Por: Jéssica Moreira | Ira Romão
Publicado em 19.03.2019 | 9:43 | Alterado em 22.11.2021 | 16:32
Dois meses após o rompimento da barragem de Brumadinho, moradores da região ainda aguardam informações sobre os reservatórios do bairro e as ações em caso de problemas
Tempo de leitura: 7 min(s)Na próxima segunda-feira (25), completam-se dois meses do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de responsabilidade da mineradora Vale, deixando 206 pessoas mortas e 102 desaparecidas. O Ministério Público de Minas Gerais aponta crimes ambientais e de homicídio doloso.
O desastre virou tema de discussão em Perus, na zona noroeste de São Paulo, porque duas das 7.449 barragens do estado estão localizadas no distrito. Mesmo após 30 anos da instalação, a maioria da população nunca tinha ouvido falar sobre elas.
Nesta quarta-feira (20), moradores e integrantes de movimentos sociais do bairro vão realizar o Encontro “Estamos Seguros?”, para discutir a atual situação das barragens e informar sobre os próximos passos das mineradoras e da Defesa Civil na região. O encontro será às 19h, no Cieja Perus, localizado na Rua Francisco José de Barros, 160, Vila Inácio, próximo à Av. Dr. Silvio de Campos.
Integrantes do MAB (Movimento de Atingidos de Barragens) de Perus estiveram na Defesa Civil na última semana para cobrar a entrega do plano de contingência e foram informados de que o plano estava em processo de finalização. O prazo dado foi até 8 de março, mas nada foi divulgado. Procurada pela Agência Mural, a Defesa Civil afirmou que a versão preliminar foi entregue. “Porém, antes da divulgação junto à comunidade será realizada a articulação institucional e posterior adequações e alterações no Plano de Contingência”.
Segundo o órgão, a legislação pertinente (Lei º 12.608/12, Lei nº 12.340/10 (alterada pela 12.983/14)) prevê prazo de um ano, sendo submetido a avaliação e prestação de contas anual, por meio de audiência pública, com ampla divulgação.
REUNIÕES COM MORADORES
A mobilização tem sido feita desde os primeiros dias após os danos causados em Brumadinho. Em fevereiro, o MAB organizou uma audiência pública na Alesp (Assembleia Legislativa), reunindo mais de 200 pessoas atingidas por barragens de todo o estado, inclusive do bairro de Perus, assim como das cidades de Pedreira, Americana, Votorantim, Vale do Ribeira, Santos, Cubatão e Bertioga.
“É surpreendente a quantidade de barragens existente no estado, são mais de 7 mil – uma espécie de “bombas” que a qualquer momento podem explodir”, afirma Liciane Andrioli, 38, integrante do MAB que vem apoiando a população peruense desde a descoberta das barragens.
O evento serviu como ponto de partida para a organização do povo atingido por esses empreendimentos. “A impressão que nos dá é que estamos abrindo uma caixa preta no estado de São Paulo com situações que, para a nossa surpresa, estavam invisibilizadas”, aponta Liciane.
“Queremos águas pra vida, não para a morte”, sintetiza Cleiton Ferreira, 34, morador de Perus e coordenador da Comunidade Cultural Quilombaque. “Ninguém sabe o que acontece para dentro das empresas. Sabem apenas que querem explorar. E a questão de segurança fica à mercê, todo mundo com medo, população inteira que tem barragem na cabeça está apreensiva”.
Moram na região da subprefeitura de Perus pouco mais de 144 mil habitantes, e desde que a notícia veio à tona a população ficou alarmada. Postagens sobre o tema em grupos como o “Amigos de Perus Oficial”, que possui cerca de 77 mil integrantes, alcançaram a marca de 300 comentários, entre publicações que variam entre a preocupação e angústia por conta da falta de informações.
O sentimento de medo também paira nas ruas, escolas, postos de saúde e outros estabelecimentos da região. A grande pergunta é: onde está o plano de emergência e por que ele nunca foi apresentado aos moradores?
EMPRESAS
A Pedreira Juruaçu é uma das barragens da região. Ela comporta sedimentos da Empresa Embu, criada em 1988, na avenida Raimundo Psereira de Magalhães. A outra é uma barragem de água, da empresa Territorial São Paulo Mineração Ltda, criada em 2000.
A Agência Mural entrou em contato com a Embu S.A. e, segundo o engenheiro Marco Antônio Martins, “a estrutura foi concebida, executada e opera com método construtivo a jusante, tido pela engenharia como o mais seguro para esse tipo de barragem”.
A Barragem da Pedreira Juruaçu tem um reservatório de 192.000 m2. Ela recebe rejeitos que são os finos da produção de brita, essencialmente areia fina e argila. A capacidade dela é de 3,1 milhões de metros cúbicos. “Já está praticamente preenchida com o material sólido (areia e argila)”, aponta o engenheiro.
“A presença de sólidos já sedimentados, afastando a água da estrutura do barramento, aumenta muito a segurança”, ressalta. Afirmou também que a empresa já havia, desde antes de Brumadinho, tomado a decisão de buscar processos alternativos para o tratamento dos rejeitos. “A direção da Embu S.A. e o corpo técnico sentem-se seguros e confortáveis para afiançar a segurança e estabilidade da barragem da Pedreira Juruaçu”.
Já a outra barragem, a da Territorial, possui 25m de altura, uma extensão aproximada de 160m, com capacidade de reservatório aproximada de 66 mil metros cúbicos. O material depositado no reservatório é aquele obtido com a retirada de material das rochas para a produção de areia para a construção civil.
De acordo com Patrícia Bueno Moreira, diretora jurídica da Territorial, a barragem foi também construída pelo método de alteamento à jusante. Ela enfatiza também que a barragem está há mais de um ano inativa. “Ela não recebe mais resíduos do processo de lavagem da areia. Todos os estudos necessários para a comprovação da estabilidade são feitos e nossos técnicos afirmam que a estrutura é segura”, aponta.
Tanto a Embu quanto a Territorial apontam que, desde 2016, possuem plano de emergência aprovado pela Defesa Civil Municipal.
A integrante do MAB, Liciane, relembra, no entanto, que barragens como a de Brumadinho também não apresentavam riscos. “Tanto a Vale quanto a empresa certificadora alemã ( TÜV-Süd, responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem em Brumadinho) apresentaram informações de que não havia problema algum, porém vivenciamos uma das maiores tragédias social, trabalhista e ambiental da história do país”, aponta.
A preocupação de Liciane não é à toa. Em 2017, o Ministério Público (MP) realizou um processo de vistoria nas duas empresas. Na Territorial, por exemplo, foram apontadas inconsistências ligadas à drenagem, como a não localização da saída do dreno interno da barragem. Segundo o parecer, “a obstrução da saída da drenagem interna de uma barragem pode contribuir para processos que podem ocasionar um eventual rompimento”.
Na Embu, embora o Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração tenha sido bem avaliado, não constava mapa de inundação, fundamental no caso de ruptura para alertar a população que possa ser afetada.
VEJA TAMBÉM:
Saiba como apoiar o jornalismo das periferias
Perus 84 anos: trens, cimento e a construção do Brasil
POPULAÇÃO DESCONHECE BARRAGENS
Questionada diariamente sobre as barragens na escola onde é diretora, Franciele Busico Lima, 49, do Cieja Perus I (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), se aliou a outros integrantes de movimentos sociais do bairro para realizar reuniões e entender como informar os moradores em relação às barragens.
“Todo mundo ficou sabendo pela mídia. A gente não sabia. A gente sabia da existência das pedreiras e não das barragens, nem da problemática que isso envolve. Estamos querendo entender”, diz a educadora.
Entre as pessoas que se preocupam com a saúde da população, o sentimento não é diferente. Judite Alves de Oliveira, 54, é conselheira na Unidade Básica de Saúde de Perus e entendeu que o assunto diz respeito à saúde pública.
“Só ficamos sabendo depois de Brumadinho e resolvemos que isso faz parte [da luta] da saúde também. Porque um desastre desse tem um impacto muito grande e nós temos que nos unir, a comunidade como um todo, para tentar fazer alguma coisa e ver o que eles estão fazendo”, diz.
“As pessoas estão em pânico. Elas não sabem se, em uma situação de desastre, se vai ter sirene, se não tem. Se vai ser avisado ou não vai. Estamos correndo que tipo de risco?”
DEFESA CIVIL
No dia 13 de fevereiro, as barragens de Perus foram tema de reunião na subprefeitura, durante encontro mensal do Cades (Conselho Regional de Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz), que contou com a presença da subprefeita, Luciana Torrales Ferreira, e também do coordenador geral da Defesa Civil, Coronel Edernald Arrison e integrantes de movimentos sociais.
Segundo o coronel, atualmente, não há riscos nas barragens. Porém, mesmo com anos de existência, as empresas nunca fizeram os planos de emergência.
“Visitamos in loco as barragens”, informou o coronel, citando que o método de uso das barragens é diferente do utilizado em Brumadinho e Mariana (MG), onde houve rompimento há três anos.
Ele afirmou que será apresentado um plano de contingência pela Defesa Civil, com objetivo de reduzir os danos humanos em um cenário de rompimento.
Além disso, Arrison cita que é necessário que a empresa também apresente um plano de emergência, já que a Defesa Civil só atua na região externa às barragens.
Dentre as ações, está a definição da área de risco, a população que pode ser afetada, instalação de alarmes, definir um ponto de encontro em área segura, denominação de rota de fuga, plano de comunicação e simulação de emergência.
Os planos de emergência e de contingência são duas coisas distintas. O primeiro é interno e a empresa é a responsável em pensá-lo. O segundo é produzido pela Defesa Civil junto à empresa, uma vez que trata da aŕea externa.
POPULAÇÃO QUER SER OUVIDA
A reunião, no entanto, teve duração de apenas 30 minutos, deixando a população presente sem espaço para expor as dúvidas e preocupações. “Quando se pensa em um plano de contingência, é preciso pensar nas limitações. Tenho 65 anos, não tenho agilidade para correr”, diz a professora aposentada Luzia Maria Honorato, uma das moradoras de Perus. Ela teve menos de dois minutos para expor seus anseios na reunião.
Diante da ausência de espaço para fala e escuta, moradores e ativistas do bairro realizaram reuniões semanais na Comunidade Cultural Quilombaque, geralmente à noite, com a presença de professores, representantes e conselheiros da saúde. Os moradores desejam aproveitar a discussão para pensar também em melhorias no que diz respeito às recorrentes enchentes de Perus.
“Podemos começar a fazer um debate sério, respeitoso, para discutir as enchentes e como é que as represas vão fazer seu plano de emergência e informar a população. Para que, em uma emergência, a população não ficar perdida e ter uma direção.Já iniciamos o debate com os envolvidos”, aponta Mario Bortotto, morador e integrante de movimentos no bairro.
Jéssica Moreira e Ira Romão são correspondentes de Perus
jessicamoreira@agenciamural.org.br
iraromao@agenciamural.org.br
Jornalista e escritora. Formada em Jornalismo pela FAPCOM. É cofundadora do Nós, mulheres da periferia e coautora do Blog Morte Sem Tabu (Folha.com). Escreve sobre diversos assuntos a partir das questões de raça, gênero e território. Correspondente de Perus desde 2010.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para republique@agenciamural.org.br