Durante pandemia, Centro Cultural Mamulengo tem mantido programação pedagógica virtual para atrair jovens e pede ajuda para reformar sede
Eduardo Machado/Agência Mural
Por: Eduardo Machado
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Publicado em 16.04.2021 | 12:57 | Alterado em 23.11.2021 | 19:08
Março foi um mês de aprendizado e reuniões on-line para a estudante Mikaelle Andresa Conceição Mendes dos Santos, 16. Ela é uma das participantes do projeto “Olhar da Juventude”, uma formação em teatro de bonecos com ênfase em cidadania, arte, território e estética oferecido, gratuitamente, por outros jovens artistas do CCM (Centro Cultural Mamulengo), na comunidade do Monte Sagrado, em São Tomé de Paripe, Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Entusiasmada com dois encontros virtuais semanalmente, por conta das restrições impostas pela pandemia, Mikaelle elogia o trabalho da trupe teatral com 14 anos de ações na região. “O CCM é uma porta que possibilita a inserção de jovens em outros espaços, de expressar nossos talentos. É o lugar que valoriza nossa identidade e ressalta que a gente pode conseguir alcançar nossos objetivos”.
Essa relação afetiva com o centro cultural faz parte também da história de Natan Jesus da Silva, 25, atualmente coordenador da instituição. Ele foi integrante da primeira oficina de teatro de bonecos no espaço, ministrada pelo mestre bonequeiro Elias Bonfim, em 2007. “Ser bonequeiro é ser encantado pela arte do boneco e encantar outras pessoas”, define-se.
Feito simplesmente de papel ou de uma forma mais significativa com cabaça, madeira e tecido, o mamulengo cuja tradução em bantu significa “mãos moles” é um Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro presente na cultura popular nordestina. O teatro de bonecos traz em sua essência personagens criados a partir das representações sociais do cotidiano.
Para Silva, o projeto on-line foi uma alternativa para a continuidade das ações do coletivo no contexto atual. “A proposta surgiu após o desafio de organizar a manutenção das atividades do CCM, frente ao novo cenário de coronavírus que impactou diretamente no setor cultural, onde o grande clímax é a interatividade e o encantamento entre público e plateia”.
Com outras ações virtuais em andamento, o espaço contabiliza números expressivos. “Cerca de 800 pessoas são acompanhadas direta e indiretamente pelos projetos do CCM. No Olhar da Juventude, por exemplo, 32 jovens se inscreveram e 20 participaram ativamente das reuniões virtuais”, afirma Alvaro Sant’Ana Oliveira Pereira, 24, coordenador de comunicação do CCM.
“Nas redes sociais, alcançamos algo em torno de mil pessoas, entre as que seguem nossa página e as que assistem as lives, interagem ao vivo e entram em contato todos os dias para saber das atividades futuras”, ressalta.
Contudo, Mateus Bahia, 24, gestor financeiro da instituição, pontua os desafios em realizar atividades on-line durante a pandemia e manter parcerias.
“É um processo difícil porque o trabalho cultural e artístico envolve muita proximidade, o contato entre pessoas é energia, e isso quando se faz on-line é totalmente diferente. Estamos tendo o desafio tanto para gente ter essa motivação e conseguir entender, quanto para os educandos que vem se esforçando para acompanhar as atividades.”.
A sede do espaço levantada a partir de um mutirão tem apresentado problemas estruturais como rachaduras, cupins e destelhamento. Para captar recursos para a reforma, o CCM lançou uma vaquinha virtual, em julho do ano passado, com meta de arrecadar R$ 6.698,00, mas até esta sexta-feira (16), apenas oito apoiadores contribuíram, totalizando R$ 700.
“A cada período de chuva a estrutura da nossa sede é mais prejudicada. Paredes, janelas e telhas danificadas e tomadas pela umidade. No ano passado arrombaram nossa sede e quebraram a pia. Nessas condições não é acessível, não é seguro e não é o que a nossa comunidade merece.”, esclarece Natan de Jesus. Para contribuir com a vaquinha virtual da reforma do Centro Cultural Mamulengo, é preciso acessar a campanha no site da campanha.
OUTROS PROJETOS
Localizado no último bairro dos 22 territórios populares que formam o Subúrbio Ferroviário, o Centro Cultural Mamulengo foi além das suas pretensões iniciais.
“Com as oficinas de confecção de bonecos começaram a surgir outras demandas da comunidade, pessoas começaram a procurar o espaço ainda de plástico, surgiram novos integrantes e outros cursos como a dança afro e a capoeira e aí vingou,”, conta o coordenador Natan de Jesus Silva.
No espaço, acontecem atividades como o grupo de teatro, capoeira, dança e eventos comunitários (bingos, feira de empreendedorismo com vagas prioritárias para mulheres pretas e saraus), além de eventos do calendário baiano (São João, Caruru) e com foco na população negra e no enfrentamento contra o racismo, entre eles o Festival Odara de São Tomé de Paripe e o acolhimento da Pré – Conferência Sobre Segurança Pública e Participação Popular.
Com a pandemia, a internet passou a ser a aliada principal para garantir novas ações para a comunidade. O projeto de “Formação de Teatro Popular da Juventude” foi uma dessas iniciativas pensadas com objetivo de valorização territorial e consciência identitária.
Atividades on-line voltadas à performance teatral, preparação vocal e corporal e escritas criativas ocorreram todas as terças e quintas de março, com público de 15 a 29 anos. Essas formações foram ministradas por profissionais e artistas parceiros do CCM. O projeto conta com o apoio financeiro da lei Aldir Blanc e do governo do estado da Bahia.
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“O olhar da juventude é expressão artística sobre os direitos e reivindicações contra o genocídio da juventude preta. Esse olhar referenda quem somos, por isso convidamos pessoas negras e suburbanas que transformam as comunidades através da arte”, resume Silva.
Sentir-se mais próximo e buscar a sensação de que a arte não para foi o resultado da formação em teatro de bonecos do “Sarau da Juventude”, transmitido pelo canal do Youtube do CCM no último sábado, dia 10 de abril.
O evento de encerramento contou com a participação dos grupos de teatros Novos Arteiros e Alto Falante, das rappers Udi Santos, Bruna Mc e da atriz e dançarina Carol Xavier. Com duas horas de duração, o sarau, além de poesias, teve espetáculos teatrais, apresentações musicais e de mamulengos, assim como diálogos sobre teatro e negritude.
Também na busca de reconhecer os valores culturais da comunidade de São Tomé de Paripe, o CCM iniciou no ano passado o “São Tomé Minha Raiz”, um projeto de pesquisa com jovens, em que a colheita de dados se dá por meio de um questionário virtual.
“A intenção é através desses dados chegar até uma população antiga do bairro. Queremos resgatar as histórias dos lugares de memórias locais buscando a valorização de mestres tradicionais indígenas, de rezadeiras, quilombolas e marisqueiras presente no território ao longo do tempo”, explica Silva.
Jornalista e correspondente do bairro Lobato no Subúrbio/ Ilhas em Salvador, BA, desde 2020. É educador referência e articulador político. Integra assessorias de Movimentos Negros e a Rede de Religiões de Matriz Africana do Subúrbio Ferroviário de Salvador. É Ogan no Ilê Axé Torrun Gunan e pai de Kaiyê Dan.
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