elevador do lugar estava quebrado há mais de três meses, as mulheres que vão lá, são obrigadas a subir os lances de escada. Eu fui até a Câmara denunciar na quarta, na quinta, o elevador estava funcionando”, relata a militante.
Há ainda outros problemas. A Delegacia da Mulher na cidade não funciona 24 horas, tendo expediente apenas das 8h às 18h, e sem abrir nos fins de semana.
Além disso, a atual Casa Abrigo do Município não cumpre o papel de acolher, segundo Roseli. “O lugar já recebeu várias denúncias de ser gerida por uma ONG religiosa, que várias vezes aconselha essas mulheres a voltar para seus agressores, além de obrigar as mulheres a trabalharem na limpeza do local, sendo que recebem da cidade para fazer esse trabalho”.
Ainda destaca o fato da Casa Abrigo concessionada não ser totalmente sigilosa como deveria ser. “Várias pessoas sabem a localização dessa casa, o que acaba não garantindo a segurança dessas pessoas.”
O movimento Olga Benário negocia com o governo federal para obter uma casa apropriada, visando realizar orientações. O local terá como principais funções a prevenção da violência contra a mulher, atividades diárias de formação e conscientização sobre o tema.
A ideia é oferecer apoio às mulheres que não conseguirem atendimento na rede municipal, com uma equipe técnica voluntária. O foco também será na garantia dos direitos das mulheres, por meio de cursos para geração de renda, acesso ao trabalho, formação política e organização das mulheres.
Segundo Roseli, o imóvel ocupado no ano passado, localizado na avenida Castelo Branco, estava abandonado há mais de 20 anos, sem cumprir nenhuma função social
A ocupação foi batizada com o nome de Cleone Santos (1957-2023), referência na luta por moradia e trabalhadores no ABC paulista. Nascida em Juiz de Fora (MG), ela morava em Diadema. Durante os anos 1980, recém saída de um casamento abusivo, desempregada e com filhos para criar, Cleone passou a viver da prostituição no centro de São Paulo, onde ficou por 18 anos.
Nos anos seguintes, mesmo nas ruas, ela não abandonou a militância, e atuou ao lado de outras mulheres em situações similares.
Coordenadora das atividades da casa, como limpeza do local e organização da agenda das mulheres, Victória Magalhães, 29, relata que o local teve apoio dos moradores no entorno do bairro, também por conta do abandono do espaço nos últimos anos. “O lugar estava muito sujo, inclusive com carcaças de animais e fezes”, relata.
Cinco dias após o espaço ser ocupado, no dia 21 de novembro, ele foi atacado por um grupo. Victória estava presente durante o ataque, quando dois homens chegaram exaltados ao lugar e disseram ser os proprietários da casa.
“O que sabemos que é mentira, pois a própria população do lugar bateu boca com [eles]. De início tentamos dialogar, mas não teve muita conversa, já partiram para agressão, eu fui agredida, assim como outras companheiras”, conta.
Victoria conta que os próprios vizinhos chamaram a polícia, após os homens saírem do local, ameaçando voltar. Porém, depois que as viaturas foram embora, um outro grupo de homens apareceu com marretas e pedaços de madeira.
‘Um deles dizia que portava uma arma de fogo. A gente com bastante sorte conseguiu entrar no prédio e eles ficaram o tempo todo tentando entrar e nos atacar. Havia mulheres e crianças na casa no momento’
Victória, coordenadora do movimento Olga Benário
Segundo Victoria, as viaturas voltaram logo em seguida e os pegaram em flagrante, mas houve muita briga para convencer a polícia a levar os agressores. De acordo com a militante, a polícia queria apenas conduzir as mulheres. “Tivemos que fazer bastante pressão para que a polícia compreendesse que eles eram os agressores.”
Ao ser questionada, a Prefeitura de São Bernardo do Campo apenas afirmou que a GCM (Guarda Civil Municipal) colabora com o Ministério Público de São Paulo no programa Guardiã Maria da Penha.
Em nota, a gestão diz que aprovou um projeto de lei em dezembro que obriga agressores a pagar pelos custos do atendimento das vítimas no SUS (Sistema Único de Saúde). Os valores serão determinados pela tabela SUS e supervisionados pela secretaria de Saúde. Se o agressor não for identificado, a secretaria comunicará à Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher em 24 horas.
Sobre as demais declarações, relacionadas a casa abrigo administrada pela suposta ONG religiosa, a Prefeitura não respondeu.
Jornalista, projeto de aventureiro, aspirante a escritor e aficionado por história. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2023.
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