Moradores de periferias da capital e Grande SP mostram os benefícios de cultivar hortas em casa
Tempo de leitura: 6 min(s)“É bom demais. Tem hora que venho pra cá e esqueço da vida”, comenta a dona de casa Maria Aparecida Gomes, 57, ao mostrar a horta que mantém no quintal dos fundos de casa, no Jardim Ângela, zona sul.
Em um espaço de 5x10m, Aparecida e o marido Antônio Gomes, 62, plantam há pelo menos seis anos. “A primeira coisa que deu aqui foi mexerica, a segunda mamão e a terceira taioba”, comentam. Depois a plantação deslanchou e hoje tem uma variedade grande de produtos. Tomate, jiló, almeirão, abóbora, espinafre, couve, serralha, chuchu, cebolinha, salsa, coentro, boldo, erva de Santa Maria, bálsamo, hortelã, babosa, acerola, figo, limão, laranja, jabuticaba e amora. Até um pezinho de café tem. Tudo plantado junto.
Apesar da plantação sortida, Gomes explica que enfrenta dificuldades com a fertilidade do solo. “Era uma parte do terreno com muito entulho”, conta. Para melhorar a qualidade da terra eles adubam com esterco de gado e restos de cascas de frutas e verduras. Além disso, não é usado nenhum tipo de veneno para conter pragas. “A natureza cuida disso”, diz Aparecida.
Afinal, a interação entre diferentes plantas contribui para o equilíbrio ecológico. Há pouco tempo Aparecida também aprendeu a fazer um suco de couve com casca de ovo para regar plantas que ficam com as folhas amareladas. Neste ambiente ainda há a presença de borboletas e diferentes pássaros, como beija-flor, sabiá e pica pau. A proximidade do Parque Ecológico Guarapiranga facilita a visita destas e de outras aves. Para o casal é um privilégio ter o alimento plantado da própria casa. “É vantagem comer na hora que a gente quer”, completa Aparecida.
Quem também tem um quintal repleto de árvores frutíferas e uma hortinha é o casal Victor Nascimento dos Santos, 77, e Magnólia Soares dos Santos, 77, ambos aposentados. Moradores de São Miguel Paulista, zona leste, há mais de 50 anos, começaram a plantar em casa há quatro décadas. No quintal dos moradores de São Miguel Paulista há pé de maracujá, uva, goiaba, amora, pitanga, manga, mamão, romã, limão, acerola, tomate, pimenta, erva-cidreira, cebolinha, boldo e salsinha.
A rotina de cuidados consiste basicamente na adubação da terra, irrigação e poda. A irrigação acontece todos os dias, exceto quando chove, e é feita pelo próprio casal. Já a poda é realizada na lua nova do mês de agosto, principalmente da uva, para carregar o pé no final do ano. Na parte da adubação só usam produtos orgânicos. Santos comenta que traz esterco de vaca de um sítio que tem em Paraíbuna, município do interior de São Paulo.
Para eles a principal vantagem de ter alimentos plantados em casa é a economia no mercado e na feira. Também contam que ter horta no quintal é um lazer. Sobre como é vista pela vizinhança a existência de uma plantação onde moram, Magnólia diz que todo mundo gosta, principalmente porque sempre estão pedindo alguma coisa. “Pede erva-cidreira, pede manga verde”, Santos interrompe e completa, “é pra tomar cachaça”. Para formar a horta eles costumam usar sementes, ao invés de mudas. “A gente pega a fruta na feira, pega a semente e planta. Mas dá para comprar semente também em casa de adubo. Muda nunca compramos”, diz Santos.
Horta em vasos e garrafas pet para pequenos espaços
Não ter um quintal espaçoso como os moradores do Jardim Ângela e São Miguel Paulista está longe de ser uma desculpa para nem começar uma horta caseira. O estudante Miguel Almeida, 17, morador da periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, cultiva em vasos de diferentes tamanhos.
A apreciação por plantas e pela terra parece ser herança da mãe, a farmacêutica Suzana de Almeida, 57. Segundo o adolescente, a mãe sempre cultivou mais as flores e a ideia de plantar hortaliças e ervas partiu dele, que começou a separar as sementes de alguns alimentos e até raízes. Há quase três anos, Almeida cuida de tomates, coentros, alho e ervas como manjericão e, agora, algumas cenourinhas que estão dividindo o vaso com a cebolinha que plantou nas férias escolares.
Almeida fala que a falta de tempo por causa da escola é hoje o maior problema para cuidar da pequena horta. “Como eu não paro em casa, algumas plantas acabam não tendo o cuidado que merecem e eu só consigo tratá-las no fim de semana e isso me prejudica muito”, relata. Outro problema constante é o surgimento de pragas.
Para resolver a situação, ele sempre busca alternativas naturais e práticas na internet, que se tornou sua grande aliada de pesquisas. Nela o estudante descobriu que poderia reaproveitar a borra do café como um repelente de pragas. Desde então separa o pó usado e o coloca para secar na laje de casa. “Depois de seco é possível misturar na terra. Eu prefiro não usar químico em nada”, conta.
Atualmente, além dos pequenos vasos, ele cuida de um pezinho de amora, que “vingou” depois que a mãe plantou uma muda que colheu na rua. “O mais legal de ter a própria plantação em casa é que podemos consumir. Fico muito feliz quando vejo a minha mãe cozinhando e usando as cebolinhas e os coentros que eu plantei”, compartilha o garoto.
Almeida relata que alguns colegas da escola não entendem quando ele encontra sementes e mudas pelo caminho e as recolhe para levar para casa. “Eu não sei explicar, algumas pessoas acham estranho esse meu interesse por conta da minha idade, mas eu gosto disso. Eu ainda não sei se é o que quero fazer como profissão para o resto da vida, mas tenho certeza de que não vou parar nunca de plantar”, diz Almeida. O jovem anda pensando se vai prestar vestibular para agronomia ou engenharia agrônoma ano que vem.
A professora universitária Fabiana Ferreira, 32, é outro exemplo de quem não precisa de um grande lugar para plantar. Moradora de Santo André, ABC Paulista, a professora fez a horta caseira com garrafas pet, garrafões de água mineral e vasos. Eles ficam no quintal em cima de uma mesa e pendurados no muro, algo que economiza espaço. A horta tem apenas três meses, mas já rendeu colheita de alface e couve. Também foram plantados tomate, salsa, cebolinha, rúcula e pitanga.
Fabiana voltou a cultivar depois de dez anos distante da agricultura urbana, antes, plantava direto na terra de um quintal. Uma das motivações para montar a nova horta caseira foi a econômica. A professora acredita que os produtos orgânicos custam caro. Ela também argumenta que o valor cobrado restringe o consumo de alimentos sem agrotóxico a pessoas com melhor poder aquisitivo.
Pensa que a criação de uma horta caseira democratiza o consumo de comida sem veneno independente da condição financeira. “Com 90 centavos [valor que paga por cada pacotinho de semente] você planta muita coisa”, argumenta. O espaço também não é problema, “Em meio metro quadrado você consegue fazer uma horta”, finaliza.
Para fazer a plantação Fabiana compra terra, esterco de vaca e de galinha em pacote. Por causa do tipo de terra, no preparo da plantação a professora intercala camadas de terra com coador de café, descartável e usado. “O coador ajuda a terra a absorver melhor a água da rega”, explica. Fora isso, não faz outros preparos especiais. “Não faço nenhum preparo especial. Coloco direto na garrafa pet. A única coisa é que quando algumas chegam a um tamanho ‘razoável’ eu acabo replantando em uma garrafa maior ou vaso”. De acordo com Fabiana, ter horta em casa vai além da economia e de consumo de alimentos sem agrotóxico. “É um excelente ensaio para a paciência”.
Priscila Pacheco é correspondente do Grajaú
Thalita Monte Santo é correspondente de Guarulhos
Gustavo Soares é correspondente de São Miguel Paulista
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