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Cartazes políticos antecipam eleições nas periferias de São Paulo

Por: Guilherme Silva e Milena Vogado

Quem passa pela Avenida Maria Coelho de Aguiar, no Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, precisa desviar de uma obra que há um ano e meio mantém uma das vias fechadas. As reformas foram iniciadas em janeiro de 2023, com previsão para serem entregues um ano depois. No entanto, atrasos nas ações na Avenida Maria Coelho adiaram a previsão de conclusão para o segundo semestre de 2024.

O atraso na obra, que procura requalificar o sistema de drenagem e tubulações ao longo da avenida, tem causado transtornos à população. Moradores relataram alterações no percurso dos ônibus, buracos nas vias e, principalmente, muito trânsito.

Apesar disso, um cartaz fixado na avenida agradece ao atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, e à família Leite (composta pelo vereador Milton Leite, presidente da Câmara Municipal, o deputado estadual Milton Leite Filho e o deputado federal Alexandre Leite), pelas obras realizadas no bairro.

Obra que interditou uma das vias da Avenida Maria Coelho de Aguiar, no Jardim São Luís, Zona Sul @Daniel Santana/Agência Mural

“[A obra] só vai chegar ao fim em agosto, bem próximo da eleição, o que interessa bastante a esses políticos que estão levantando as faixas. Ou seja, as melhorias ainda não foram entregues porque só trazem transtornos. O trânsito é cada vez pior”, afirma Daniel Santana, 24, jornalista e correspondente do Jardim São Luís.

Procurado, Leite afirmou não ter conhecimento das faixas nem controle sobre quem as coloca, acrescentando que não pode ser responsabilizado por faixas que a população coloca “em agradecimento às muitas obras e projetos que apoiamos na zona sul e por toda a cidade”. O prefeito não respondeu.

Drible nas regras

A lei eleitoral proíbe inaugurações desde o dia 6 de julho com a presença de pré-candidatos. Com isso, faixas colocadas nesses locais já servem para ‘marcar’ cada um desses projetos.

Cartazes como esse estão espalhados por diversas quebradas da capital e também da Grande São Paulo. Seja no Jardim São Luís, em Itapecerica da Serra, no Aricanduva ou em Pirituba, a estratégia de agradecer pelas benfeitorias e felicitar datas comemorativas é bastante comum nas periferias, especialmente em ano eleitoral.

Cartaz em agradecimento ao vereador Fabio Riva por revitalização de praça, na Avenida Cônego José Salomon, Pirituba @Lara Deus/Agência Mural

Os cartazes ficam em locais estratégicos, com grande circulação de pessoas: faixas de pedestres, esquinas movimentadas, cruzamentos em grandes avenidas, próximo a escolas, pontos de ônibus, e claro, em frente a obras. Até mesmo nas inacabadas. Entre 5 de abril e 16 de julho de 2024, a Mural identificou nove cartazes em nove bairros diferentes da Grande São Paulo.

Propaganda antecipada?

O uso desse tipo de faixa costuma driblar as proibições do ano eleitoral. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), propagandas políticas com objetivo de captar votos só podem ser veiculadas a partir de 16 de agosto do ano da eleição.

O QUE DIZ A LEI ELEITORAL

Segundo a resolução nº 23.732/2024 do TSE, “é considerada propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada fora do período permitido e cuja mensagem contenha pedido explícito ou subentendido de voto ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento não permitido no período de campanha”.

 

Para a advogada eleitoral Maíra Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da OABSP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), apesar desses cartazes nas periferias estarem em locais de grande visualização, eles não podem ser considerados como campanha antecipada.

“Propaganda eleitoral antecipada é aquela pedindo voto ou o que a gente tem chamado hoje na resolução de magic words (palavras mágicas)”, explica.

As palavras mágicas que podem configurar campanha antecipada são frases como ‘conto com você’, ‘juntos nós chegaremos lá’, ‘vamos ganhar as eleições’”, que são mais explícitas de um pedido de apoio.

Cartaz em agradecimento à vereadora Rute Costa e ao prefeito Ricardo Nunes, na Avenida Aguiar da Beira, na Vila Antonieta, zona leste @Milena Vogado/Agência Mural

Segundo o TSE, só é considerada propaganda política antecipada passível de multa aquela que contenha pedido explícito ou subentendido de voto. O ‘agradecimento’ por uma obra ou pelo dia das mães não se enquadram nessa ideia.

A impessoalidade em obras

John Lincoln Gonçalves Anacleto, 16, mudou para Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, em 2020 e notou nessa época que havia muitos locais com escassez de serviços públicos na região. “Quando cheguei aqui minha rua era de terra, os campos estavam todos abandonados e tinham vários buracos da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego]”.

John começou a notar a mudança apenas três anos depois. “Minha rua foi asfaltada, todos os campos da região, até em Guaianases, por exemplo, colocaram grama sintética, asfaltaram várias ruas por aqui”, diz o jovem, afirmando que, devido a essas ações políticas com os cartazes, os moradores acabam se confundindo sobre quem, de fato, faz a obra.

Cartaz divulgando caravana do vereador Ramon Corsini, na Rua Mocajuba, no Jardim Santa Julia, em Itapecerica da Serra @Thila Moura/Agência Mural

Como exemplo, um vereador, na prática, não realiza obras e nem pode fazê-lo, pois essa é uma atribuição exclusiva do Poder Executivo, ou seja, da Prefeitura. O vereador pode solicitar o serviço ou apresentar uma emenda parlamentar para que algo seja feito.

Mesmo que tenha havido alguma promessa de execução de obra pública, o vereador nunca será o responsável direto por ela, já que não possui o poder constitucional para tal.

Nesse sentido, Maíra vê uma possível quebra do princípio da impessoalidade, um dos princípios fundamentais da administração pública.

‘Não é o gestor que merece os louros ou tem que receber os agradecimentos [das obras]. Não pode personificar no candidato que está indo para reeleição’

Maira Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da OAB-SP

Além disso, ao estampar cartazes, por exemplo, há um possível uso do cargo político como vantagem em cima dos demais concorrentes.

“Se você tem um bairro inteiro achando que fulano de tal é o ‘pai da criança’, que ele é o ‘salvador da pátria’, fez aquela obra e merece todos os louros, isso acarreta um desequilíbrio na corrida eleitoral com os outros que não estão indo para a reeleição”, destaca Maíra.

A advogada lembra que, até 2015, o prazo legal para campanha eleitoral era de 90 dias. Segundo ela, tempo suficiente para o candidato que concorre pela primeira vez se tornar conhecido. No entanto, após mudança pelo Congresso Nacional em reforma eleitoral, o período de campanha caiu para 45 dias desde 2016.

‘Quando esse tempo é enxugado e vai para 45 dias, isso privilegia quem já está no poder porque tem uma visibilidade [na função]’

Maíra Recchia, advogada eleitoral

Lei Cidade Limpa

Apesar de terem moradores que apoiam candidatos específicos e, por iniciativa própria, colocam cartazes nas próprias residências, há também os que, ao notar a intenção política por trás dessas ações, os retiram por não aturar a finalidade que julgam oportunista.

“Tem morador que não atura, sem generalizar, mas têm morador que tem consciência disso [da intenção dos cartazes]”, afirma John. “Então, qualquer coisa que eles colocavam, a própria periferia tirava. Depois que eles colocavam, não dava nem um dia direito e o povo tira”, ele confirma.

Apesar de não infringirem as diretrizes do TSE sobre propaganda eleitoral antecipada, esses cartazes expostos nas periferias descumprem a Lei Cidade Limpa. A Lei n.º 14.223, de 26 de setembro de 2006, propõe reduzir e padronizar a exposição de anúncios na paisagem urbana.

O objetivo é combater a poluição visual e a degradação ambiental. A multa é prevista para R$ 10 mil para anúncios irregulares de até 4 m². Cada metro quadrado que ultrapassar essa área custará mais R$ 1 mil aos responsáveis, valor que será somado aos R$ 10 mil iniciais.

Se a situação não for corrigida em 15 dias (ou 24 horas para anúncios com risco iminente), uma nova multa será emitida, com valor duas vezes maior que o da primeira. “A principal questão da propaganda irregular é a multa. Agora a gente tem um caso que, por exemplo, é muita propaganda paga,” afirma Maíra.

Se há exagero nessas propagandas, há possibilidade de inelegibilidade: “quando você pega vários cortejos de propagandas irregulares e condutas ilegais, aí isso vira um abuso de poder político e econômico. E aí essa coisa mais robusta pode atrair na elegibilidade”.

O que dizem os políticos

Os políticos mencionados nesta reportagem foram procurados para comentar sobre as iniciativas envolvendo cartazes. Apenas Milton Leite, presidente da Câmara Municipal de São Paulo, e o pré-candidato a vereador de Itapecerica da Serra, Doutor Elias, responderam. 

Em nota, Leite afirmou não ter conhecimento das faixas nem controle sobre quem as coloca. Elias respondeu via WhatsApp, declarando não reconhecer o cartaz e informando que irá verificar a instalação após solicitar o endereço da foto tirada. Os demais mencionados, entre eles, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, não responderam à reportagem até a publicação desta reportagem.

Além disso, a equipe não conseguiu contato com Francisco Nakano (PL), prefeito de Itapecerica da Serra. O espaço segue aberto para manifestações.

Como denunciar propaganda irregular

Lançado em 2016, o “Pardal do TSE” é um aplicativo desenvolvido pelo TSE destinado a receber denúncias de irregularidades durante o processo eleitoral.

O aplicativo permite que cidadãos comuniquem práticas inadequadas como propaganda eleitoral irregular, compra de votos, uso da máquina pública em campanhas, entre outras infrações. “Você pode mandar direto, as pessoas podem pegar, tirar foto, manda e já cai diretamente no setor competente”, afirma Maíra.

Por meio do Pardal, os eleitores podem enviar denúncias com fotos, vídeos e a localização da ocorrência, facilitando o trabalho de investigação e fiscalização por parte da Justiça Eleitoral. O objetivo principal do aplicativo é promover maior transparência e integridade no processo eleitoral, incentivando a participação ativa dos cidadãos na fiscalização das eleições.

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