Glória Maria/ Agência Mural
Por: Glória Maria
Notícia
Publicado em 22.05.2024 | 17:04 | Alterado em 22.05.2024 | 18:37
Há 29 anos, Simone Santos, 45, tem se dedicado à construção de sua casa, localizada na rua das Jangadas, em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. O terreno foi cedido pela mãe dela, dona Lourdes Santos, quando Simone ainda era uma adolescente grávida do primeiro filho.
Trabalhando como babá, ela ergueu a casa passo a passo, construindo um cômodo de cada vez. Inicialmente, residindo em um único quarto com o banheiro localizado do lado de fora, ela progrediu para instalar o banheiro dentro de casa e expandir devagarinho a residência, incluindo três quartos, sala, cozinha e área.
Apesar dos anos de trabalho árduo e dos altos custos de material de construção e mão de obra, a moradora compartilha a incerteza sobre o futuro.
‘Tive que dar muito duro para levantar minha casa e agora, aos 45 anos, ainda não terminei. Ainda tem muito para fazer, mas nesse momento que estou, não sei se devo continuar’
Simone Santos teme perder a casa própria
No mesmo quintal, reside a irmã de Simone, a diarista Sandra Santos, 46, que enfrentou desafios semelhantes ao construir a própria casa.
Como mãe solteira de três filhos, desde a adolescência ela trabalhou para erguer a residência, adicionando cada cômodo à medida que conseguia com o dinheiro vindo de faxinas. Atualmente, a casa possui três quartos, sala, cozinha, dois banheiros e uma espaçosa laje.
Entretanto, Simone e Sandra compartilham uma preocupação em comum: a ameaça de remoção, marcadas pela Prefeitura no ano anterior devido ao projeto de canalização do córrego Antonico.
O córrego, durante períodos chuvosos, tem causado problemas à comunidade, incluindo alagamentos que afetam residências próximas, com rachaduras e até mesmo desabamentos, como ocorreu em 2021, quando uma pessoa morreu e várias ficaram feridas. Além disso, ele tem provocado danos ao estádio do Morumbi, causando alagamentos.
Simone e Sandra estão entre as 1.598 famílias que receberam notificação de remoção em suas portas. Embora 671 famílias já tenham sido atendidas, de acordo com a Sehab (Secretaria Municipal de Habitação).
A falta de comunicação por parte da Prefeitura tem sido uma fonte de angústia para as irmãs.
‘Não sei quando e como me organizar. Ninguém diz o prazo exato que minha casa vai sair, e eu também tenho escutado que o valor da indenização é muito baixo’
Sandra, moradora do Paraisópolis
Segundo a Sehab, a avaliação do imóvel para fins de indenização, em áreas sujeitas a remoção por risco, obra pública ou urbanização, é regida pela Lei n° 17.777 de 19 de abril de 2022. O valor médio da indenização é de R$ 55 mil, com um teto máximo de R$ 60 mil. No entanto, para Simone e Sandra, esse valor é preocupante, considerando que ambas gastaram mais de R$ 100 mil na construção das casas.
Simone destaca a dificuldade de adquirir uma casa dentro ou fora da favela de Paraisópolis, dada a alta de preços no mercado imobiliário. “É injusto gastar tanto dinheiro em uma casa e, no final, famílias terem que sair com um valor que não dá pra comprar outra moradia digna, como a nossa, que trabalhamos a vida inteira para conseguir”.
Além da indenização, uma alternativa oferecida às famílias removidas é o auxílio-aluguel no valor de R$ 600. No entanto, para Simone e Sandra, esse valor é inadequado para encontrar uma moradia semelhante às suas atuais. “É desrespeitoso eles oferecerem esse valor, baixo tanto no aluguel quanto na indenização”, critica Sandra.
Atualmente, das famílias removidas, 496 optaram pela indenização, enquanto 175 recebem o auxílio-aluguel.
De acordo com a Sehab, o projeto do córrego Antonico tem um orçamento previsto, com data base de junho de 2020, é de R$ 113 milhões. O valor investido até janeiro de 2024 foi de R$ 26 mi, contando com a implantação de um Parque Linear (com área verde construída ao longo de um curso d’água).
Há também no projeto a urbanização de quadras, remoção de imóveis em áreas de risco, implantação de redes de abastecimento de água e esgoto, drenagem, microdrenagem e pavimentação.
A rua Senador Otávio Mangabeira também será contemplada com a implantação de um reservatório para contenção de cheias e construção de 664 metros de novas galerias. A canalização conta com seis fases, sendo que algumas delas já foram realizadas e outras não.
Três fases da obra não foram iniciadas:
Fase 1: entre a Rua Dr. Francisco Tomás de Carvalho e Rua Major José Marioto Ferreira
Fase 5: entre Rua Melchior Giola e Rua Ricardo Avenarius
Fase 6: entre Rua Ricardo Avenarius e Rua Dr. José Augusto de Souza e Silva.
Fase 2: entre Rua Major José Marioto Ferreira e Rua Manoel Antônio Pinto foram executados serviços de demolição e estacas de contenção, com percentual executado de 33,15%.
Fase 3: entre Rua Manoel Antônio Pinto e Rua Rudolf Lotze, percentual executado: 15,70%.
Fase 4: entre Rua Rudolf Lotze e Rua Melchior Giola percentual executado: 15,70%.
As intervenções foram iniciadas em dezembro de 2020 e as obras estão previstas para serem finalizadas juntamente com a implantação do Parque Linear e dos Serviços de Infraestrutura no primeiro semestre de 2027.
Já para Simone e Sandra, elas afirmam compreender a importância da canalização mas ressaltam a desvalorização e responsabilidade com as famílias de Paraisópolis.
“Sei que a canalização vai ser bom para a comunidade, mas não ter informações corretas, ninguém vir nos comunicar, atualizar e não ser indenizada com o mesmo valor que gastei na minha casa, é jogar fora todos os anos que trabalhei. Imagine quantos anos a mais terei que trabalhar para ter minha casa novamente. É de entristecer.”
Ainda de acordo com a SEHAB os diálogos com as famílias são constantes, realizados por assistentes sociais no plantão social localizado na Avenida Hebe Camargo, 99. O atendimento ocorre de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 12h e das 13h30 às 15h, tanto presencialmente como por telefone e Whatsapp.
Moradora de Paraisópolis, jornalista, produtora audiovisual e co-fundadora do estúdio 7 Notas, espaço que acolhe artistas locais e movimentando artes
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