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Por: Brenda Gomes

Notícia

Publicado em 29.10.2021 | 7:41 | Alterado em 23.11.2021 | 21:02

Tempo de leitura: 5 min(s)

Os dias ensolarados na capital baiana são um prato cheio para os profissionais que tiram o sustento da praia. É o caso da autônoma Ilma Bonfim Galo, 57, moradora do bairro do Garcia, que trabalha na praia do Porto da Barra há mais de 30 anos. Foi lá que Ilma conquistou o público LGBTQIA+ , hoje sua principal clientela e que a chama de “Dinda”, apelido geralmente usado para referir-se à madrinha.

“Quem me apelidou assim foram eles, pois sempre falavam que frequentavam o Porto, mas não tinham um lugar que pudessem chamar de seu, apesar de ser um público muito assíduo na região. Um dia um cliente veio e falou: ‘você é nossa Dinda, madrinha de todos nós’, e isso pegou. Desse dia em diante só me conhecem como Dinda”, conta a barraqueira.

Próximo ao Instituto Mauá, no Porto, o point é sinalizado pela bandeira LGBTQIA+ e as roupas temáticas da vendedora. “Aqui foi batizado como o cantinho dos meus afilhados. Eles se sentem acolhidos. E também é uma forma de demarcar o que nós acreditamos. Acreditamos no amor, no afeto e no acolhimento de todas as formas. Que os homofóbicos passem bem longe daqui”, diz.

Ilma Bonfim Galo, a Dinda, que tem sua barraca há 30 anos no Porto da Barra @Gabrielle Guido/Agência Mural

O contador Fernando Amorim, 40, frequenta o ponto há 20 anos e explica que Salvador carece de lugares públicos que acolham a população LGBTQIA+ . “Temos visto um aumento da violência em todos os espaços. E para nós que somos vistos como minoria, não existem locais mais seguros que outros”.

Ele ressalta a importância do local na praia. “Nós buscamos estar juntos em locais como a barraca de Dinda, pois é como dizem ‘a união faz a força’, ou seja, é menos propício sermos atingidos. Um casal de LGBTQIA+ em um ambiente heteronormativo está mais suscetível a violências. Ainda mais que estamos em um momento de disseminação de discurso de ódio”, diz o cliente.

Apesar do carisma e da felicidade estampada no rosto, a barraqueira relembra os momentos de dificuldade na profissão com a chegada da pandemia. Com o fechamento das praias em Salvador, ela precisou se adaptar e criar novas formas de sustentar a família.

“Foi bem complicado, pois os órgãos públicos não pensaram no trabalhador da praia, o auxílio emergencial não chegou para todos. Fiquei totalmente desempregada e tive que me reinventar. Como também sou uma cozinheira, modéstia à parte de mão cheia, resolvi vender quentinhas com minha família para nos mantermos”, conta a vendedora, que destaca a rede de apoio durante o período.

“O que me manteve em pé foi o cuidado dos meus clientes e parceiros, que me ligavam perguntando o que eu precisava. Tive a sorte de não ter ficado desamparada, como muitos barraqueiros ficaram. Foi a partir deles que eu consegui ajudar outras pessoas.”

O auxiliar administrativo Fernando Fiuza, 43, morador do IAPI, conta que quem frequenta a barraca da Dinda não é mais cliente dela e sim seu afilhado, seus “filhos”, como se identifica. Para ele, Ilma criou um espaço de resistência e de afeto na praia.

“Ilma é muito batalhadora e guerreira. Ela criou aquele espaço lá maravilhoso para a galera e já virou um ponto turístico do Porto da Barra. Ela é sempre acolhedora com todos que chegam. Sempre que eu vou para a região, vou para a barraca de Ilma. Ela é mágica.”

A barraqueira Dinda e o cliente Ramon Aello, que se tornou seu amigo @Gabrielle Guido/Agência Mural

Há mais de 16 anos frequentando a barraca, o administrador Ramon Aello, 35, conta que a relação se tornou uma amizade e destaca os diferenciais da vendedora.

“Ela tem uma potência feminina muito grande de empreendedora, de empresária. Como mãe e família ela é uma pessoa bem dedicada. E a linguagem popular que ela usa ajuda também muito as pessoas se conectarem, pois ficam mais encantadas e felizes com a alegria e espontaneidade dela”, diz Aello.

Colecionando afilhados por todos os cantos do Brasil, Dinda conta também que seu principal sonho é ter um espaço dedicado ao público LGBTQIA+, que pudesse acolher um público maior.

“Queria ter dinheiro, sabe? Se eu tivesse, investiria em uma casa de eventos para meus afilhados. Os espaços que temos em Salvador ainda são muito limitados e a maioria elitizados. Queria ter um espaço que fosse para todos. É um desafio, mas a minha vida é uma vida de lutas, e sem lutas não há vitórias”, afirma.

Sempre unida, a família faz parte da rotina da vendedora. Dona de casa, mãe de três filhos adultos e casada há mais de 40 anos, Dinda abre sua barraca de terça a domingo e conta com o apoio do marido e do filho no empreendimento. Além deles, há também um sócio no negócio.

Afonso Martinez Alban, 58, marido de Dinda, conta que idealizou o ponto na praia, mas acabou perdendo o reinado do espaço para a mulher. “Ela começou a trabalhar na praia comigo, sempre trazendo boas sugestões. Quando resolveu focar no público gay, se destacou, virou o diferencial da praia. Criamos um laço com as pessoas, que se identificavam com nosso atendimento”, diz Alban.

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O dia a dia da vendedora é movimentado. Dinda conta que chega em casa à noite por volta das 22h e que o trabalho só acaba por volta das 2h ou 3h, quando termina de preparar os alimentos e a rotina do dia seguinte. Mas vê compensação pessoal nesse esforço e diz que foi através do trabalho na praia que a família também conseguiu superar a dor de perder um ente querido.

O dia a dia da vendedora é movimentado. Dinda conta que chega em casa à noite por volta das 22h e que o trabalho só acaba por volta das 2h ou 3h, quando termina de preparar os alimentos e a rotina do dia seguinte. Mas vê compensação pessoal nesse esforço e diz que foi através do trabalho na praia que a família também conseguiu superar a dor de perder um ente querido.

“Foi nas areias da praia que eu curei o meu luto. Meu filho morreu ao ser assaltado. Poderiam só levar o celular, mas levaram a vida dele junto. Não sou a pessoa mais forte do mundo, mas precisei ser para seguir em frente, para segurar a minha família. Meus afilhados me ajudaram a passar por isso”

O dia a dia da vendedora é movimentado. Dinda conta que chega em casa à noite por volta das 22h e que o trabalho só acaba por volta das 2h ou 3h, quando termina de preparar os alimentos e a rotina do dia seguinte. Mas vê compensação pessoal nesse esforço e diz que foi através do trabalho na praia que a família também conseguiu superar a dor de perder um ente querido.

Recentemente, a região, um dos principais pontos turísticos de Salvador, tem enfrentado constantes casos de violência. A Polícia Militar planeja instalar câmeras de reconhecimento facial em locais estratégicos da orla. Para Dinda, apesar do clima, não é essa a “normalidade” do Porto da Barra.

“É um momento de insegurança não só na Barra, mas em toda a cidade. Muitos clientes estão ligando de fora para saber como está a situação por aqui. As pessoas estão inseguras pois se trata de um ponto turístico, nós barraqueiros estamos tentando acalmar os clientes, e mostrar que não é sempre assim.”

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Brenda Gomes

Jornalista e correspondente do Centro/Brotas (Fazenda Garcia). Mulher negra, e candomblecista. Gosta de viver aglomerada com gente que acredita nos sonhos, de teatro, música e gastronomia fundo de quintal. Mãe de plantas e de pets.

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