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'Mulheres negras foram empurradas pelo desemprego para o empreendedorismo'

No domingo (25) foi celebrado o Dia da Mulher Negra e Caribenha. Nas periferias de São Paulo, histórias de afroempreendedoras mostram desafios de garantir a renda em meio à pandemia

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Arquivo Pessoal

Por: Estela Aguiar

Notícia

Publicado em 26.07.2021 | 15:12 | Alterado em 22.11.2021 | 15:54

Tempo de leitura: 4 min(s)

“Lute pelo que você acredita, independente do que for”, diz a trancista Isabella Soares, 24, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. “Podemos ter muitos sonhos e minha intenção é sempre fazer dar certo”, completa a criadora da marca Isa Tranças.

Isabella falava sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, celebrados no domingo (25).

Ambas marcam a luta e resistência de mulheres pretas contra o racismo, machismo e a opressão de classe. Mulher preta e empreendora, Isabella é um exemplo de como elas têm buscado meios de driblar as dificuldades de garantir a renda e com o agravamento da pandemia.

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Domingo foi dia da mulher negra, latino-americana e caribenha @Magno Borges/Agência Mural

“No caso das periferias, as mulheres sempre tiveram uma função de chefiar a família e considerando o mercado de trabalho totalmente desigual que remunera menos mulheres negras, faz com que elas tenham que se virar para sobreviver”, comenta Gabriela Chaves, economista, fundadora e CEO da NoFront – Empoderamento Financeiro.

Segundo estudo sobre empreendedorismo da Periferia de São Paulo, realizado pela “Empreende Aí” em 2020, 61% dos negócios mapeados tinham um quadro societário mais feminino. 

O perfil principal era de empreendimentos criados por mulheres negras, jovens de 30 a 39 anos e com ensino superior completo e pós graduação/mestrado e doutorado. 

Esse perfil difere de negócios de impacto no Brasil, caracterizados pela liderança de homens, brancos, jovens adultos e escolarizados.

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Beatriz Alvez é proprietária do Acarajazz @Arquivo Pessoal

Moradora do Jabaquara, zona sul de São Paulo, Beatriz Alves, 30, é um caso de quem conseguiu iniciar o próprio negócio depois do curso superior. Ela estudou gastronomia e criou o Acarajazz, restaurante com um pouco mais de cinco anos de comidas típicas brasileiras, sendo o carro chefe, o acarajé. 

Antes, ela trabalhou com call center e depois com a vendas de computadores,  mas não se adaptou. “O máximo que fiquei numa empresa foram três meses. Sempre ao primeiro sinal de humilhação e assédio moral, eu saía”, conta. “Percebi logo que teria que ter um negócio próprio como uma alternativa ao emprego formal”, explica. 

O estudo também aponta que 8 em cada 10 empreendedores das periferias já investiram dinheiro do próprio bolso no negócio. 

Foi como Letícia Santos, 20, mulher preta, dona da Afro Sant’s  e moradora de Jardim Nova Poá, em Poá, na Grande São Paulo. “O apoio é difícil financeiramente, então sempre tive que me virar nos trinta para comprar o material e as minhas coisas”, aponta Letícia. 

PANDEMIA

As quitandas, mercados de bairro, profissionais autônomos e microempreendedores sofreram impactos severos devido à pandemia do novo coronavírus. Para evitar o contágio, comércios não essenciais tiveram de fechar por alguns meses. 

Para Gabriela, as mulheres foram as mais afetadas com a pandemia. “Muitas tiveram que abrir mão do emprego, porque as escolas dos filhos fecharam. É um dos fatores que empurra as mulheres para o empreendedorismo.” 

Logo no começo da crise, em abril de 2020, o levantamento “Mulheres negras – saúde financeira e expectativas diante da Covid-19”, realizado pelo Instituto Identidades do Brasil, apontou que 47% das entrevistadas temiam perder os clientes no empreendimento, seguido por 37% de ficar doente e não conseguir trabalhar.

“Sofri muito com a pandemia, porque estava começando e tive que ficar um ano em casa, sem atender”, relembra Isabella. 

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Isabella em atendimento antes da pandemia da Covid-19 @Arquivo Pessoal

A situação atrapalhou uma trajetória que estava começando, depois dela perder o emprego que tinha em um call center em 2019. Em 2021, ela voltou a atender perto de casa com os protocolos de segurança. 

“Faço somente penteados e tranças que não demoram tanto”, diz. “Não tenho outra fonte de renda, consegui pegar algumas parcelas do auxílio emergencial, mas não todas e minhas economias já tinham acabado.” 

Direito criado para auxiliar famílias pobres, o auxílio emergencial de R$ 600 foi criado ano passado, mas interrompido em dezembro. Depois de quatro meses, o pagamento voltou a ser feito, mas com redução de até 75% no valor – paga agora no máximo R$ 375.

A situação da trancista também se assemelha ao que passou Beatriz com o restaurante, que esteve limitado apenas ao delivery. “Nos impactou com uma queda considerável em nosso faturamento quando começamos a nos estabilizar”, relembra. 

OLHAR PARA O FUTURO

Manter um negócio em pé não é tarefa fácil. O estudo sobre o empreendedorismo da Periferia de São Paulo mostra que 49% dos negócios das periferias mapeados estão no chamado “vale da morte”. 

A denominação significa que são negócios em operação, mas que ainda não atingiram o ponto de equilíbrio: tudo que entra no caixa não é suficiente para cobrir as despesas. Por esse motivo, é importante criar e manter uma reserva financeira.

“Qualquer valor já é importante, que ele tente guardar pelo menos 1% porque lá é um lugar de saúde mental do empreendedor”, diz Gabriela. 

As empreendedoras têm um olhar próspero para o futuro e falam de inspirações e  conselhos para outras empreendedoras. “Me sinto inspiração para outras mulheres pretas pela minha persistência, vontade de fazer dar certo e enfrentar as adversidades”, afirma.

Beatriz aconselha como manter o negócio. “Ter tudo na ponta do lápis, ter expectativas reais e traçar bem as metas de vendas e estratégias de como atingir essa meta”, diz. 

“Feito isso, invista num produto de qualidade e na área de alimentação compensa muito fazer um produto bom e feito com bons ingredientes, pois nenhuma estratégia fideliza mais um cliente que uma comida boa de verdade”, diz. 

Para Letícia, acreditar no trabalho e passar o conhecimento adiante faz a diferença.  “Tenha confiança naquilo que faz e tenha amor por isso, assim as coisas vão fluir melhor. Estou obtendo retorno desse trabalho e sempre passo o que eu aprendi para as mulheres pretas com quem tenho contato.” 

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Estela Aguiar

Jornalista. É fiel à crença de que da ponte pra cá, o jornalismo é revolucionário. Apaixonada por carnaval, filmes e séries. Correspondente do Jardim João XXIII desde 2019

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