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Grafite de Coração: moradores da zona leste ensinam arte urbana para crianças

De distritos vizinhos da zona leste de São Paulo, os amigos e artistas urbanos Humberto Epow, 21, e Robson Perdidos, 29, criaram o Projeto Coração a fim de revitalizar muros e difundir o grafite pela cidade.

Epow mora no Jardim Imperador, em São Mateus, enquanto Perdidos é do Jardim Marília, no distrito de Cidade Líder.

Humberto via na região que um movimento para a arte de rua ganhava força. “Você começa a respirar isso cada vez mais” (Rafael Magalhães)

Os dois criaram identidades com desenhos específicos: Robson é voltado mais para a estética das letras e gosta de ver como elas afetam as pessoas. “Muitas vezes elas não conseguem entender e é isso que acaba atraindo quem vem conhecer a arte”. O artista se inspira também na dança de rua (bboy) e no hip hop.

Robson sempre gostou de desenhar e viu no grafite uma maneira de difundir mais a arte (Divulgação)

No caso de Epow, o desenho e suas inspirações giram em torno da construção de personagens que remetem ao “grafite old school”. “[É quando] tem um personagem. Nem sempre com o corpo inteiro, às vezes só da cintura para cima”. Ele também aposta em referências do mundo do skate, hip hop, e a música como um todo.

Arte no Beco da Cultura realizada por Robson em Cidade Líder (Raquel Porto/Agência Mural)

“Pintar o grafite não é barato, a tinta é cara, o spray é caro e tem a questão do acesso à informação, tudo isso não é tão simples nem tão fácil”, explana Humberto. Uma lata de tinta spray custa em torno de R$ 18, enquanto uma de 18 litros para pintar paredes custa R$ 150.

Epow trabalha mais com personagens (Divulgação)

Eles pensaram em fazer uma vaquinha entre os moradores da zona leste e buscar um patrocínio. Aconselhados por amigos, souberam do Programa VAI da Prefeitura de São Paulo, que valoriza iniciativas culturais de jovens das periferias com idades entre 15 e 29 anos. No final de 2014, eles foram aprovados no edital do programa. Desde então, conseguiram renovar o apoio. 

Humberto e alguns alunos do projeto (Divulgação)

MUROS DO BAIRRO

Grande parte do trabalho fica próximo à sede do projeto, no Jardim Imperador. Outras pinturas estão espalhadas por outros bairros. Pintaram, por exemplo, os muros de uma comunidade inteira e outros no bairro Jardim Centenário, no Rio Pequeno, na zona oeste da capital.

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Em Cidade Líder, realizaram intervenções também nos bairros Jardim Ipanema, na escola estadual Professor Sérgio da Silva Nobreza e no Jardim Marília na parede próxima ao Centro de Educação Infantil (CEI) João Bento de Carvalho.

Trabalho de Epow no bairro (Rafael Magalhães/Divulgação)

“Muitas vezes não temos retorno financeiro nenhum, porém a gratificação de estar na rua, trazendo coisas boas, transformando aquela imagem feia do local e trazendo uma nova estética para o ambiente é gratificante”, conta Robson.

Uma das intervenções foi no muro da Rua Pão de Açúcar. Os tijolos colocados recentemente bloquearam um antigo atalho para quem ia ao Shopping Aricanduva e supermercados próximos. Ele foi construído pelos donos do terreno contra a vontade dos moradores vizinhos ao espaço.

Muro da rua Pão de Açúcar, após intervenção (Raquel Porto/Agência Mural)

Pensando em uma forma de alegrar os moradores, Robson chamou parceiros para realizar a pintura do muro e mostrar que mesmo esse grande bloco de concreto “pode ter um lado bom” afirma.

Dentro do “Coração” eles oferecem oficinas para crianças, jovens e adultos, a maior parte é realizada em escolas públicas e técnicas. Neste ano, eles passarão por escolas dos bairros da Vila Formosa, São Mateus, Sapopemba e Jardim Imperador. No momento, 20 crianças participam das oficinas. 

Outro trecho da revitalização na rua Pão de Açúcar (Raquel Porto/Agência Mural)

Nas oficinas, eles contextualizam movimentos da arte urbana do passado, como a força da atuação de artistas no Bronx, condado de Nova York nos Estados Unidos, nos anos 1970. Depois, a aula passa a ser prática ensinando os alunos a grafitar.

Netto Duarte, 39, é morador da Cohab I, Artur Alvim, zona leste de São Paulo, e participou em 2015. O artista visual, que desde o final dos anos 1980 está integrado na arte urbana, diz acreditar que esse tipo de oficina é importante “ainda mais nas bordas da cidade, onde as crianças e os adolescentes sofrem com a falta de equipamentos públicos”.

Neto Duarte participou em 2015 das oficinas (Danni Léon)

Morador do Jardim Moreira, em Guarulhos, Diego Luiz Garcia, 23, desde criança teve interesse pelo grafite, mas só após a participação no projeto, em 2015, pode compreender a complexidade do movimento. “Pude progredir tanto a habilidade técnica quanto o embasamento teórico”, conta o designer de direção e arte.

Já o pintor Anderson de Jesus Silva, 19, morador de Sapopemba, na zona leste, conhece o movimento do grafite desde 2013, ano em que fez aulas na Fábrica de Cultura de Sapopemba. “Auxilia tanto no desenvolvimento pessoal, quanto para a bagagem cultural. Com cultura as pessoas podem apreciar cada vez mais a nossa cidade”.

Anderson de Jesus grafitando na zona leste (Acervo Pessoal)

Robson e Humberto sempre foram moradores das periferias de São Paulo. “Amo o lugar de onde venho”, afirma Robson. Eles pensam em sair dela apenas se for o caso de facilitar os trajetos e também porque “São Paulo está explodindo”, exclama Humberto, que pensa em talvez morar na praia.

Robson diz desejar que a arte urbana “me leve até onde puder, porque já me trouxe muitas experiências boas, me inspirando e inspirando pessoas”.

Humberto pretende continuar o trabalho. E provocando pessoas. “Seja de forma boa, ruim, objetiva, subjetiva. O grafite é completamente rua, é urbana, para todos terem acesso. Está numa viela, numa rua, no centro, num prédio”.

Projeto Coração na zona leste (Coletivo Holocausto Crew – HUC – representantes do projeto Coração)

Raquel Porto é correspondente de Cidade Líder
raquelporto@agenciamural.org.br

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