Estudantes nas periferias têm recorrido a aplicativos e montado grades próprias para seguir estudando; problemas na internet são barreira na pandemia
Arquivo Pessoal
Por: Patrícia Vilas Boas
Notícia
Publicado em 15.09.2020 | 16:32 | Alterado em 16.09.2020 | 14:45
Se estudar para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em um ano comum já era uma tarefa desafiadora para os jovens das periferias, em um ano atípico como 2020 isso se tornou ainda mais complicado.
De uma hora para outra, palavras como Teams, Meet e Zoom entraram para o vocabulário dos estudantes, que têm buscado meios de se preparar em casa.
Com as aulas presenciais suspensas desde março para evitar a disseminação do novo coronavírus, aplicativos de celular, programas no Youtube e no Facebook têm sido a alternativa, apesar de problemas como a falta de internet e a velocidade da banda larga.
“Me lembro de estar na cantina da escola e todo mundo começou a postar nos status que não iria mais ter aula”, relembra a estudante Giovanna da Silva Mota, 16, estudante do 2º ano da escola estadual Professora Adelaide Ferraz de Oliveira, na Vila Guilhermina, zona leste de São Paulo.
Desde então, ela conta que a escola dividiu as salas em grupos no Facebook e a entrega de atividades tem sido feita por meio da plataforma online Google Classroom. Quem não tem acesso à internet precisa ir até a unidade escolar buscar as apostilas e devolver, posteriormente, ao fim de cada bimestre.
“Eles [a escola] sempre entram em contato quando acontece alguma coisa de você não fazer lição. Mas é bem diferente de quem tem acesso.”
Ela conta que não são todas as matérias que têm aulas ao vivo. Para não perder conteúdo, a estudante tem acompanhado canais educativos na internet e aplicativos gratuitos.
“Algumas coisas que vejo que ainda não aprendi, eu tento buscar e aprender sozinha”, diz. “[Por meio de] vídeos no YouTube, fazendo resumo.”
Apesar disso, ela ressalta que a falta da presença física nas salas de aula é um problema para algumas matérias. “Para entender a disciplina, ainda mais sem a presença do professor, é bem difícil. Eu tenho que me virar nos trinta.”
Alguns dos estudantes têm planejado o próprio cronograma de estudos de acordo com a nova rotina em casa. Foi o que fez Michele Souza de Melo, 18, estudante do 3º ano do ensino médio na ETEC de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo.
A escola de Michele disponibilizou aulas remotas diárias e conteúdos extras no YouTube, chamados “Masterclass” e tutoriais sobre como usar a ferramenta da Microsoft Teams, plataforma na qual acompanham as aulas.
No dia a dia, ela intercala os estudos com as tarefas de casa e montou uma lista de canais educativos no YouTube para complementar as aulas da escola. Na lista, estão “Redação e Gramática Zica”, “reVisão”, “Ciência todo dia”, entre outros canais.
Michele pretende prestar o vestibular da Fuvest que, assim como o Enem, ocorrerá em janeiro de 2021.
Aos alunos com dificuldade de acesso à internet, a escola de ensino médio integrado ao técnico fez uma campanha no Instagram. “Eles pediram doação de computadores, celulares e outros eletrônicos que facilitariam o acesso”, conta.
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A escola estadual Professora Célia Ribeiro Landim, onde estuda Joana Dafne Magalhães Santana, 17, também utiliza plataformas online para manter a rotina de estudos.
Moradora do Jardim Nélia, no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, a estudante usa aplicativos para se organizar. “Estou usando muito o MeSalva, porque ele disponibiliza questões gratuitas”, conta. “Aqui em casa a gente está sem computador, então eu só uso o celular.”
Ela também recorreu aos grupos no Facebook, como os ‘Funkeiros Cult’. “Acho que a linguagem é muito mais fácil”, diz.
O período, contudo, tem sido cansativo. “Por mais que às vezes falam: ‘Ah, você está de quarentena, não está fazendo nada’. Não, pelo contrário, parece que as coisas duplicam quando você está em casa”, conta Joana.
AULA NA TV
O Enem teve a data prorrogada para janeiro, após protestos. Houve questionamento porque a falta de internet poderia prejudicar a preparação de alunos de baixa renda nas periferias.
Para que os alunos acompanhassem as aulas mesmo a distância, o governo lançou o CMSP (Centro de Mídias da Educação de São Paulo), que viabiliza o acesso às aulas mesmo para quem não tem internet em casa. As aulas são apresentadas na TV Cultura.
Porém, as estudantes contaram que não tem conseguido acompanhar as aulas pela televisão. “Como minha mãe trabalha de doméstica, ela fica o dia inteiro fora e eu fico em casa. Então, tenho que limpar a casa, fazer o almoço, a janta”, conta Joana. “Se faço meu cronograma de acordo com o horário que tenho aqui em casa, no momento, consigo seguir ele bem melhor do que alguém me impondo um, sabe?”
Michele também não conseguiu se adaptar ao ensino pela televisão. “Eu vi uma ou duas aulas, mas foi por acaso”, conta. “Aqui em casa o canal da Cultura não pega, aí as aulas que eu assisti foram porque eu estava na casa de um colega.”
No caso de Giovanna, as matérias passadas pelo Centro de Mídias não coincidiam com as ensinadas durante as aulas. “Por exemplo, matemática a professora estava ensinando uma coisa e lá no Centro de Mídias vinha outra matéria, outro tipo de cálculo, aí confundia muito.”
Em São Paulo, a reabertura das escolas públicas e privadas em todo o estado está prevista para o dia 7 de outubro. Porém, educadores são contra o retorno das aulas em meio à pandemia e, na Grande São Paulo, algumas cidades adiaram a reabertura para 2021.
Jornalista em formação. Curiosa, gosta de sol, praia e um bom livro nas horas vagas. Correspondente da Vila Curuçá desde 2019.
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