Por: Weslley Galzo | Gabriel Lopes | Lucas Veloso
Notícia
Publicado em 13.02.2020 | 17:07 | Alterado em 22.11.2021 | 16:39
Pesquisa mostra instituição à frente do poder público; situação levanta questionamentos tendo em vista cada vez mais a influência religiosa na política
Tempo de leitura: 5 min(s)Locais que oferecem cursos, serviços e atuam onde há ausência do estado. O que pode parecer uma associação de qualquer região da cidade é, na verdade, como moradores descrevem as igrejas.
Estes foram alguns dos pontos citados por quem vive nas periferias de São Paulo como motivo para apontar os estabelecimentos religiosos como a instituição que mais contribui para a qualidade de vida na cidade.
O resultado foi visto na pesquisa “Viver em São Paulo – Qualidade de vida”, realizada pelo Ibope a pedido da Rede Nossa São Paulo, divulgada no dia 23 de janeiro.
Foi a quinta edição e, desde a primeira, em 2008, a igreja ostenta esse título. Em 2019, 22% apontaram essas instituições, seguido da prefeitura com 19% e de empresas que atuam no bairro, com 17%.
O tema tem levantado discussões, inclusive pelo peso das igrejas na política e de como bancadas ligadas à religião têm conseguido ter influência tanto a nível nacional quanto local.
A Agência Mural ouviu moradores, frequentadores dessas instituições e especialistas para entender qual a imagem que a religião tem na cidade e porque, uma instituição que não tem relação com o poder público, é considerada a mais importante por quem vive nos bairros da capital.
AJUDA E AUSÊNCIA DO ESTADO
Luciano de Brito Alves Lima, 27, é membro da igreja pentecostal Experiências com o Criador e missionário do Jocum (Jovens com uma missão). Nascido em Tietê, no interior paulista, ele atua em bairros da capital e afirma que e a confiança vem do fato de as igrejas atuarem nos pontos em que o estado é “ausente”.
“Um dos papeis da igreja é diminuir as injustiças e buscar trabalhar nelas”, afirma. “Quando vemos crianças que estão sem o reforço escolar, que estão em situação de vulnerabilidade, é responsabilidade da igreja estar incomodada e buscar fazer algo em relação a isso”, relata.
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“A igreja é um meio que ajuda muito as pessoas, até mesmo quem não frequenta”, afirma Isabelle Silva de Oliveira, 21, que frequenta desde a infância uma igreja evangélica no Parque do Carmo, na zona leste. Lá, diz ter acompanhado trabalhos sociais desde cedo.
Essa ‘substituição’ de atividades que o estado não oferece ganha peso pela proximidade das instituições com o bairro. Segundo a prefeitura, são 5.779 estabelecimentos no bairro. Reportagem da Folha de S. Paulo aponta que metade deles surgiram nos últimos 25 anos.
Essa alta fez com que esses espaços também fossem procurados para vários tipos de atividades, como as culturais. O assistente social Weslley Raí Teixeira Feitosa, 28, por exemplo, aprendeu bateria na igreja que frequenta há três anos – a Somos Um, no distrito de José Bonifácio, zona leste da capital.
Foi ali que passou a fazer parte do grupo de rap cristão nomeado “Família CZL”, no qual é um dos vocalistas. “O intuito do grupo é trazer a palavra para as pessoas que necessitam. Através do rap levamos isto para as outras periferias em ações sociais”, relata.
A mãe de Weslley, Jacira Teixeira Feitosa, 56, que parou os estudos na sexta série do ensino fundamental, voltou a ter aulas de alfabetização em uma igreja católica da região, a Paróquia Santo Agostinho.
Assim como o filho, ela frequenta uma instituição evangélica, isto não a impediu de estudar em uma igreja de outra doutrina. “Durante as aulas não se fala de religião, é só sobre alfabetização.”
“Acho que esse é o papel das igrejas, abrir as portas não só para cultos. Ser um lugar da sociedade, lugar de refúgio, de escape, não só um lugar de orações, tem que ser um lugar de conhecimento”, diz Weslley Raí Teixeira Feitosa
Ainda no distrito de José Bonifácio, no bairro Parada Quinze, no limite com o distrito de Guaianases, a Igreja Batista Parada XV tem aulas de judô, atendimento de fisioterapia para terceira idade, aulas de música e, em parceria com o CEU Jambeiro, todo sábado de manhã eles realizam treinos de futebol infantil no campo da escola. As ações são bancadas com a doação dos membros à igreja.
“Aqui a igreja é um ponto de referência no bairro”, afirma o empresário Edilson Pedro Diniz, 46, membro há pelo menos 10 anos da igreja. Ele coordena um projeto com menores infratores da Fundação Casa.
“Temos alguns jovens do judô com chances de serem campeões, hoje são atletas do Corinthians, são federados. Muitos garotos estão sendo tirados da ‘rua’ com estes projetos”, diz o representante comercial Wellington dos Santos Silva, 38.
“Muitas vezes nas regiões de periferias, nas extremidades, a igreja é a única que tem o respeito”, afirma o auxiliar administrativo Nathan Ribeiro Cardoso da Silva, 20, morador de São Miguel Paulista, na zona leste, e que se denomina deísta(acredita em Deus, mas não nas versões das religiões).
“Um usuário de drogas, que a polícia – o Estado – trata com truculência, que a iniciativa privada tenta internar, ou simplesmente higienizar a cidade querendo exterminá-los, a igreja chega com o amparo. Esse usuário vai ter o respeito”, comenta.
SINAL VERMELHO
Uma das coordenadoras do estudo foi a urbanista Carol Guimarães, 36, da Rede Nossa São Paulo. Ela afirma que a lacuna criada pela ausência do estado na garantia de equipamentos culturais e de apoio social permite que a igreja atue de forma prática.
Ela adverte que a taxa elevada de menções à igreja na pesquisa “mostra um sinal vermelho” para a sociedade, que ainda precisa ser analisado.
“A igreja dá tanto um apoio social, como cultural e espiritual. Consegue unir vários elementos, especialmente nesses lugares mais vulneráveis”, comenta. Para ela, o caráter “coletivista” da igreja também tem peso em uma cidade como São Paulo. “A igreja cria comunidades, essa rede de apoio”.
O filósofo e cientista social Daniel Menezes Delfino, 44, estuda o movimento sindical e movimentos sociais desde 2004. Ele afirma que é preciso assinalar que quando se fala em “igreja” é necessário observar as mudanças ao longo dos últimos anos.
Antes, o papel de prestar serviços nos bairros era cumprido pela igreja católica, muitos ligados a teologia da libertação. “Hoje esses agentes foram substituídos pelas igrejas protestantes neopentecostais, com um discurso muito mais individualista, meritocrático e empreendedorístico, no que é chamado de teologia da prosperidade”, diz o filósofo Daniel Menezes Delfino.
“Apesar da mudança, é junto a esse setor que a população periférica encontra acolhimento”, completa.
Além disso, ressalta que o desprestígio de outras instituições como sindicatos, partidos, movimentos sociais e associações de moradores, levou ao quadro de ampliação da relevância das igrejas.
Daniel explica que ex-integrantes dessas instituições migraram para a busca de cargos eletivos, deixaram de estar presentes organizando as populações na luta por políticas públicas e passaram a estar na condição de gestores dessas políticas. “Ocorre assim um esvaziamento das lutas coletivas, bem como um desprestígio pessoal desses ex-militantes convertidos em gestores e das instituições que dirigiam”, pontua.
“Para que haja uma mudança nesse quadro, seria preciso uma intervenção que trouxesse melhorias materiais concretas, por meio de outros métodos que não os da motivação pela ideia de prosperidade.”
Formado em Design Digital, porém com uma atuação profissional focada em pesquisa e estratégia. Sou um corinthiano que adora pedalar pelo bairro, jogar futebol na rua e tiro umas fotos dos céus da zona leste. Correspondente do Conjunto José Bonifácio desde 2019.
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