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Agência de Jornalismo das periferias

Felipe Gabriel/Arquivo Pessoal

Por: Isabela Alves

Notícia

Publicado em 09.09.2022 | 12:07 | Alterado em 12.09.2022 | 23:28

Tempo de leitura: 5 min(s)

“Sempre gostei de acender luzes e projetos são pontos de luz. Luzes acesas na periferia, que já passou por muita treva e violência. Hoje é muito mais cultura e arte”, diz Maria Vilani, 72, escritora, filósofa, ativista cultural e fundadora do Centro de Arte e Promoção Social (CAPS), no Grajaú, extremo zona sul de São Paulo.

Nascida em Fortaleza (CE), Maria veio para a capital paulista com o sonho de melhores condições de vida para a família. Vive no Grajaú desde 1975 e, ao longo dos anos, observou as principais mudanças no local. Cresceu em seu coração a vontade de contribuir para que a região se tornasse um polo de referência em educação, cultura e arte.

Maria Vilani fundou centro de artes há mais de 30 anos @Felipe Gabriel/Arquivo Pessoal

O início no Grajaú e o sonho de estudar

Quando ela chegou no Grajaú, o distrito era antes conhecido popularmente como “bairro dormitório”, pois os moradores trabalhavam no centro da cidade e só iam dormir em casa.

Só havia asfalto na Avenida Dona Belmira Marin e o fim das linhas de ônibus era no Circo Escola. Para se locomover para outros bairros, a população andava a pé ou de carroça. O saneamento básico era praticamente inexistente e, para conseguir água potável, a população utilizava poços artesianos.

O primeiro lar de Maria foi no Jardim Reimberg, no distrito do Grajaú. Ela lembra que para ir ao trabalho de transporte público, por conta do barro, era necessário ter dois calçados para não sujar o ônibus ou os outros passageiros. As pessoas do bairro colocavam um sapato no pé e outro par na sacola.

Em 1978, ela e a família se mudam para o Parque São José, na favela das Imbuias. “Compramos um barraco para sair do aluguel, porque meu marido [Cleon Gomes] queria estudar. Quando ele terminou o curso na área da metalurgia, apareceu a casa que é minha até hoje”, conta.

Nessa época, Vilani analisa que o Grajaú tinha altos índices de violência e por isso as mães levavam os filhos na porta da escola todos os dias. Foi assim que conheceu o Movimento de Mulheres no Grajaú, presidido por Adélia Prates.

“Não existia nem orelhões no meio da rua, então a comunicação era feita no boca a boca”, destaca. Na associação, existiam cursos de empreendedorismo, palestras, acesso a saúde ginecológica e psicólogas.

A instituição também auxiliava as mulheres nos casos de violência, prestando apoio jurídico. Maria se juntou ao movimento e contribuiu com a datilografia (técnica de digitação na máquina de escrever) e alfabetização de adultos.

Ao observar o impacto e importância do trabalho comunitário, ela encontrou inspiração para criar seus próprios projetos. “Era dona de casa e já tinha um trabalho com educação e arte. Eu cuidava de crianças enquanto as mães trabalhavam. Elas eram alfabetizadas na minha casa”, relembra.

Mãe de cinco filhos – Clayton, 48; Kleber, 47; Maria Aparecida, 41; Cleane, que morreu aos 39 anos, vítima de Covid-19; e Cleon Jr.,34 – ela conta que sempre estimulou as crianças aos trabalhos de arte e cultura. Um deles, Kleber Cavalcante Gomes, mais conhecido pelo nome artístico Criolo, se tornou um dos nomes mais influentes do rap paulistano.

Maria e seu filho Criolo, rapper paulistano @Reprodução/Instagram Criolo

Contando com o seu caçula, ela educou 31 crianças. Apesar da vocação para a educação, ela não tinha o certificado escolar formal. Com isso, aos 40 anos, Maria Vilani retorna para a sala de aula regular para concluir o ensino médio. Depois de retomar os estudos, criou uma biblioteca comunitária.

E os planos para a melhora da educação e arte no Grajaú se expandiram quando ela começou a promover diversas ações, como oficinas de artesanatos e feiras culturais, onde chamava os artistas locais para animar os eventos.

“Costumo dizer que eu sou uma mulher da rua, porque fico pouco em casa. Gosto muito de interagir com as pessoas. Tudo o que consigo para mim eu quero compartilhar”

Então resolveu trabalhar com poesias e colocou na porta de casa a placa com os dizeres: “Precisa-se de Poetas”. E 28 escritores apareceram. Por meio das palavras escritas ali, vieram as ideias que logo se concretizaram em ação.

Em 1990, nascia o Centro de Arte e Promoção Social, o CAPSArtes, localizado próximo a estação Primavera-Interlagos (Linha 9–Esmeralda), que promove atividades culturais na região há mais de três décadas.

Centro de Arte e Promoção Social, no Grajaú @Isabela Alves/Agência Mural

A escrita potente de resistência

A primeira obra da autora foi o folhetim “Cinco Contos Sem Desconto e de Quebra Dois Poemas”, lançado em 1991, quando Maria finalizou o ensino médio.

O livro foi publicado sob o pseudônimo Vitória Régia, pois encontrou dificuldades para se lançar no mercado editorial por ser uma escritora independente e periférica. O nome foi escolhido em homenagem à planta que é natural da região amazônica.

“Achava a Vitória Régia uma fortaleza e até hoje me acho essa mulher dura e corajosa. Mas é uma dureza com muita paciência e perseverança”, declara.

Primeira publicação de Maria Vilani foi em 1991 @Isabela Alves/Agência Mural

Depois vieram outros títulos: “Varal” (2012), “Penteando a Vida” (2016) e “Abscesso” (2019). Ela também coordenou o lançamento de dois livros de artistas fruto do trabalho no CAPSArtes: “Filosofia Escrita ao Extremo – Nexo, Léxico e Reflexo” e “Escritos ao Extremo – Indeléveis Dobras Textuais”, ambos de 2016.

Em maio de 2022, houve o lançamento do primeiro romance intitulado “Memórias de Maria e Mais um Pouquinho de Mim” (Selo Capsianos).

O primeiro romance foi publicado em 2022, por selo independente do Grajaú @Isabela Alves/Agência Mural

A obra traz uma junção de ficção e realidade, “com a intenção de denunciar as mazelas geradas por comportamentos e conceitos vividos na nossa sociedade, e mostrar a luta indormida de seus atores pela sobrevivência da sanidade”.

Para o futuro, a escritora planeja lançar outros dois romances para completar uma trilogia.

Desafios da arte

Apesar da força de vontade, Maria reflete que o maior desafio que encontrou no ativismo cultural foi a falta de recursos. Até os dias atuais, a organização social sem fins lucrativos se sustenta através de editais e eventuais trabalhos em parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio).

“A gente tem que ir fazendo o que acredita. Não pode ser imediatista, tem que ter paciência. Você pega uma semente, planta e não vai nascer no dia seguinte”

Com uma trajetória repleta de lutas e alegrias aos 72 anos, a ativista se sente feliz com diversas conquistas, entre elas a de ter sido eleita membra vitalícia da Academia de Letras dos Professores da Cidade de São Paulo, em 2016.

Sobre o processo de envelhecer, ela trata como algo natural da vida e transforma em poesia. “Assim que se nasce, é uma semente que germinou, mas ali já tem todas as potencialidades do velho.”

“Envelhecer faz parte do processo de quem chega aqui. Tenho a consciência de que a minha única casa é o meu corpo, que é um empréstimo que o planeta faz para mim e que eu terei que devolver quando voltar para casa. Essa consciência tira todos os sustos. Feliz é quem envelhece”, finaliza.

Programação gratuita

O CAPSArtes promove diversas atividades gratuitas, como o Café Filosófico (estudo de filosofia), Roda Cantante (estudo da história a partir das composições musicais), Roda das Psicologias (estudo das mais variadas abordagens da psicologia), Roda da Infância e da Terceira Idade, Ateliê de Escrita, Núcleo Transdisciplinar (que orienta pesquisa de pessoas que frequentam ou não a academia), entre outras.

Para participar, não precisa de inscrição, basta acompanhar a programação nas redes sociais.

Sede do CAPSArtes

Endereço: Rua Jequirituba, 325 – Parque América

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Isabela Alves

Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.

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