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Escritor de Poá estreia na Bienal do Livro com obra de realismo fantástico

Por: Egberto Santana e Renan Omura

Aparição de Nossa Senhora de Fátima, irmãs gêmeas sobrenaturais angelicais e uma moradora obcecada por um portão de ferro. Essas são algumas das sequências divinas que percorrem “A Criança que Matou a Sede na Lágrima do Anjo”, primeira publicação em livro do escritor, diretor e dramaturgo Antônio Benedito Nicodemos, 37.

Morador de Poá, município da Grande São Paulo, Antônio estará presente pela primeira vez na 27ª Bienal Internacional do Livro no dia 7 de setembro. O autor afirma que essa participação é um marco em sua trajetória artística de duas décadas.

“Enquanto escritor, nunca imaginei que haveria esse movimento de estar na Bienal. Fiquei muito feliz quando a editora veio, ela dá muito suporte. São 20 anos tentando publicar, né?”, relata Antônio.

A publicação surgiu a partir de um chamamento da Editora Urutau e foi viabilizada por meio de uma vaquinha online. As pessoas contribuíam com a compra antecipada do livro e, dependendo do valor, recebiam prêmios extras. A arrecadação foi um sucesso, alcançando R$ 6 mil em menos de um mês, o que permitiu o lançamento do livro.

Diretor, escritor e dramaturgo Antônio Benedito, participa da Bienal do Livro @Renan Omura/Agência Mural

Na Bienal, ele estará ao lado de outros autores da Editora Urutau, para falar sobre a sua obra e conversar com o público.

‘Como artista, o fator financeiro sempre foi um desafio, especialmente para quem está fora do centro. A distância até a capital vai além de uma questão geográfica, ela é também uma barreira social, econômica e cultural’

Antônio Benedito, escritor

Em seu perfil do Instagram, Antônio já acumula mais de 17 mil seguidores e publica registros das suas pesquisas envolvendo o imagens de devoção popular, fantasias de carnaval, esculturas, viagens e outras produções artísticas que formam o seu repertório.

As histórias do livro misturam religiosidade popular, crenças e vivências das memórias de Antônio na Vila Amélia, bairro da periferia de Poá, onde o autor viveu parte da infância. São 12 contos de ficção inspirados pelo estilo do realismo fantástico, que, na perspectiva de Antônio, se encontram “no nosso dia a dia, no nosso cotidiano, nos nossos rituais, na nossa devoção cotidiana, para além da igreja, do terreiro e dos templos.”

O escritor explica que sua escrita é influenciada pela “estética da fé” e busca representar o “Brasil da periferia e dos subúrbios” @Renan Omura/Agência Mural

“Esse sagrado está muito próximo, está na brincadeira da criança no quintal, na vela que a gente acende no dia que a gente acorda e fala ‘mano, eu tenho fé que hoje vai cair o meu pagamento’. São pequenos rituais, como comer e conversar, né?”, exemplifica ele.

Nesse sentido, o autor busca na Vila Amélia, um retrato do “microcosmo do Brasil, com suas contradições, crenças, manifestações culturais e personagens marcantes”.

Antônio denomina a escrita dele como “estética da fé”, mas com foco no “Brasil da periferia e dos subúrbios”. A convivência com diferentes práticas religiosas na Vila Amélia, desde a igreja católica até o terreiro de umbanda, foi crucial para formar essa identidade.

Ele cita personagens como as gêmeas que lhe causavam fascínio na infância e a Dona Tarcísia, que dá título a um capítulo concentrado na obsessão por um portão de ferro, inspirações de personagens e situações descritas no livro.

Antônio começou seus escritos logo jovem, aos 16 anos, inspirado por Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro conhecido por histórias que mexiam com os bons costumes da sociedade. O texto deu origem à primeira peça do Teatro da Neura, intitulada “Não vos deixeis cair em tentação”, grupo de teatro de Suzano, do qual o próprio Antônio é fundador e completou 20 anos em maio deste ano.

A peça envolvia temas fortes, como abuso sexual, violência e traição, muito inspirado pela leitura de Nelson Rodrigues e pelo próprio método inusitado da produção de Antônio: “Eu construí esse texto indo estudar em São Paulo fingindo que estava dormindo no trem, então são histórias ouvidas dentro da linha 11 – coral, da Luz até Poá”, relembra ele, que hoje mora na Vila Açoreana, mas cresceu na Vila Júlia, periferia da cidade.

A própria formação de Antônio e sua trajetória artística vem de um lugar de trânsito entre lugares e instituições. Começou a fazer oficinas de teatro com o grupo Opereta, de Poá, onde conheceu os membros do Teatro Neura. Passou por cursos no Sesi em Mogi das Cruzes, cursos pelo museu de arte sacra, outros ligados a história da cultura popular e também pela Companhia de teatro Cia do Latão, uma das mais importantes do Brasil.

Mas foi no Teatro da Neura que Antônio teve mais participação e aprendizados na busca pela profissionalização.

“Foi o que me deu meu primeiro senso de comunidade, uma das coisas que me apaixonou e me fez ser artista, viver em coletivo, sabe? Pensar em coletivo e movimentar em coletivo”, destaca ele, que também menciona como o grupo possibilitou que ele pudesse levar suas pesquisas e sua visão de mundo para a comunidade de Suzano, por meio de espetáculos, oficinas e eventos.

“Sempre senti a necessidade de buscar meu espaço, principalmente devido à falta de incentivo à cultura em Poá e nas outras cidades do Alto Tietê. Apesar disso, vejo os centros como apenas um lugar de passagem, pois meu verdadeiro pertencimento é à minha cidade”, afirma.

27ª Bienal do Livro de São Paulo Data: 6 a 15 de setembro.

Horário de funcionamento: 6 a 15 de setembro

Endereço: Distrito Anhembi, Av. Olavo Fontoura, 1209 – Santana

Preço: R$ 35,00 (inteira) e R$ 17,50 (meia)

Programação:: https://www.bienaldolivrosp.com.br/pt-br/programacao-cultural.html

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