Durante congresso sobre jornalismo de educação, Julia Farias, ex-aluna da ETEC Prof. André Bogasian, falou sobre o que vê na cobertura de educação; a adolescente participou do Acontece na Escola, projeto da Agência Mural
Alice Vergueiro/Jeduca
Por: Redação
Opinião
Publicado em 27.08.2019 | 19:40 | Alterado em 27.08.2019 | 19:50
Confira na íntegra o discurso de Julia Farias, 17, sobre educação e jornalismo no Congresso da Jeduca. A moradora de Osasco participou do evento realizado em São Paulo nos dias 19 e 20 de agosto.
Sou Julia [Farias], tenho 17 anos, sou de Osasco, na Grande São Paulo. Terminei o ensino médio em 2018 e atualmente trabalho em uma startup de tecnologia. Comecei a estudar na ETEC André Bogasian, em Osasco, em 2016. Sou muito grata por ter tido a oportunidade de estudar lá. O corpo docente é incrível, era um ambiente muito agradável e me fazia me sentir em casa.
No final do terceiro ano, vi a oportunidade de participar da bolsa de jornalismo da Agência Mural [projeto Acontece na Escola]. Assim que eu vi o cartaz do concurso, não pensei duas vezes. Fui pra casa e comecei escrever três propostas para mandar. Quis participar porque sabia que, antes de sair da escola, aquela seria a única oportunidade que teria de ter contato com uma profissão que eu considerava seguir. E, além disso, a proposta da Mural me encantou logo de cara, porque além de estar dando a oportunidade ao estudante de ter voz, estava buscando mostrar o lado bom das escolas da periferia, algo que para mim é raro: ver o lado bom da escola pública sendo retratado.
O processo todo foi ótimo. Aprendi muito e conheci pessoas incríveis e muito talentosas.
Escolhi falar sobre a reforma do ensino médio porque, na época, estávamos falando muito sobre o assunto na escola e meus professores até fizeram um protesto silencioso contra ela. Perdi as contas de quantos momentos em sala passamos debatendo e pensando sobre os prós e contras de tudo isso. Paralelo a reportagem, eu estava fazendo outros trabalhos sobre a reforma, cheguei a entrevistar o Cesar Callegari com um grupo de amigos.
Durante o processo de pesquisa desses trabalhos e da reportagem eu vi que os estudantes têm muito o que falar. Muito mesmo. Todos nós tínhamos uma opinião sobre a reforma, mas eu não via representatividade disso nos meios de comunicação que falavam sobre a reforma, exceto pela internet.
Na televisão eu só via propagandas do governo, e a maioria das reportagens que eu vi cobriam só a superfície do assunto.
Uma coisa falada tanto por alunos quanto professores foi: nós não fomos ouvidos. E todos nós concordávamos com isso, sendo a favor ou contra a reforma, nós não nos sentimos parte da discussão.
Nós imaginávamos que, com uma sugestão de mudança tão grande, viria uma mobilização tão grande quanto para ouvir quem realmente seria afetado caso ela acontecesse. Nós, alunos e professores.
Eu conversei sobre isso com uma pessoa bem mais velha do que eu, e essa pessoa disse o seguinte: “Do que que ia adiantar falar com o povo? Brasileiro é tudo desinteressado”. Isso é mentira. O povo não é ignorante, é ignorantizado, e é conveniente que seja assim porque aí não questionamos o que nos é sugerido ou imposto.
Acredito que quando se trata de uma causa tão importante quanto essa, não devemos e nem podemos esperar que as pessoas “tenham interesse”. Temos sim que incentivar, que desenhar, incluir e só assim as pessoas vão ser menos ignorantes em relação a um certo assunto.
VIVEMOS ALÉM DO ENEM
Eu realizei uma pesquisa com cerca de 33 estudantes de idades entre 14 e 24 anos, sendo a maioria de instituições públicas, e 70% desses jovens disseram que não acompanham as notícias sobre educação. Só consomem esse conteúdo caso tropecem nele: algum artigo nas redes sociais, uma reportagem na TV.
É preocupante, porque, parando bem para pensar, eu estou inclusa nesses 70%, porque o conteúdo que eu vejo do jornalismo de educação não parece ser feito pra mim. Para o estudante, no geral. Uma coisa que foi muito destacada na pesquisa foi o fato de boa parte das reportagens usarem uma linguagem um tanto complicada, com termos técnicos, que acabam gerando uma dificuldade na hora de transmitir as informações para um público mais jovem.
Além disso, uma coisa que os estudantes que eu entrevistei falaram bastante foi sobre a quantidade de matérias negativas que nós vemos sobre a educação no Brasil.
Eu perguntei “qual é a primeira coisa que vem a sua cabeça quando você pensa em reportagens sobre escolas, educação, estudantes?”. As respostas que eu mais recebi foram: coisa ruim, corte de verbas, aluno prodígio, atrasados do Enem, “lá vem bomba”, Enem, aluno ataca professora e mais Enem.
Nós sabemos que é necessário falar sobre as coisas ruins que acontecem nas escolas e sobre as falhas do nosso sistema educacional, o primeiro passo para a mudança é reconhecer o que está errado. Mas é igualmente necessário falarmos sobre as coisas boas que acontecem, a gente precisa de um lembrete que “ainda tem esperança”, sabe?
E o universo do estudante é muito mais complexo do que é retratado. Sim, os vestibulares são mega importantes e os atrasados do Enem são engraçados, mas nós passamos mais de 10 anos na escola e vemos, sentimos e passamos por muita coisa.
A adolescência é um período complicado, nos descobrimos e redescobrimos todos os dias, imagina isso multiplicado por 40, que era a quantidade de pessoas que havia na minha sala. O que eu quero dizer é: a gente pensa sobre o Enem, mas não acaba aí.
No geral, sinto que as reportagens sobre educação são aquelas que meus pais me chamam na sala falando: “Oh, Julia! Vem ver isso aqui importante que tá passando”. E quando chego lá é algum adolescente prodígio super gênio que passou na USP com 14 anos ou algo do tipo, ou assuntos que mais caem no Enem.
Eu, como estudante, gostaria de ter prazer em assistir as notícias sobre educação. Gostaria de me sentir representada também. Não sou nenhuma criança prodígio e até hoje não me atrasei para o Enem, mas seria legal ter a oportunidade de falar, ser ouvida e ser levada a sério.
O jornalismo é fundamental para a sensibilização e conscientização do cidadão, e vocês têm feito um ótimo trabalho. Mas creio que se vocês colocassem os sapatos de estudante novamente, nós conseguiríamos nos entender melhor. Quando me convidaram para estar aqui a minha reação foi “Ué! por quê? Eu sou SÓ estudante, não tenho nada pra acrescentar nessa conversa”. Mas isso é totalmente mentira.
De tanto ouvir o discurso de que “você só estuda, não sabe de nada ainda” como se eu não pudesse, possivelmente, entender a profundidade de qualquer assunto, eu acabei, inconscientemente, tomando isso para mim como verdade, quando na real eu sou uma das partes mais importantes dessa conversa.
Sei que tem muita gente super especializada no assunto, formada em sei lá quantas faculdades e secretário daqui e dali, mas se tem uma pessoa que tem propriedade para falar sobre educação sou eu, estudante, que vivo isso na pele diariamente. Meu desejo para o jornalismo de educação é que ele seja mais real e mais sensível, que a parte vital dessa conversa seja envolvida. Olhem para gente, prestem atenção na gente. Todos os estudantes, todos, merecem ser ouvidos.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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