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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Bruno Xavier

Edição: Paulo Talarico

Publicado em 13.11.2023 | 15:52 | Alterado em 13.11.2023| 18:26

RESUMO

Um licenciamento emitido pela Cetesb foi questionado no Ministério Público por moradores da região e deputados estaduais

Tempo de leitura: 7 min(s)
Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade logo-territorio
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Em março, a Marginal do Una foi tomada pelo rio Tietê e vários carros ficaram ilhados esperando a liberação do trecho que fica em Suzano, na Grande São Paulo. Moradores temem que essa situação se agrave e que casos do tipo se repitam, por conta de uma obra realizada em uma área de proteção ambiental na região.

“Os animais que morreram, já morreram, as enchentes que vão acontecer nós vamos ter que arrumar um plano de contingência. Nós estamos no olho do problema”, afirma Rosenil Órfão, 61, fundador do MDAPART (Movimento de Defesa da APA do Rio Tietê).

O problema, na visão de Rosenil, é uma obra que se tornou centro de uma disputa judicial. Um trecho da APA (Área de Proteção Ambiental) da Várzea do Rio Tietê, localizado no bairro Miguel Badra, passou a ter desde o começo do ano a construção de um aterro de inertes – espaço reservado para receber resíduos da construção civil com perspectiva de reuso futuro.

Moradores questionam o uso de uma área ambiental para esse destino, enquanto a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e a empresa Mogiana Mineradora, responsável pelas obras, alegam que seguem a legislação.

No entanto, relatórios preliminares apontaram que a intervenção pode causar contaminação do solo e da água pelos materiais aterrados.

Região da Várzea do Rio Tietê onde está sendo implantado aterro MDAPART

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A área serve de corredor ecológico para espécies de árvores, animais e insetos da Mata Atlântica, além de absorver os impactos de cheias do rio Tietê após períodos de chuva.

A região do Miguel Badra é uma das mais populosas de Suzano. Além dela, o Tietê também passa por bairros residenciais como o Parque Maria Helena e a Vila Maluf, além de se encontrar com o Rio Una, no acesso ao centro do município.

Sigilo

Apesar de hoje atuar como analista de sistemas, há 18 anos Rosenil batia ponto na Prefeitura de Suzano; ele foi secretário de Governo (e de outras pastas) do ex-prefeito Marcelo Cândido, na época no PT e hoje no PSOL.

Para ele, o problema é anterior ao próprio aterro. Rosenil diz que a implantação de um loteamento já aprovado na região, chamado de Novo Badra, seria um retrocesso: “É um velho modelo de ocupação predatório que apenas o sistema antiquado de empresários antigos visando o lucro imediato é capaz de fazer”.

Obras no aterro começaram em 2023 @Bruno Xavier/Agência Mural

O analista também afirma haver irregularidades no processo de licenciamento do aterro na Cetesb. Para averiguar a questão, o MDAPART entrou em contato com a ONG S.O.S Mata Atlântica e com o advogado e ambientalista Virgílio de Farias, 69.

Virgílio solicitou vistas ao processo, locado na agência da Cetesb de Mogi das Cruzes, cidade vizinha à Suzano. Tanto ele quanto a ONG foram surpreendidos quando receberam da companhia estadual a informação que todo o processo estava sob sigilo a pedido da Mogiana Mineradora.

“Um empreendimento dentro de uma APA, que tem um conselho gestor que não foi consultado, que trata de bens ambientais que dizem respeito ao público não pode tramitar em sigilo”

Virgilio Farias, da SOS Mata Atlântica

Após o pedido do advogado, a Cetesb perguntou à Mogiana Mineradora, se havia interesse em manter o sigilo. Até aquele momento, o órgão não havia questionado a empresa acerca do motivo pelo qual solicitou o segredo.

Inicialmente, a Mogiana não autorizou, alegando que o sigilo se justificava por questões de “competição empresarial”. Dias depois, porém, a empresa voltou atrás e entrou em contato com a Cetesb autorizando que outras pessoas pudessem acessar os documentos do licenciamento.

Dono da Mogiana, Frederico Lopes Pereira, 47, afirmou à Agência Mural que a volta atrás no sigilo se deu para que “quem estava contestando pudesse ver que não havia nada de errado”.

Com o acesso concedido, o advogado e os membros do movimento indicaram que não foram anexados no processo pareceres da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Suzano e do Condema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente), nem consulta ao CBH-AT (Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê), do qual Rosenil e Virgílio fazem parte.

Além disso, foi possível ver as várias negativas ao processo e os riscos do empreendimento na visão dos órgãos fiscalizadores.

Região do aterro. Empresa afirma ter seguido legislação @Bruno Xavier/Agência Mural

Vulnerabilidade e negativas

O pedido de licença foi registrado em março de 2015 na Cetesb de Mogi. Em novembro do mesmo ano, a Cetesb e a Fundação Florestal rejeitaram a solicitação, citando “fragilidades ambientais” e “vulnerabilidade” da região da várzea do Tietê, além do temor de contaminação do solo e da água.

A Mogiana recorreu, mas teve o pedido novamente negado pelo gerente do Departamento de Gestão Ambiental, no início de 2016. A empresa insistiu e enviou o pedido novamente, desta vez citando um processo parecido, em que a Cetesb autorizou a empresa Flora Évora Paisagismo a realizar um aterro em condições similares.

No documento, o dono da Mogiana se apresenta como procurador da Flora Évora – ele nega ter relação com a empresa.

Ao longo de dois anos, a Mogiana refez laudos e croquis do projeto e manteve contato com a Companhia, que sempre se manifestava sublinhando a vulnerabilidade da região. Mas em 2018, a Cetesb mudou o entendimento e aprovou o projeto.

A reportagem questionou a Cetesb a respeito da mudança de posição a respeito do tema, e se a “fragilidade” e “vulnerabilidade” apontadas na região da várzea do Tietê mudaram entre um pedido e outro. A agência também foi questionada a respeito da falta de consulta ao CBH-AT e à falta de audiências públicas a respeito do empreendimento.

A companhia se limitou a dizer que “o aterro mencionado é objeto de ação popular ajuizada, sendo que as questões técnicas sub judice foram devidamente contestadas e tiveram sua legalidade demonstrada pela Cetesb. A Cetesb seguirá na discussão até sua decisão final”.

Linha do tempo

Entenda como a área passou de proteção ambiental para uso de um aterro

1

Na década de 1960, o sítio de Miguel Badra foi dividido em várias glebas, loteado e transformado no bairro que viria a se transformar em um dos mais populosos de Suzano. Aos poucos, os loteamentos foram  ocupados, uns de forma mais rápida, outros menos. Alguns até hoje ainda não têm moradores.

 

2

Um desses lotes sem habitantes é o localizado na Gleba nº4. Com loteamento aprovado desde a década de 1970, a região nunca atraiu muitos moradores. Em parte, isso se deve à proximidade ao Rio Tietê, que em épocas de muita chuva ocupa parte dessa área.

 

3

Ainda nos anos 1970, foi criado pelo governo estadual uma APA (Área de Proteção Ambiental) que se estende desde a nascente do rio, em Salesópolis, até Santana de Parnaíba, cortando a Grande São Paulo num esforço para reduzir a degradação do Tietê.

 

4

Em 2009, após a morte de Alberto e Somaia Badra, a Gleba 4 ganhou um interessado. O filho e inventariante do casal, Paulo Racy Badra, nomeou como procuradores do espólio dos pais Oswaldo e André Mazoni, sócios da Imobiliária Mediterrâneo de Guarulhos.

 

5

A empresa celebrou um contrato de arrendamento de novo território, tendo como arrendatária a Mogiana Mineradora, que foi quem solicitou a autorização da prefeitura e o licenciamento da Cetesb em 2015 e, com a licença em mãos, iniciou as obras do aterro neste ano.

Na justiça

Com a licença prévia concedida, a Mogiana iniciou as obras preliminares no aterro, como limpeza do terreno e instalação de cercas. Apesar da licença concedida em 2018, segundo Frederico as obras do aterro só foram iniciadas no início deste ano.

Com o início do aterramento, o MDAPART procurou Virgílio, que abriu uma notícia-crime na delegacia da Polícia Ambiental da região. Ele também encaminhou uma denúncia para o Ministério Público, porém o MP negou o andamento do processo, alegando a existência de um inquérito civil.

O advogado questiona o arquivamento do MP e diz que a denúncia na Polícia Ambiental não afetaria o andamento de uma ação judicial.

Virgílio e o MDAPART então mudaram de estratégia. Eles entraram em contato com deputados estaduais, visando dar mais visibilidade e pressão para tentar embargar a obra. Em agosto, ingressaram na ação junto com Virgílio os deputados Guilherme Cortez (PSOL), Marina Helou (REDE) e da Bancada Feminista (PSOL). A ação ainda está em andamento.

A reportagem entrou em contato com a Mediterrâneo de Guarulhos, imobiliária que adquiriu o terreno inicialmente, e a Mogiana Mineradora, responsável pelo aterro. A primeira não retornou o pedido de entrevista. Já a Mogiana aceitou falar e convidou a reportagem para uma visita ao aterro.

Mapa de ruas do empreendimento tem trechos sobre o Rio, o que não é permitido @Reprodução

O aterro

Localizado na Avenida Miguel Badra, o aterro recebe resíduos da construção civil de toda a Grande São Paulo, armazenando-os para serem reutilizados no futuro. Por ser em uma região de várzea, ele só pode receber materiais específicos, que não impactem no ecossistema local, como areia, pedras e terra.

Na obra, Frederico, dono da Mogiana, falou sobre os questionamentos judiciais do aterro. Segundo ele, a demora no licenciamento, que se arrastou de 2015 até 2018, com duros pareceres desfavoráveis da Cetesb, seria prova da criteriosidade da agência e da regularidade do empreendimento.

No processo, está previsto que o aterro só existirá por um prazo que ainda será definido, posteriormente sendo desativado e dando lugar a um loteamento industrial em parceria com a prefeitura, chamado de CitLog.

Frederico diz não haver previsão da conclusão, por causa das chuvas e problemas de equipamento. “Hoje, por exemplo, que é um dia chuvoso, não recebemos muito material, então vai depender do andamento das obras.”

Um ponto mostrado como erro pela MDPART é um mapa em que uma das ruas previstas no empreendimento passa diretamente sobre o Rio Tietê, indicando um aterramento ilegal. Frederico afirma não saber desse mapa, mas que provavelmente seria um erro de desenho: “Eu até acho estranho, nós não vamos passar nem perto do rio”, diz.

Perguntada sobre o porquê de não ter questionado o mapa nos processos, a Cetesb não se pronunciou.

E a prefeitura

Um ponto de conflito entre o MDAPART e a Mogiana gira em torno do papel da prefeitura de Suzano no empreendimento. Enquanto o movimento acusa a prefeitura de “conluio” com empresários e políticos, Frederico afirma que os governos municipais não influenciaram em nada no licenciamento da obra.

Em um dos boletins, o MDAPART mostra uma foto de um panfleto da campanha para reeleição do prefeito Rodrigo Ashiuchi (PL), em 2020. Nele, é mostrada uma representação do que seria a região onde hoje é o aterro loteada para o CitLog, futuro empreendimento industrial da Mogiana, com indicação para a criação de empregos.

Placa da Prefeitura sobre intervenção na região. Gestão diz não ter relação com a autorização e que o aterro é em área particular @Bruno Xavier/Agência Mural

Frederico diz não saber que a campanha do prefeito utilizou esse material. Em frente ao aterro, existe uma obra de ampliação do sistema de vazão e drenagem das águas para prevenção a enchentes. O trabalho, com placa da prefeitura, também estava sendo feito pela Mogiana.

Questionada se tem algum envolvimento com o processo de licenciamento do aterro, a prefeitura de Suzano diz que “todo esse processo se deu em âmbito do governo do Estado, não tendo participação da Prefeitura.”

A nota ainda cita que os serviços têm sido feitos em propriedade particular e com autorizações da Cetesb. “A obra é PARTICULAR com aprovação do ESTADO”, afirma a gestão, que grifou com caixa alta.

Apesar de reforçar não ter relação com o projeto, a prefeitura defendeu o empreendimento. “A empresa responsável teve toda a documentação necessária aprovada pela Cetesb e pela Fundação Florestal”, afirma. “A realização do aterro de inertes, que não depende de autorização da administração municipal, uma vez que não faz parte do conjunto de suas atribuições, está totalmente regular perante os órgãos estaduais competentes.”

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Bruno Xavier

Jornalista, apaixonado pelo audiovisual, pelo digital e por gatos. Gosto de uma boa história, seja em formato de notícia ou de fofoca. Amo MPB e músicas nacionais. Correspondente de Suzano desde 2023.

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