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Em meio à pandemia, grávidas e puérperas vivem dificuldades com atendimento nas periferias

Por: Danielle Lobato

Quando tem que ir ao médico a secretária Naiane Silva, 25, tem nas mãos uma agenda com as dúvidas do pré-natal. Grávida de primeira viagem, esse é um hábito que adotou após o cancelamento dos encontros semanais na UBS (Unidade Básica de Saúde)  Jardim Nélia, no extremo leste de São Paulo. 

“Fiquei triste quando soube que seria cancelado, pois na consulta de rotina com o médico, não temos muito tempo para tirar as dúvidas e aprender sobre os cuidados na gravidez”, diz  Naiane.

Com 21 semanas de gravidez, a rotina de ida às consultas médicas e exames também deu uma diminuída. Ela conta que ainda não sabe o sexo do bebê e que o retorno do ultrassom foi adiado para o próximo mês.

O adiamento na consulta e no grupo de apoio à mulher grávida ocorreu após o Ministério da Saúde apontar que grávidas e puérperas estão no grupo de risco para o novo coronavírus

Apesar de não haver estudos suficientes comprovando que essas mulheres seriam mais vulneráveis, o órgão decidiu redobrar a atenção já que algumas gestantes e puérperas morreram com Covid-19. 

Para ter acesso à informação, Naiane tem visto lives nas redes sociais de obstetras. “Já sigo alguns que são famosos na área e tem bastante conhecimento, faço perguntas por meio de comentários”.

O medo da secretária é que sofra violência obstétrica – quando a mãe é vítima de abusos durante o trabalho de parto. “Minha cisma é ter que ir às pressas para o hospital e não ter meu direito de parto respeitado”, diz Naiane. 

Segundo um levantamento feito pela CBN, em 2019, a capital de São Paulo concentra um quarto de casos de violência obstétrica de todo o Brasil. 

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A jornalista Mayara Nunes, 27, vivia em Santo André, no Grande ABC, e se mudou recentemente para São Bento, no centro de São Paulo. Ela também teve dificuldades no atendimento médico. 

“No início da pandemia eu demorei para ter acesso à UBS Jardim Irene, em Santo André. Todas às vezes que eu ia, a equipe de enfermagem, me mandava de volta para casa por conta dos riscos de contaminação”, diz Mayara.  

Mayara não teve atendimento em Santo André @Arquivo Pessoal

Para tirar as dúvidas do pré-natal, Mayara também participa de um grupo de apoio à mulher gestante, na Casa Angela – centro de parto humanizado, que atende mães do SUS (Sistema Único de Saúde). Por lá, os encontros presenciais também foram cancelados. 

No momento, as mães conseguem se atualizar com um conteúdo de palestras on-line disponibilizado pela entidade hospitalar. 

Por conta da mudança de residência, a jornalista está sendo atendida na UBS Líbero Badaró. “O cuidado tem sido muito bom, sempre com álcool em gel à disposição”, fala Mayara. 

A expectativa para o nascimento de Aurora é que a situação já tenha se normalizado. “Ela vai nascer em julho. Provavelmente, o vírus não terá sido erradicado. Não vou autorizar as visitas, vai ser uma medida bem difícil, mas é para o bem de todos.” 

Quem também decidiu não receber visitas é a cabeleireira Karina Constantino, 32, moradora da Vila Menck, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Desde a chegada do Enzo Gabriel, há um mês, as visitas de familiares e amigos para conhecer o pequeno não são permitidas. 

“A minha sogra é enfermeira e sabe dos riscos, antes mesmo da nossa decisão, ela já tinha dito que não o veria”, diz Karina.“No momento, as ligações de vídeo-chamada e as fotos têm sido o acalento para a família”. 

Com o nascimento do Enzo Gabriel, os cuidados com a limpeza das roupas e a higienização pessoal foram redobrados. Quando precisa ir ao supermercado ou hospital, ela vai de máscara. Assim que chega em casa, tira a roupa utilizada na rua e não mistura com as demais. 

Os calçados ficam para o lado de fora da casa. Também usa o álcool em gel para limpar as compras realizadas. 

Sobre o dia do parto, no hospital Geral Carapicuíba, a cabeleireira conta que viu alterações no cenário comparado à primeira gravidez. Nos leitos, havia pessoas com Covid-19, as visitas não eram permitidas e sair do quarto para fazer uma caminhada não era possível. 

As fotos na hora da cesária não podiam ser feitas e o primeiro contato com o colo da mãe não aconteceu. “A minha sorte foi ter meu esposo comigo, uma medida que na próxima semana seria cancelada pela direção do hospital”, ressalta Karina. 

Raquel no dia da internação @Arquivo Pessoal

Para Raquel Pereira, 37, ter o marido ao lado na hora do parto não foi uma opção. Ela é manicure, mora em Guaianases, na zona leste de São Paulo. A SMS (Secretaria Municipal de Saúde) divulgou, há uma semana, que o distrito tem 91 casos de pessoas com coronavírus e 21 mortes por Covid-19. 

“Fui para internar e não pude, dispensaram todas as gestantes, porque tinha um caso de coronavírus. Uma grávida chegou toda entubada e a sala de parto estava contaminada”, conta Raquel. 

Em uma gravidez de risco, a manicure fala que se sentiu insegura por não ter a companhia do parceiro. A medida foi tomada por conta do fluxo de casos suspeitos de Covid-19 no Hospital Waldomiro de Paula. 

O parto de Raquel teve complicações, por razão de um mioma. “Fiquei dois dias sem poder ver a Helena, não pude amamentá-la. Minha cirurgia foi de alto risco e como não podia ter acompanhante, não tinha como cuidar dela”, afirma Raquel. 

Para a manicure a maior dificuldade no momento, com uma recém-nascida de 18 dias, tem sido a falta de respeito das pessoas ao isolamento social.

“Não quero visitas. Ninguém conheceu a minha filha, mas essa decisão não é fácil, estou sendo discriminada, muitas pessoas acham que é frescura”,  diz Raquel Pereira, mãe de Helena, que tem menos de um mês, e toma precauções por causa da Covid-19. 

RECOMENDAÇÕES 

Para esclarecer as dúvidas dos leitores, a Agência Mural entrou em contato com a SMS. A secretaria alterou alguns protocolos relacionados aos acompanhantes durante a hora do parto e visitas.

Assegurado por lei, o direito a acompanhante continua valendo, desde que não esteja com sintomas gripais. No entanto, é necessário levar em conta alguns fatores relacionados ao coronavírus e a política adotada pela entidade hospitalar.

“Nos procedimentos de cesarianas, alguns hospitais só vão liberar o acompanhante dentro da sala do Centro Obstétrico se houver disponíveis equipamentos de proteção individual (EPIs). Caso o número de EPIs esteja reduzido, o acompanhante não participará do parto”.

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