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A vida e a morte de João Pomelli

Correspondente narra como encontrou a história de um morador que viveu até os 90 anos como um “poeta do cotidiano” e superou anos na prisão

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Renan Omura/Agência Mural

Por: Renan Omura

Crônica

Publicado em 02.05.2022 | 9:29 | Alterado em 29.04.2022 | 17:30

Tempo de leitura: 3 min(s)

Às 23h do dia 12 de abril, recebi uma ligação. Do outro lado da linha era Rogério Castilho, um dos netos de João Pomelli. Eu não o conhecia, mas assim que atendi ele perguntou se era eu, o jornalista que tinha escrito uma reportagem sobre o seu avô. Respondi que sim.

“Agradeço pelos registros, Renan. Mas te liguei para avisar que o meu avô faleceu agora pouco. Não sabemos a causa, mas tudo indica que foi um infarto”, disse Rogério.

Embora a notícia tenha me impactado, não fiquei surpreso com o acontecimento. Não somente pela idade avançada de seu João, mas pelas coisas que ele falou na última vez que nos vimos. No sábado, dia 26 de março, fui até a casa dele, no bairro Recreio Internacional, periferia de Suzano, na Grande São Paulo.

Na ocasião, levei a reportagem e o episódio do podcast que eu havia produzido para ele ouvir, pois João não tinha acesso à internet e estava com a visão bastante debilitada. Por conta disso, li a matéria em voz alta para ele. O nosso último encontro durou cerca de uma hora e no momento de se despedir, ele agradeceu.

“Que bom que deu tempo de você vir aqui e me mostrar a reportagem, pois achei que eu ia partir antes. Sinto que meu tempo está acabando, mas a sua vida continua, Renan. Vai com Deus porque você tem muito o que viver”, comentou.

João Pomelli escreveu livros sobre a vida no cárcere @Renan Omura/Agência Mural

Eu o cumprimentei com um aperto de mão e fui embora. Essa última frase ficou na minha cabeça, pois ele nunca tinha se despedido dessa forma. Porém, semanas depois, quando soube do falecimento, compreendi o que o seu João estava tentando dizer.

Fato do destino ou do acaso, o conheci em 2007. Eu tinha em torno de 12 anos e fui ao açougue da Vila Ipelândia com os meus pais. Quem nos atendeu, foi o seu João. Lembro-me que ele contou brevemente sobre tudo que tinha vivido até ali. Disse que passou boa parte da vida preso em presídios da capital paulista e que escrevia poesias.

Naquele tempo, eu não cogitava seguir o caminho do jornalismo, mas mesmo com pouca idade, achei o relato interessante. Passaram-se mais de 15 anos e eu recordava daquela história que tinha escutado.

Em dezembro de 2021 eu estava à procura de pautas para sugerir à Agência Mural. Foi quando resolvi ir até o açougue da Vila Ipelândia tentar encontrá-lo. Chegando lá, perguntei para um dos atendentes o paradeiro do ex-açougueiro que trabalhava ali. Ele me passou o telefone e logo entrei em contato com o seu João.

Ao total, foram quatro encontros para conseguir escrever a reportagem. João vinha com problemas de memória em decorrência dos 4 AVCs que sofreu. Nas conversas, contou com detalhes as coisas que fez na juventude e que se arrependia.

“Fico feliz que alguém se interessou pela minha história. Eu liguei várias vezes em programas de rádio para contar tudo o que eu passei, mas ninguém nunca me atendeu. Que bom que você me encontrou, Renan”, disse sorrindo.

Na entrevista, reforçava a vontade de escrever, mesmo quando já não podia por conta da visão. “Vejo a beleza na simplicidade, na natureza e até no sofrimento. Serei sempre um poeta do cotidiano.”

E foi, João.

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Renan Omura

Jornalista. É fotógrafo por hobby (as vezes por trabalho), é amante dos dias frios e nunca dispensa um café. Correspondente de Suzano desde 2019.

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