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Professora cria projeto para doar livros infantis aos alunos de Pernambués

Por: Rosana Silva

A professora Luciane Alves criadora do projeto Reencanto da Leitura @Bruna Rocha/Agência Mural

A volta às aulas despertou na professora Luciane Alves, 43, o interesse em iniciar um projeto que reaproximasse os livros dos seus alunos do Ensino Fundamental I, da rede municipal de Salvador. Com o apoio de amigas e parceiros, a moradora de Pernambués, onde leciona em duas escolas públicas, criou o Reencanto da Leitura, uma iniciativa para arrecadar livros novos e seminovos para doação. 

A percepção de que era preciso fazer algo veio com observações a partir da reação das crianças no período sem as aulas presenciais. “Durante a pandemia, fiz um vídeo recitando a poesia Bailarina, de Cecília Meireles, e enviei para os alunos. Quando retornei para a sala de aula, uma aluna me olhou e disse: ‘Pró Lú, eu vi seu vídeo da bailarina’. Ela falou com tanto amor que quase chorei”, relata.  

Por outro lado, Luciane também notou o desinteresse dos alunos pela leitura com o afastamento escolar. No início das suas aulas, ela conta ter criado um momento chamado de “Leitura Deleite”, no qual permite que os pequenos façam contato com os livros sem qualquer cobrança metodológica. E foi observando o comportamento do seu público, crianças com idades entre 7 e 8 anos, que ela decidiu criar o projeto para aproximá-los da literatura. 

“Durante a ‘Leitura Deleite’, as crianças folheiam os livros e não se sentem encantados pela leitura. Daí, surgiu a ideia de presenteá-las com livros novos ou seminovos. Talvez, ao saber que o livro pertence a elas, elas se motivem a lê-los”, explica.

Até o momento, a professora já recebeu 46 obras e espera presentear os seus 50 alunos das duas escolas onde trabalha. Cinco estudantes já foram beneficiados e a educadora se diz confiante em sua rede de apoio. “O projeto de doação está no início, mas tenho bons amigos e parceiros que com certeza vão abraçar a causa, pois sabem da importância dos livros chegarem às residências das crianças”, diz Luciane.

Luciane leciona em duas escolas públicas de Pernambués, onde mora @Bruna Rocha/Agência Mural

A educadora diz que outra motivação para organizar a iniciativa está ligada ao limitado acesso a uma variedade de obras de literatura infantil e que a escola não conta mais com o apoio do programa PNAIC (Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa). 

“O PNAIC entendia que a criança até os 8 anos de idade teria que estar alfabetizada. Nós recebíamos formações mensais. Além disso, frequentemente, chegavam caixas de livros de literatura. O professor acabava tendo um amplo repertório literário dentro de sua sala de aula”, afirma.

Segundo a professora, o governo federal ainda envia livros, mas diz que eles são destinados às bibliotecas e não chegam nas mãos dos alunos.  

“Muitas vezes quando você empresta, o menino não devolve. Enquanto educadora, entendo que o livro é dele. Mas, a escola pensa que o menino não vai devolver, digamos assim, vai perder o livro. Na minha concepção, não enxergo isso como uma perda”.

Para a professora, a aquisição de livros ainda não é uma realidade entre as classes populares. “Comprar um livro para um filho, infelizmente, ainda é caro em nosso país, não é a realidade da classe social que ensino.”

E diz estar atenta à demanda educacional de Pernambués, onde mora e leciona. “Sempre desejei trabalhar mais próximo da minha comunidade. Estabeleço mais vínculos, além de ser uma maneira de dar um retorno e contribuir na formação dos educandos de onde moro”, explica.

Ela destaca o impacto que a leitura proporciona no desenvolvimento dos alunos. “A criança que tem o hábito de ler desenvolve mais o imaginário, a criatividade, facilita seu processo de aquisição da leitura e consequentemente da escrita”. 

A professora também observa a importância de uma literatura diversa. “As crianças não podem estar em contato sempre com os mesmos livros. Eles precisam ser variados para seduzi-las.”

E, por falar em sedução, outra estratégia dela para atrair a atenção dos estudantes tem sido a contação de histórias em aula. “Conto boas histórias, usando técnicas. Demonstro o meu amor por um bom livro e tento encantar as crianças para o mundo mágico da leitura, apresentando variedades e deixando-as escolher”, diz Luciane.

Luciane aposta na contação de histórias para atrair o interesse dos alunos pelos livros @Bruna Rocha/Agência Mural

A aluna Vitoria de Souza do Carmo, 8, explica que gosta das histórias que lê na escola. “Quando a professora me dá um livro, eu fico muito alegre, porque gosto de ler. No livro ‘Rinocerontes não comem panquecas’, gostei da parte em que eles viraram amigos, porque achei muito legal”.

Jicelma de Sousa do Carmo, 39, mãe de Vitoria, também tem incentivado a filha. “Ler é muito bom. As crianças imaginam um mundo de fantasias, um mundo de alegria. Vitoria ama ler e gosta de ouvir. Ela decora as historinhas que a professora lê”, diz.

Já a aluna Ayra Kristine Menezes Araújo, 7, adora as ilustrações dos livros. “Eu amo as histórias da pró Lú, do rinoceronte. Amo as fotos dos livros”. 

Ayra está no processo de alfabetização, mas a mãe Cristiane Valeria, 39, acha importante a introdução da leitura nessa fase. “Quanto mais cedo melhor para o desenvolvimento intelectual da criança. Ela fica feliz com todas as histórias, quer contar para todo mundo quando chega em casa”.

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A professora Luciane se diz emocionada e acredita estar contribuindo na formação de novos leitores.“É uma emoção muito grande ver uma criança se encantar por uma história que leio. Ao mesmo tempo, o sentimento que tenho é que estou no caminho certo, de ajudar a formar leitores, pessoas que vão desenvolver o imaginário e o senso crítico”, complementa. 

Luciene Corrêa, 45, pedagoga e vice-diretora em uma das escolas onde a professora trabalha, tem contribuído com a ação. “A motivação para doar aparece com esse desejo de ver nossos estudantes amarem a leitura. Quando a professora Luciane falou desse projeto pensei logo em como poderia contribuir”, diz.

A vice-diretora ressalta que sua escola realizava ações nesse sentido. “Já fizemos rodas de leituras, ambiente temáticos e agradável com tenda e almofadas, cirandas e troca de livros, convidamos autora de livro infantil para ler e falar sobre o processo de escrita”.

Luciene Corrêa destaca ainda a importância das colaborações. “Acredito que toda doação é muito bem-vinda, temos bons profissionais que poderão avaliar esses títulos e caso tenha algum que não seja apropriado para o público poderá redirecionar”, explica.

Os interessados em doar livros ao Reencanto da Leitura podem procurar a professora Luciane Alves pelo telefone 71 98895-3421. 

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