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Em Pernambués, negócio culinário proporciona cozinha afetiva para despertar memórias e sabores

Por: Rosana Silva

A cozinheira Virginia Carla Rodrigues, criadora do Quintal de Mainha, em Pernambués @Moisés A. Neuma/Agência Mural

Quando criança, a cozinheira Virginia Carla Rodrigues, 35, acompanhava o fazer culinário das mulheres da família.  “Minha mãe saía para trabalhar e eu ficava com minha tia, que fazia comida todo o dia. Ficava na cozinha cortando tempero, vendo o passo a passo”, conta.

O gosto pela culinária fez com que ela ingressasse em um curso universitário. Mas, nas aulas, Virginia sentiu a ausência da comida popular. “A faculdade de gastronomia é muito ligada ao gourmet. E eu sempre fui ligada na comida de casa, como a feijoada, a maniçoba, o caruru. Isso fez com que me apaixonasse pela gastronomia de comida afetiva”.

O Quintal de Mainha, seu empreendimento culinário, surge desse interesse em oferecer comidas que estão presentes no âmbito familiar. “A comida afetiva é aquela que lembra comida da avó, da mãe, que faz lembrar a família. E muito do que eu sei hoje é parte da convivência com elas”, explica. 

No bairro de Pernambués, desde 2017, o Quintal de Mainha funciona na residência de Virginia e sua mãe, Vera Lúcia Santos, 66. “Ela é meu braço na realização do trabalho. Por enquanto, é um negócio feito em casa, com o sonho de se tornar um restaurante”, diz a cozinheira. 

Os pedidos são realizados por telefone, com antecedência, de segunda a sábado, das 8h às 17h, e são retirados no endereço residencial ou por delivery, nas manhãs de sextas-feiras e sábados, sempre com reservas antecipadas. O cliente também pode retirar o pedido durante a semana, desde que combinado previamente.

O empreendimento realizava café regional e almoços em dias específicos, contudo, esses serviços foram suspensos por conta da pandemia de Covid-19. “No início da pandemia, houve um crescimento [nos pedidos]. Agora, diminuiu um pouco, mas, ganhei novos clientes”. 

Além de Pernambués, os pedidos vêm de fregueses de bairros como Pituba, Pituaçu, Jardim Baiano, Brotas, entre outros. E há também as opções doces, como o bolinho de estudante, doce de tamarindo, cocada, pudim de tapioca, os bolos, especialmente, no período junino.

O cardápio do Quintal reúne a comida afro-brasileira, que, segundo Virgínia, “é a comida com dendê”. A comida regional abrange a Bahia, mas a cozinheira gosta de enfatizar as diferenças. 

“A feijoada da gente é diferente da carioca. Eles têm feijão preto, bastante defumado. Nós usamos o feijão mulatinho, com fato, com bofe, com osso de mocotó”, explica. E acrescenta que o modo de fazer o mocotó é diferente de Belém, no Pará. “Eles colocam verdura. Nós colocamos carne e pirão”. 

Graduada em gastronomia, Virginia ressalta ainda que alguns conhecimentos não foram adquiridos na faculdade e que suas receitas carregam muito do aprendizado das mulheres da sua família. “Se fizer o mugunzá, sei que tenho que colocar um pouco de sal, para dar uma diferença no doce. Na faculdade, isso não existe. O sal é para comida salgada, mas, na minha comida popular, isso existe. Isso é o que mais me encanta. Esse saber que vem delas”, conclui. 

SABOR DE FESTAS
Para compor o cardápio, inicialmente, a cozinheira escolheu pratos que faziam parte da sua memória afetiva. “O caruru tradicional, que todo ano tem, a maniçoba, o mocotó, que sempre está presente nos aniversários”. 

Ao longo do tempo, buscou opinião dos familiares e foi avaliando a demanda da clientela para compor o seu menu. “Pesquisei com minha mãe, minha tia, primas e fui colocando no cardápio. Foi muito no acerto. Eu tinha uma relação de pratos e fui observando aqueles que tinham mais procura”, explica Virginia. 

A procura por xinxim, por exemplo, surpreendeu a cozinheira. O prato é o mais pedido pela esteticista Aline Andrade, 40. “Quando o Quintal começou a divulgar os pratos [nas redes sociais], eram os pratos da minha infância; eu não resisti”, conta.  

A cliente, moradora de Pituaçu, conta ter recordações especiais com a iguaria. “Minha mãe fazia xinxim de bofe no meu aniversário. Além de ser uma comida barata, para nossas condições, naquela época, o tempero dela era maravilhoso. Por isso, gosto do xinxim até hoje”. 

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Em datas festivas, como a Semana Santa, o São João, o dia de Cosme e Damião, a procura pelos pratos aumenta. No mês de setembro, Ana Azevedo, 46, psicoterapeuta integrativa, sempre encomenda o caruru. 

“O caruru de Cosme tem um cheiro diferente, porque é uma mistura de ingredientes e dá muito trabalho para fazer, por isso é tão bom recebê-lo pronto”, diz.

A cliente conta que as sensações despertam a recordação da família reunida para cortar os quiabos.  “Quando Virginia faz o caruru de sete meninos, ela traz aquele cheiro; é como se estivesse vivendo aquele ritual de novo”. 

Para Ana, toda família baiana carrega lembranças de datas festivas. “Todos os sentidos fazem com que a gente se transporte. A comida é uma forma de comemoração. Geralmente, comemos coisas gostosas em momentos felizes de comunhão”, afirma.

SERVIÇO:
Rede social: Instagram @quintaldemainha
Telefone: (71) 98216-6672

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