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Rodízio de alunos nas escolas gera sobrecarga de trabalho em professores durante pandemia

Por: Jessica Bernardo

Quando a professora Maria Helena de Sousa, 42, chega em casa à noite, depois de sair da segunda escola em que dá aulas, um novo turno de trabalho começa. É nesse período que ela prepara as atividades para os estudantes que vão acompanhar suas aulas remotamente durante a semana. “É trabalhoso, mas necessário”, conta.

Em um ano e meio desde o início da pandemia, o ensino virtual seguiu presente na rotina das escolas públicas da Grande São Paulo. A partir de segunda-feira (18), a volta às aulas presenciais será obrigatória no estado, mas os alunos poderão continuar no sistema de rodízio, que combina as aulas presenciais com as virtuais, até novembro.

O formato já era aplicado na maior parte dos colégios. Na Escola Municipal Vicente Maciel, em Cotia, onde Maria Helena leciona, a turma do 4º ano tem 27 alunos. Quatro deles estão apenas no ensino online e os outros 23 se revezam em dois grupos para frequentar as aulas presenciais.

A professora Maria Helena de Sousa, 42, conta que prepara atividades durante a noite @Matheus Pigozzi/Agência Mural

Às segundas e quartas-feiras é a vez da primeira turma ir até a escola. Às terças e quintas o segundo grupo ocupa as carteiras. Enquanto parte dos alunos frequenta o presencial, os outros fazem as lições em casa, seguindo o roteiro de atividades proposto pela professora.

Na teoria, o conteúdo para o ensino remoto deveria ser preparado às sextas-feiras, quando nenhum aluno vai à escola. No entanto, planejar as aulas da semana leva mais tempo do que isso e o trabalho acaba invadindo os horários de descanso da professora.

É só às 20h, quando Maria Helena volta para casa, que ela consegue terminar as atividades. “Chego na minha casa, revisito o roteiro e faço a gravação da aula posterior”, explica a educadora.

Além dos roteiros para os estudantes que se revezam entre o online e o presencial, ela prepara também um material adicional, com vídeos didáticos, para os alunos que ainda não voltaram para a escola em nenhum dia. “A ideia é que ninguém perca nada.”

Em Cotia, onde Maria Helena atua, a prefeitura ainda não decidiu se vai seguir o governo estadual e decretar a obrigatoriedade das aulas presenciais na próxima semana. Os municípios com conselhos de educação próprios podem optar por acompanhar a decisão estadual ou manter o retorno facultativo dos alunos.

AULAS GRAVADAS

Em Guarulhos, segunda maior cidade da Grande São Paulo, a gestão municipal decidiu seguir o governo estadual e tornará obrigatória a volta dos estudantes para o presencial a partir de segunda (18). O sistema de rodízio, contudo, será mantido até novembro para garantir o distanciamento de um metro.

Na Escola Mário Quintana, as professoras do ensino infantil se organizaram para dividir o planejamento das aulas remotas. Juntas elas criaram uma apostila com atividades para as crianças fazerem a cada semana, além de dividirem a gravação dos conteúdos para as turmas.

Em Guarulhos, na Grande São Paulo, aulas presenciais serão obrigatórias @Ira Romão/Agência Mural

A professora Vanessa Silva, 34, trabalha na escola e tem 36 alunos matriculados na sala. A maioria vai às aulas presenciais, mas quatro estudantes continuam no online. Assim como Maria Helena, ela grava os vídeos com as explicações da própria casa.

“O online é mais aula gravada e mediação. Faço interação online com eles todos os dias e fico à disposição se algum aluno precisar fazer uma chamada de vídeo para mediar alguma atividade.”

Os conteúdos gravados foram a solução encontrada por vários professores para driblar a falta de internet dos alunos no começo da pandemia. Acompanhar as aulas ao vivo exige uma conexão com mais velocidade, o que é raro nas periferias da Grande São Paulo.

Já a professora Thaís Lemes, 36, decidiu dar aulas ao vivo para os estudantes do ensino remoto todas as segundas-feiras. Ela atua na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Dom Veremundo Toth, em Paraisópolis, zona sul da capital paulista. 

“Conversando com eles, a gente achou melhor fazer uma vez por semana. Até porque tem lugares em Paraisópolis que não têm internet”, explica a educadora.

A turma dela tem 32 alunos. Dois deles continuam no ensino virtual e os demais se revezam para ir à escola semana sim, semana não. Às segundas, a professora conecta o computador à TV da sala de aula e os alunos que estão em casa conseguem acompanhar a explicação junto com os que estão na escola.

Quem tem dúvida, seja no virtual ou no presencial, precisa levantar a mão.

“Quando eles têm perguntas, eles levantam a mão no Google, mas aí trava. Eu falo: ‘escreve’, mas aí já vem o desafio porque alguns não são alfabetizados”, conta.

Apesar dos problemas técnicos, Thaís diz que os alunos gostam de ver uns aos outros. E para evitar muitas dúvidas, o conteúdo dado às segundas é sempre algo que já está sendo trabalhado com os estudantes.

“Eu já planejo aulas estratégicas, que não envolvem tanto raciocínio. Não é conteúdo novo”, diz. Nos outros dias, o conteúdo das aulas virtuais é gravado pela professora em casa.

Na capital paulista, a Secretaria Municipal de Educação disse que a partir do dia 25 de outubro não haverá mais rodízio entre os alunos que optarem pelo ensino presencial nas escolas da rede. A volta dos estudantes para a sala de aula, no entanto, continuará facultativa.

ENSINO HÍBRIDO

O modelo adotado na maior parte das escolas, com alternância entre presencial e online, tem sido chamado pelos governos municipais e estadual de ensino híbrido.

Mas para Alexandre Schneider, que pesquisa tecnologias para a educação no “Transformative Learning Technologies Lab” (Laboratório de Tecnologias Transformativas para Aprendizagem, em tradução livre) da Universidade Columbia, nos EUA, a combinação entre o remoto e o presencial não é necessariamente um ensino híbrido.

“O ensino híbrido usa a tecnologia, mas articula a tecnologia com o presencial de uma forma interligada”, explica o professor, que é também ex-secretário municipal de educação de São Paulo.

A coordenadora da Campanha Nacional Pela Educação, Andressa Pellanda concorda que o método atual está longe do ideal.

“Ainda falta muito para a implementação de um ensino híbrido com qualidade, se é que isso é possível.”

Para ela, no entanto, a volta obrigatória precisa ser articulada com uma melhor infraestrutura nas escolas e o controle dos protocolos sanitários em todos os serviços. “Sem essas políticas concomitantes, não haverá educação de qualidade em sala de aula e não haverá retorno pleno que seja defensável.”

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