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Construção de unidade da Vila Reencontro em Itaquera gera conflitos com moradores

População reivindica local onde moradia provisória para pessoas em situação de rua vai ser construída e aponta falta de transparência da prefeitura

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Raphaela Ribeiro / Agência Mural

Por: Raphaela Ribeiro

Notícia

Publicado em 10.11.2023 | 16:38 | Alterado em 10.11.2023 | 16:52

Tempo de leitura: 5 min(s)

A obra de uma nova unidade da Vila Reencontro na Cohab 2, na Praça Bom Pastor, em Itaquera, tem sido contestada por parte dos moradores do bairro na zona leste de São Paulo. Um abaixo-assinado contra o local do projeto foi criado, e teve mais de 2.319 assinaturas online e mais de 10 mil físicas.

A área em questão é palco de uma feira livre há mais de 30 anos, sendo uma fonte de renda para comerciantes. Além disso, a população afirma que o espaço é um dos poucos disponíveis para lazer e recreação no bairro. Instituições e projetos sociais também fazem uso do local.

De acordo com o feirante Antônio Jeano, 44, que expôs na feira por quase três décadas, os trabalhadores não foram consultados quanto à desocupação da Praça Bom Pastor. Ele alega que o aviso foi dado na mesma semana em que deveriam mudar de local. “Fomos pegos de surpresa”, relata.

A forma como o processo foi conduzido entre o poder público, os moradores e os feirantes também incomoda Vanessa Rodrigues, 40, que trabalha na feira da Praça Bom Pastor desde os 14 anos.

“Como assim, 30 anos em um lugar e de repente tudo vai mudar assim? Não é possível fazer uma mudança de um dia para o outro. Levamos duas semanas após o aviso para nos organizarmos melhor”, desabafa.

A feirante Vanessa trabalha desde os 14 anos na feira da Bom Pastor @Raphaela Ribeiro / Agência Mural

Ana Lúcia Domingues, 53, moradora do bairro, afirma que a população não foi informada da obra. Há cerca de três semanas, tapumes foram colocados ao redor da praça, restringindo o acesso ao espaço. Foi quando descobriram do que se tratava a operação.

“Eles [prefeitura] falaram que iam reformar, porque a feira era aqui. Só que aí descobriram que não era nada de reforma. Fomos enganados”, afirma. Ela tem uma relação sentimental com a praça, que fazia parte da rotina dela e do pai, que cuidava do local todas as manhãs. Com o início das obras em outubro, ele parou de frequentar o espaço.

O projeto visa atender moradores em situação de rua, segundo a prefeitura. O Programa Vila Reencontro é uma ação emergencial que prevê moradia a essa população, que chega a 53 mil pessoas, segundo dados do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) até março deste ano. O Decreto Nº 62.149 prevê a construção de habitações provisórias em contêineres.​

“Ninguém é contra o projeto, somos contra pegar uma área que é usada há mais de 50 anos, esse é o problema”, afirma o professor Fábio Santos, 42, um dos articuladores do movimento.

Praça Bom Pastor, em Itaquera, com sinais de deterioração @Raphaela Ribeiro / Agência Mural

A sobrecarga das unidades básicas de saúde, creches e escolas para atender tanto a população residente quanto os futuros moradores também é uma preocupação levantada. Segundo a prefeitura, a unidade terá 56 unidades modulares, que poderão acolher mais de 200 pessoas.

Aluízio Marino, 36, um dos coordenadores do LabCidade, laboratório de pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, destaca que muitos desses bairros já possuem demandas históricas não atendidas, como creches, equipamentos culturais e unidades básicas de saúde.

Ele aponta que há “ausência de diálogo com a população que está preocupada em atender suas demandas e não trazer um outro equipamento que vai aumentar ainda mais as demandas dos espaços do entorno.”

Outro ponto de atenção da população é a segurança do local e uma possível transferência da Cracolândia – aglomeração de usuários de drogas em cenas de uso – do centro da cidade para a região.

“A população, por mais que não more no centro, onde está a grande concentração da Cracolândia, ela não está apartada desse debate, dessa guerra de narrativa que tem rolado. Então, em alguma medida, esse medo vai ser reproduzido”, reflete Marino.

Histórico de conflitos

Em 19 de outubro, materiais de construção foram roubados, e contêineres usados no apoio à construção foram vandalizados com mensagens de protesto contra a suposta transferência e acolhimento de usuários de drogas no local, incluindo frases como “Noia aqui não”, “Cracolândia aqui não” e “Fora albergue”.

Os moradores dizem que o caso foi usado pelo poder público para criminalizar a população e descredibilizar a luta pelo espaço. “Nós ficamos com fama de vandalismo”, comenta a moradora Ana Lúcia.

Ainda em outubro, uma comissão de moradores foi criada com o objetivo de mediar os interesses da comunidade local com a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

A comissão foi convidada a conhecer no dia 20 de outubro a recém inaugurada unidade da Vila Reencontro no Pari, na região central, para entender a estrutura e objetivo do programa. Eles também ficaram responsáveis por articular a transferência do local para outro terreno na Cohab 2.

Unidade Vila Reencontro em Pari @Edson Lopes Júnior / SECOM Prefeitura de São Paulo

Na data, foi prometido aos moradores que uma resposta sobre a transferência seria dada em uma audiência pública no dia 30 de outubro, na subprefeitura de Itaquera.

Durante a audiência, a equipe técnica da SMADS informou que dois locais alternativos receberam parecer negativo devido a riscos geológicos e impactos ambientais. O impasse entre a prefeitura e os moradores chegou a interromper a obra no final de outubro, mas, com a negativa, a construção foi retomada, gerando um novo ciclo de conflitos.

Vai e vem

A vereadora Sandra Tadeu (União Brasil) publicou no dia 2 de outubro um vídeo em seu Instagram afirmando que a obra seria cancelada, após conversa com o prefeito Ricardo Nunes (MDB). No entanto, o anúncio não foi confirmado pela gestão.

A Agência Mural entrou em contato com os órgãos oficiais para esclarecer o caso. A Prefeitura de São Paulo, por meio da SMADS, informou por nota que não há planos para mudança na localização da nova Vila Reencontro nem estudos em andamento.

A previsão para a entrega das obras é no primeiro semestre de 2024, com um custo previsto de R$ 3,9 milhões. Sandra Tadeu foi procurada pela reportagem, mas não retornou até a data de publicação.

Caixotes da feira ao lado dos tapumes na praça Bom Pastor @Raphaela Ribeiro / Agência Mural

Em nota, a prefeitura afirma que “as áreas de implantação das Vilas Reencontro são selecionadas por um comitê intersetorial que analisa aspectos como zoneamento, topografia, acesso à rede de serviços e características sociais do território.”

“Quando existem interpretações equivocadas sobre a instalação de Vilas Reencontros por parte dos munícipes, é realizado um diálogo entre a SMADS e os moradores para explicar sobre o projeto”, afirma a gestão.

Já sobre a feira realizada há 30 anos no local, a prefeitura afirma que “a SMDH (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania), por meio da Sesana (Secretaria Executiva de Segurança Alimentar, Nutrição e Abastecimento), auxiliou no remanejamento para a rua Professor Leôncio Gurgel”.

Enquanto a obra é implantada, uma demanda constante por revitalização do local ainda não foi atendida. Em maio, moradores buscaram apoio do vereador Dr. Sidney Cruz (Solidariedade), que encaminhou um ofício com o pedido para melhorias no espaço.

Problemas em outros territórios

O programa Vila Reencontro tem enfrentado oposição em várias localidades de São Paulo devido a preocupações com segurança e comunicação insuficiente com os moradores. Um abaixo-assinado com 700 assinaturas em Santo Amaro, zona sul, questiona a proximidade da obra com linhas de transmissão de alta tensão e a falta de diálogo. 

Situações semelhantes ocorreram em Santana, zona norte, e no Jabaquara, zona sul, onde também houve manifestações contra as construções, temendo que o local se tornasse uma Cracolândia, moradores chegaram a bloquear uma avenida em protesto em 20 de outubro.

Desde dezembro de 2022, três unidades da Vila Reencontro foram entregues, que, juntas, têm a capacidade de abrigar até 720 pessoas que estiveram nas ruas por menos de 36 meses. Essas unidades, denominadas Cruzeiro do Sul (Zona Norte), Anhangabaú (Centro) e Pari (Zona Leste), variam em tamanho e podem acomodar de 160 a 400 pessoas.

Cada unidade modular possui 18 m² e tem capacidade para até quatro pessoas por até 24 meses. O investimento total foi de R$ 13 milhões, e atualmente, 471 pessoas residem nas unidades, ocupando cerca de 65,4% das vagas disponíveis, segundo a Prefeitura de São Paulo.

Para o coordenador do LabCidade, Aluízio Marino, há várias questões em torno do projeto.

O primeiro ponto é em relação ao tamanho das instalações. “Esse formato de contêineres com 18 m² não vai atender todo mundo. Não basta só replicar um monte de contêineres pela cidade”, pontua.

Além disso, ele questiona se essa política representa uma solução definitiva, “as pessoas não vão viver a vida toda num contêiner. Então, depois de um período nesse projeto, a gente tem que ter um contínuo, a gente tem que ter outras oportunidades”, avalia.

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Raphaela Ribeiro

Jornalista e pós-graduanda em jornalismo digital e contemporâneo, com trabalhos publicados na Folha, HuffPost Brasil, Revista AzMina, The Intercept, Terra e Agência Pública. Nascida e criada na zona leste, é correspondente de Itaquera desde 2023.

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