Matheus Oliveira/Agência Mural
Por: Matheus Santino | Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 29.08.2023 | 12:52 | Alterado em 30.08.2023 | 19:42
“Eu queria que toda menina negra tivesse desde pequena um telescópio. Pra mirar no céu estrelado e perceber a longeza onde seus sonhos podem alcançar”
Esse é um trecho do texto “Preta Galáctica” de Midria Silva, 24, que a poeta descreve como uma poesia de afeto e incentivo para ela e todas as mulheres negras.
Escritora, poeta, slammer e cientista social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo), Midria recentemente lançou o segundo livro: “Cartas de Amor Para Mulheres Negras”.
A escritora gosta de escrever sobre problemas estruturais da sociedade e temas que precisam ser debatidos, mas o livro nasceu da necessidade que sentiu de falar sobre potência e os processos de cura e de felicidade.
“É aquele momento do final de semana que você vai para uma festa com pessoas parecidas com você, que são do mesmo bairro. Você vai para o baile, coloca o dedo para cima, você samba, você canta. É isso que faz a vida valer a pena também”, conta a escritora.
“Queria escrever mais sobre esses processos que são coletivos de cura e que também são individuais, em certa medida. É tudo um equilíbrio.”
A ideia do livro estava com Midria desde que escreveu “Preta Galáctica”, em 2018. No entanto, foi em 2021 que o processo de criação realmente começou, quando foi para uma residência artística chamada Terra Afefé.
Lá, Midria pôde se dedicar apenas ao processo criativo e experimentar uma calmaria que não se encontra na correria da cidade. “Fiquei duas semanas vivendo uma vida mais tranquila e a cada dia eu me obrigava a escrever”, diz.
A autora diz que “Cartas de amor para mulheres negras” foi “primeiro de tudo, uma carta de amor para mim mesma.”
Nascida e criada no Recanto Verde do Sol, no distrito de Iguatemi, zona leste de São Paulo, Midria teve o amor sempre presente na escrita. Seja o amor pela quebrada, o amor próprio ou o amor por outra pessoa.
O primeiro encontro com a escrita ocorreu logo aos 8 anos, na escola estadual que leva o nome do bairro, quando uma das professoras ensinou o que era poesia e pediu para que os alunos escrevessem como lição de casa.
“Na época eu estava apaixonada. Tinha um menininho que era da mesma turma que eu e jogava bola muito bem, era um menino pretinho lindo. Ficava “nossa, ele é o meu crush”. Na época nem tinha essa palavra, mas era ele que me inspirava”, conta.
Depois dessa inspiração, veio a paixão pela própria escrita, mas nada disso seria possível sem incentivos de programas educativos dentro da escola. Foi por meio da troca com outros colegas no projeto Círculo de Leitura que se conectou mais com o mundo das palavras.
Além de kits infantis vendidos na escola, Midria recebia livros de presente do patrão da sua avó, Dona Olinda, que trabalhava como diarista em uma casa na região do Aricanduva, também na zona leste. Isso fez com que conhecesse outros tipos de literatura e obras como “O menino do pijama listrado” logo aos 10 anos.
Em uma noite, voltando da escola, encontrou um amigo do tempo do Círculo de Leitura, que lhe chamou para ir em um sarau recém fundado por uma ex-professora dos dois. O projeto era o Sarau do Vale, que desde 2015 é realizado “lá no topo do Recanto Verde do Sol”, como a própria página diz.
“Quando entrei no sarau, vi que tinha outras pessoas que estavam escrevendo, falando sobre as suas vivências raciais, de gênero, de classe. Virou uma chavinha de que eu também podia fazer isso”, conta.
Em 2017, Midria ingressou na faculdade de Ciências Sociais, na USP. Foi nessa época que começou a circular mais pela cidade e conheceu o slam .
“Vivia muito circunscrita no espaço do meu bairro. A escola, o centro de estudos de línguas, o cursinho, era tudo na zona leste e eu não via muito o resto da cidade”.
Para a artista, o slam é uma vitrine, que a ajudou a ser vista e alcançar lugares e oportunidades. Um dos exemplos foi a participação no programa “Manos e Minas”, da TV Cultura: a apresentadora do programa, Roberta Estrela D’alva, assistia o slam e chamava os artistas para participar.
Mesmo com as diferenças de estilo entre sarau e slam, os dois foram a base da poeta. “Tanto o sarau quanto o slam fizeram com que eu me entendesse como artista da palavra, como poete. Se não fossem esses movimentos, eu não sei se teria tido acesso às oportunidades que tive”, completa.
Além do livro recém lançado, atualmente Midria está rodando diversas casas de cultura com o espetáculo “A Menina Que Nasceu Sem Cor”, que leva o mesmo nome do primeiro livro, lançado em 2020, e que também ganhou uma versão infantil com ilustrações.
A ideia do livro veio entre 2018 e 2019, anos em que participou mais ativamente de slams. Inspirada em amigos poetas, como Igor Chico e Evolution, que publicaram os próprios livros, Midria percebeu que era possível e que estava na hora de colocar uma obra sua no mundo literário.
Para a artista, os poemas estão em um lugar de interligados e relacionados com o que é a vida de uma pessoa negra, em especial para ela, que se identifica como uma mulher negra não-binária (Midria se refere a si mesma com os pronomes ela e elu).
“Enquanto para mulheres brancas, cis em especial, viveram nas últimas décadas lutando para que tivessem acesso ao mercado de trabalho, a gente está falando de mulheres negras que em sua maioria foram escravizados e não tinham opção de não trabalhar e é assim até hoje, quando você vai observar os status sociais”, aponta.
Recentemente, além de participar da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e rodar com o espetáculo, a escritora foi capa de duas revistas, Vogue e Glamour, e disse receber mensagens de pessoas que se sentem representadas por ela.
Perguntada sobre os próximos passos, a poeta diz que está com um novo livro escrito pronto para ser lançado e vai tratar sobre a solidão da mulher negra.
Após terminar o processo para o próximo livro, Midria tem escrito mais sobre as idas e vindas de um primeiro amor: namorando pela primeira vez aos 24 anos, diz que isso é algo exemplar de como é solitário ser uma mulher negra na sociedade, mas que tem buscado escrever mais sobre o futuro e como isso está ligado ao amor.
“O amor por outras possibilidades de existência, que a gente pense outros mundos, outros sentidos, outras conexões que nos levem sempre para esse lugar de potência, de uma vida plena”
Midria
Jornalista em formação. Apaixonado por rap, filmes e fotografia. Do fundo da leste fazendo o jogo virar. Correspondente do Iguatemi desde 2021.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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