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Mãe relata dificuldade para conseguir remédio à base de cannabis e aponta melhora da filha

Governo sancionou lei que autoriza distribuição do medicamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde)

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Arquivo Pessoal

Por: Halitane Rocha

Notícia

Publicado em 28.02.2023 | 20:58 | Alterado em 01.03.2023 | 17:35

Tempo de leitura: 3 min(s)

“Ela nasceu e ficou 200 dias internada e nessa internação descobrimos que ela tinha epilepsia refratária, umas convulsões difíceis de controlar”, relata Ivonete Pereira Gonçalves, 42, mãe da Júlia Gonçalves Tavares, 5.

A menina nascida em 2017 também foi diagnosticada com nanismo severo, e faz uso do remédio à base de cannabis para tratamento de saúde. Foram necessárias mais de oito medicações para controlar as convulsões da criança.

“Ela ficava mais dormindo do que acordada, não tinha reação nenhuma. Foi quando em uma das internações fiquei sabendo do canabidiol importado e pedi para a neurologista receitar para fazermos um teste”, lembra a moradora do bairro Mirante da Mata, em Cotia, na Grande São Paulo.

Conseguir esse medicamento não foi simples. Em meio ao preconceito sobre remédios a base dessa planta, também conhecida como maconha, há uma despesa alta. Ela precisou custear R$ 2.759 por mês, mas isso só foi possível, porque a auxiliar de logística decidiu fazer uma vaquinha online. “Deu pra pagar alguns meses e mesmo assim não consegui desmamar ela das outras medicações”, conta Ivonete.

Ivonete e a filha Julia, que faz tratamento com o medicamento @Arquivo Pessoal

Depois de quase dois anos, a mãe descobriu a Associação Canábica Medicinal Anjo do Ar, que fez o custo reduzir para R$ 500 por mês. “Compramos para fazer um teste e deu certo, bem na hora que estava acabando o dinheiro da vaquinha essa associação apareceu em nossas vidas”, celebrou.

Nesta associação, Ivonete começou a dar o canabidiol brasileiro e conseguiu desmamar Júlia de todas as outras medicações fortes.

‘Nunca mais convulsionou e está o tempo todo acordada e muito mais esperta. Agora interage com a gente e a qualidade de vida dela é muito melhor’

Ivonete Pereira Gonçalves, 42, mãe de Julia, 5

Recentemente, ela recebeu a notícia de que esse tipo de remédios será distribuído gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Porém, Ivonete não pretende mexer na medicação da filha para evitar alterações na saúde dela.

“Quando eu consegui desmamar [dos outros remédios], ela estava usando 1 ml de canabidiol, agora ela está com 0,25, uma quantidade bem mínima.”

Tabu ainda é um problema

Assim como Ivonete, outras famílias das periferias com doenças graves vivem dificuldades para arcar com o custo desses remédios e há a expectativa de que isso mude.

No final de janeiro, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), sancionou a lei que autoriza a distribuição gratuita de medicamento à base de canabidiol (CBD) pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

A farmacêutica toxicologista e perita criminal Silvia de Oliveira Santos Cazenave, 64, aponta que a mudança na legislação deve ser comemorada, embora a conscientização sobre a importância do medicamento tenha sido feita lentamente.

Ela recorda que ouve falar sobre o uso da cannabis medicinal desde os anos 1980, quando começou a pós-graduação na Faculdade de Farmácia da USP (Universidade de São Paulo). “A gente já falava das possibilidades da cannabis ter ação medicinal para muitas enfermidades”, comenta a especialista, moradora de Campinas, interior de São Paulo.

Apesar da lentidão no processo de aprovação da lei, Silvia está confiante com os próximos passos e que seja possível a criação de uma lei a nível federal. “Hoje o Ministério da Saúde está bastante preocupado com essas questões que foram deixadas de lado. E a gente tem uma fundamentação científica muito importante que garante o uso terapêutico desses medicamentos”, explica.

A professora universitária reflete como o tabu permanece na sociedade brasileira.

Toda vez que se fala de apreensão, a mídia fala ‘droga, maconha’. Mas toda vez que se fala de medicamento, chamam de ‘cannabis’. As pessoas não conseguem entender que é a mesma planta, e que você pode fazer o uso benéfico, que seria o uso terapêutico

Silvia de Oliveira Santos Cazenave, 64, farmacêutica toxicologista

Ela ressalta que esse tabu não é visto em outras plantas que também produzem substâncias psicoativas, caso do ópio, o qual é utilizado para a morfina, medicamento que ajuda no tratamento da dor.

A farmacêutica-toxicologista exemplifica outros benefícios da cannabis para tratamentos de saúde. Além da epilepsia, a eficácia também já é comprovada contra a fibromialgia e a esclerose múltipla. Mas mesmo com a lei aprovada em São Paulo, os pacientes precisarão ficar atentos.

“Muitos médicos vão se recusar ou vão ter muita resistência em prescrever, então os pacientes têm que procurar médicos que prescrevam. Alguns médicos com certeza vão aderir, e a gente entende que outros não. O médico tem essa autonomia de decidir junto com o paciente, de preferência”, explica Silvia.

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Halitane Rocha

Produtora do podcast Próxima Parada e correspondente de Cotia desde 2018. Mãe de gêmeas e 2 gatas. Família preta e do axé… muita treta!

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