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Lenta expansão do transporte público em SP afeta principalmente os mais pobres

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Por Paulo Talarico | 30.10.2018

Publicado em 30.10.2018 | 14:56 | Alterado em 22.11.2021 | 16:13

RESUMO

Entenda a trajetória das obras e os desafios da mobilidade em São Paulo

Tempo de leitura: 9 min(s)

Este artigo foi publicado originalmente na revista Pueblos, da Espanha, em parceria com a Agência Mural. 

Alunos da Universidade Mackenzie, no centro de São Paulo, no Brasil, começaram o curso de 2007 animados com a ideia de poder ir para a faculdade de metrô. Naquele ano, uma parte do campus foi tomada por operários, que começavam a construir a linha 4. A promessa era entregar até 2010. “No último ano, poderemos vir de metrô”, pensavam. Muitos deles moravam em bairros distantes e enfrentavam mais de uma hora para chegar até lá.

Veio a formatura, mas não a linha. Muitas outras turmas dos anos seguintes tiveram a mesma frustração. A estação na universidade só foi entregue em 2017.

O metrô paulistano leva 3,7 milhões de pessoas por dia. Embora seja um dos mais lotados do mundo no horário de pico, é a opção mais rápida para cruzar a cidade e fugir dos enormes congestionamentos do trânsito. Com médias de 100 a 118 quilômetros de vias paradas  no período da tarde, a cidade passa dos 200 km de congestionamentos em dias de chuva. No fim da tarde, ver carros andando a 5 km por hora nas vias expressas é comum. Tanto que vendedores de água, comida e bugigangas estacionam carrinhos de produtos entre os carros.

A demanda reprimida do metrô é grande. A linha 4-amarela, cujo primeiro trecho foi aberto em 2010, transporta atualmente 750 mil pessoas por dia útil. Antes, esses trajetos eram feitos de ônibus ou de carro. Cada linha nova tira milhares de pessoas do trânsito.

São Paulo cresceu se espalhando por dezenas de quilômetros, e de forma desigual. Os empregos, universidades e espaços culturais e de lazer, em sua maioria, ficam concentrados na área central. É comum morar a 20 ou 30 quilômetros do local de trabalho ou estudo e vencer esta distância diariamente, duas vezes por dia, de segunda a sexta. E, no fim de semana, fazer a mesma jornada para encontrar amigos, ir a alguma atração cultural e se divertir.

Morar nas áreas centrais é caro. O aluguel de um apartamento de dois quartos custa em torno de R$ 2,3 mil. A renda média na cidade é de R$ 1,7 mil. Assim, para a ampla maioria, só resta viver longe.

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Trem da CPTM na linha 8-diamante (Paulo Talarico/Agência Mural)

COMEÇO TARDIO

A rede de metrô da cidade começou a ser construída tardiamente, na comparação com outras grandes metrópoles do mundo: só em 1974. E cresceu de forma lenta. Hoje, chega a 84 km.

Como ter metrô perto significa chegar em casa na metade do tempo, a criação de novas linhas impacta fortemente o mercado imobiliário. Os anúncios de novas moradias quase sempre destacam a proximidade com as atuais ou futuras estações, mesmo que elas ainda nem tenham um projeto pronto.

No final da década passada, com a bonança econômica do país e a expectativa de sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014, o governo estadual anunciou planos ambiciosos. Foram anunciadas obras de criação e ampliação em cinco linhas diferentes. A ideia era facilitar a vida dos turistas e que o evento deixasse um legado para o estado. No entanto, a economia do país começou a refugar e as coisas foram atrasando.

A linha 4 fazia parte deste pacote, assim como um trem até o aeroporto de Guarulhos e um ramal de ligação direta entre a Brasilândia, bairro pobre da zona norte, e áreas nobres paulistanas, chamado de linha 6.

Este projeto gerou incômodo em Higienópolis, bairro onde vive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Moradores fizeram um movimento para que a futura estação não ficasse em um ponto central do bairro, mas algumas ruas abaixo. Argumentavam que a linha poderia trazer “gente diferenciada” ao bairro, o que poderia gerar problemas como aumento da violência. O assunto gerou polêmica, mas no fim o metrô refez o projeto e mudou a parada de endereço.

Para aquela esperada expansão, o governo estadual apostou em parcerias com a iniciativa privada. Neste modelo, empresas fazem investimentos para ajudar a construir a linha e depois podem lucrar com a renda dos bilhetes pagos pelos passageiros e com outras receitas, como o aluguel de espaços nas estações e painéis de publicidade.

O modelo parecia promissor, mas não foi capaz de acelerar o avanço do sistema. A linha 4, construída pelo metrô, sofreu diversos atrasos. A estação São Paulo-Morumbi começou a funcionar nesta semana e a Vila Sônia é prometida para este ano 2019 – a data inicial era 2014, justamente para o Mundial.  

A linha 6 teve destino pior. Seu contrato previa que toda a construção seria feita pelas empresas que depois iam operar a linha. No entanto, as obras estão atualmente paradas. As contratadas desistiram do negócio e agora o governo busca outro interessado em continuar o projeto.

Apesar dos atrasos, o governo estadual dobrou a aposta nas concessões e, em 2018, fez um leilão para repassar a linha 5 à iniciativa privada.

A construção da linha 5 já soma mais de 20 anos. Sua construção começou em 1997 e o primeiro trecho foi entregue cinco anos depois. Foi tão pioneira que, na época, as obras da linha 4 ainda nem haviam começado. Esta entrega ocorreu em 20 de outubro de 2002, uma semana antes do segundo turno das eleições.  O então governador, Geraldo Alckmin, do PSDB (centro-direita), disputava a reeleição, que venceu. Alckmin ficou no cargo até 2006, elegeu o sucessor, José Serra. Naquele ano, foram entregues duas estações da linha 2.

A prática de entregar estações em anos de eleição seguiu firme. Serra disputou a presidência em 2010, ano em que a linha 4 foi inaugurada. Na mesma eleição, Alckmin foi eleito novamente como governador. Em 2014, ele disputou a reeleição e entregou mais três estações. Ele venceu o pleito e ficou no cargo até abril deste ano, quando se afastou para concorrer à presidência. Em 2018, a linha 5 ganhou cinco novas estações, algumas delas há poucos dias das eleições.

O processo de contratação da linha 5 foi marcado por denúncias de fraude na licitação, o que atrasou o início dos trabalhos. Como em outros casos, o governo e as empresas apontam questionamentos judiciais, a dificuldade para desapropriar casas e terrenos e a complexidade do licenciamento ambiental como causa dos atrasos. Remover uma favela ou uma árvore da rota das obras costuma demorar mais tempo do que o previsto e atrasar o processo, lamentam as autoridades.

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Estação General Miguel Costa, em Osasco (Paulo Talarico/Agência Mural)

Dois sistemas

São Paulo tem duas companhias diferentes para cuidar do transporte sobre trilhos. A CPTM opera os trens de subúrbio, que atende as áreas da periferia e cidades vizinhas, em trajetos que superam os 50 km. Cada viagem custa R$ 4. No horário de pico, há um custo extra: viajar em pé e apertado. Em muitos casos, não é preciso se segurar. Simplesmente não há espaço onde seja possível cair.

A história das dificuldades do transporte público passa pela CPTM. São Paulo, uma pequena vila ao longo de 300 anos, explodiu de tamanho após a chegada das ferrovias, no fim do século 19. A cidade era o ponto de entroncamento dos trilhos para as fazendas de café, para o porto de Santos e para a então capital, o Rio de Janeiro.

A população foi de apenas 30 mil habitantes em 1870 para mais de 240 mil no começo de 1900 e passaria dos 2 milhões na década de 1950. Os bairros que surgiram foram se acomodando ao redor dos trilhos. Assim, logo foram criados serviços de trens baratos para levar e trazer estudantes e trabalhadores.

A partir dos anos 1950, o país deixou de lado as ferrovias para se concentrar em estradas. Com isso, a falta de investimento nos trilhos foi aos poucos cobrando o preço dos moradores das periferias que dependiam dos trens. Eles passaram a viajar em vagões velhos e quebrados. Estações e trilhos tampouco eram cuidados. Favelas e bairros irregulares surgiram rente aos trilhos, fazendo com que seja preciso reduzir a velocidade das composições. Nos anos 1990, eram comuns cenas de trens viajando com as portas abertas e com surfistas no topo.

No final da década de 1990, o sistema recebeu investimentos e a situação começou a melhorar. Curiosamente, alguns deles foram doados pela Espanha, de segunda mão (A CPTM pagou para que a empresa Renfe adaptasse os veículos).

Na época, também aumentou-se a integração tarifária: antes, era preciso pagar uma tarifa na CPTM e outra no metrô. De 2000 em diante, uma entrada passou a dar acesso a todo o sistema.

A troca dos bilhetes de papel por um tiquete eletrônico, em 2003, unificou o pagamento entre trem, metrô e ônibus municipais. Com a praticidade e o valor menor, o uso do transporte público explodiu. Metrô e CPTM passaram a ter recordes de passageiros.

Em 2013, protestos contra o aumento da tarifa do transporte tomaram o país e fizeram que Alckmin e outros governantes recuassem em um aumento de 20 centavos. O gasto extra acabou assimilado pelo governo, o que ajudou a reduzir os investimentos.

Neste ano, o governador entregou uma nova linha de trem que liga a cidade ao aeroporto internacional de Guarulhos. A cidade vizinha tem mais de um milhão de habitantes, mas o traçado privilegia o terminal de passageiros e passa longe dos bairros mais populosos da cidade. Com isso, os moradores preferem seguir indo de ônibus ou em lotações, que custam caro e vão cheias, mas chegam rápido. Viajam a 100 km/h na rodovia que leva até a capital.

Depois de crescer ao longo das ferrovias, São Paulo passou a se espraiar para áreas a até 30 quilômetros de seu centro. Conjuntos habitacionais para pessoas pobres foram criados em terrenos distantes (e baratos) nas décadas de 1970 em diante. Só que ali não havia emprego, de modo que é preciso ir até o centro e voltar todos os dias, em viagens pendulares a bordo de ônibus.

Os ônibus paulistanos, em sua maioria, eram montados sobre chassis de caminhão, com motor na frente. Assim, o barulho e o calor se espalham pela cabine. Os veículos tiveram melhorias nos últimos anos, mas seguem mais cheios do que o aceitável no horário de pico.

Obras de corredores de ônibus seguem a passos lentos. Desde 2013, a prefeitura tenta fazer uma licitação para mudar as empresas de ônibus da cidade. Os mesmos grupos dominam o serviço há várias décadas. No entanto, a licitação foi questionada e adiada pela Justiça diversas vezes.

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Estação do centro de Osasco (Paulo Talarico/Agência Mural)

VIZINHOS

Além dos moradores da periferia de São Paulo, há também milhares de pessoas que vivem nas cidades vizinhas e dependem do transporte público para chegar ao trabalho. Enquanto nos últimos 20 anos houve um crescimento de 20% na população de São Paulo, a alta chegou a 47% nos 38 municípios que circundam a cidade. São mais de 9 milhões de pessoas.

Ao contrário dos paulistanos que contam com um bilhete que serve para ônibus, trem e Metrô, cada município tem um sistema diferente. Alguns têm bilhetes com integração, outros precisam pagar além dos R$ 4 do trem, mais uma tarifa que varia de R$ 4,35 a R$ 4,70.

Essa situação leva a algumas situações difíceis. Um morador de Osasco paga R$ 8,70 para ir da zona sul à zona norte da cidade, em trajetos inferiores a dez quilômetros. A cena se repete em várias regiões como Mairiporã. Com 90 mil habitantes, quem depende de andar de condução no município desembolsa ao menos R$ 4,45.

Uma das opções são os ônibus intermunicipais, mas que tem intervalos maiores de espera, e interligam cidades vizinhas. Estes têm preços que variam conforme a distância de cada viagem. Isso dificulta para quem tenta uma vaga de trabalho na capital, pois nem sempre o empregador garante o pagamento de uma ou duas passagens.

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Atualmente, o  transporte público municipal é concedido a empresas da iniciativa privada. Ao mesmo tempo em que os contratos têm algumas exigências como a melhoria dos veículos, os avanços são lentos e as mesmas empresas seguem no comando do serviço.

A justificativa para cobrar uma tarifa maior do que a da capital, embora sejam cidades menores, é que as prefeituras dizem não ter dinheiro em caixa para subsidiar este valor. A prefeitura de São Paulo paga cerca de R$ 3 bilhões a mais por ano para as empresas, para complementar o que é arrecadado com as tarifas.

Além de dinheiro, falta planejamento. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 26 das 38 cidades não possuem um plano de transporte. Além da falta de estudos, boa parte delas não constituiu um conselho para discutir como avançar tampouco realizaram audiências públicas para avançar na questão do transporte em 2017.

Outros meios de locomoção também carecem de incentivos. Mais da metade dos municípios não possui ciclovias ou meios que atendam os ciclistas. Por fim, 19 não oferecem sequer acessibilidade para as pessoas com deficiência física.

Há entre as cidades também obras que por anos seguem no papel, semelhante ao que é visto na sequência do metrô.

Um exemplo é o corredor de ônibus oeste, cujo projeto liga Itapevi à São Paulo, passando por cidades como Jandira, Barueri, Carapicuíba e Osasco. Cada trecho da obra está com um andamento diferente.

Enquanto em Osasco nem começaram as desapropriações, em Carapicuíba as faixas e os pontos foram colocados, mas os ônibus não passam por elas. Os abrigos passaram a ser usados pelos moradores de rua.

Uma das soluções para que o transporte público de São Paulo possa melhorar é ter um planejamento e gestão centralizados, a exemplo do que ocorre em cidades como Nova York e Londres. No entanto, a criação de uma Autoridade Metropolitana de Transportes segue apenas como uma ideia, defendida vez ou outra mas que não avança. O tema novamente consta nas intenções de diversos candidatos ao governo do estado.

Sem ela, as decisões de transporte ficam divididas entre 39 prefeituras e mais o governo do Estado, com sistemas que disputam passageiros e as receitas que geram. Um estudante da Universidade Mackenzie que more em Carapicuíba terá de pegar um ônibus local, um trem da CPTM e o metrô para chegar até a universidade. Neste trajeto, é atendido por três empresas totalmente diferentes. Quando se formar, talvez um de seus sonhos seja comprar um carro ou passar a usar mais aplicativos de transporte, como o Uber. A má qualidade do transporte público acaba sendo uma mão na roda para outros negócios.

Paulo Talarico é correspondente de Osasco

Correção: Texto alterado em 2 de novembro, às 9h51, para constar que os trens vindos da Espanha para a linha 9 foram doados, e não comprados como publicado inicialmente.

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