Por: Thalita Monte Santo
Notícia
Publicado em 22.10.2019 | 9:21 | Alterado em 22.10.2019 | 9:55
Moradora da cidade, Janaína Reis atua com a cultura desde 2007 e disse que trabalho criticado por prefeito não é partidário
Tempo de leitura: 4 min(s)No último fim de semana, a fotógrafa Janaína Reis, 31, se viu no centro de uma polêmica em Guarulhos, na Grande São Paulo. Fotos dela que estavam na exposição Universo Feminino, no Centro Municipal de Educação Adamastor, foram retiradas por ordem direta do prefeito, Gustavo Henric Costa, o Guti (PSB).
O motivo: as fotos de Janaína retratavam as manifestações de mulheres contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL), em 2018, até então candidato à presidência.
Para a fotógrafa, as imagens vetadas representam um momento histórico das mulheres no país e ía de acordo com a temática da exposição. “Dentro do universo feminino também está a luta política, e foi isso que eu quis dizer com minhas fotos. Não existe nada de partidário nisso, como está sendo alegado”, conta.
Moradora do Jardim Cumbica, Janaína é formada em pedagogia, e atua diretamente na cultura da cidade desde 2007 por meio de projetos e grupos de teatro, como a Cia. Los Xerebas. “Meu trabalho na cena cultural de Guarulhos também envolve o teatro, especialmente o clown [uma especificidade de palhaço], além do teatro de rua”, conta.
Ela começou a fotografar por influência do audiovisual, por conta do coletivo de cinema independente Cia. Bueiro Aberto. Lá, dirige filmes, ajuda na preparação de elenco e produção. As obras cinematográficas da companhia, de acordo com a artista, tentam dialogar com o público e falar, principalmente, sobre a cidade de Guarulhos.
Recentemente, dois documentários que Janaína dirigiu foram reconhecidos fora da cidade. O “Olha o Teatro no Meio da Rua”, que aborda a Mostra de Teatro de Rua do Cabuçú, bairro de Guarulhos, foi selecionado para a Mostra do Filme Marginal e será exibido nos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia.
Já “Palavras Deste Chão”, documentário que protagoniza a literatura guarulhense dos anos 1970 até hoje, foi exibido durante o Curta Suzano – Mostra do Audiovisual do Alto Tietê e ganhou o prêmio de menção honrosa.
“Estou envolvida com a cultura da cidade até o último fio de cabelo, batalho muito pelo seu fortalecimento. Eu amo minha cidade, amo descobrir suas histórias, ver seus artistas voando e poder voar também”, conta.
Em 2018, Janaína participou da primeira exposição do coletivo Fotógrafas Guarulhenses, que no mesmo ano lançou um anuário com fotos e biografias de mulheres artistas do município.
“Vejo que é muito difícil essa batalha aqui. Não temos o reconhecimento devido por parte do poder público e, muitas vezes, até da imprensa local”, ressalta, Janaína. “Não temos fomento para produções, formação, nada disso. Fico pensando no quanto Guarulhos avançaria se tivesse o olhar voltado para a valorização da cultura produzida em cada canto da cidade”, conclui.
EXPOSIÇÃO E POLÊMICA
Apesar da retirada das imagens de Janaína, a exposição permanece aberta para visitas diariamente, das 9h às 22h, no salão de exposições do Centro Municipal de Educação Adamastor, na Avenida Monteiro Lobato, 734 – Macedo, Guarulhos.
Ao todo, são 80 fotos registradas por 20 mulheres fotógrafas da cidade. As imagens de Janaína eram apenas uma parte da exposição e a única que teve as fotos retiradas.
Na manhã desta segunda-feira (21), a curadora da exposição, Marina Pinto, 48, do coletivo Fotógrafas Guarulhenses, se reuniu com o secretário de cultura de Guarulhos, Vitor Souza.
De acordo com Marina, a exposição será mantida até o dia 17 de novembro, como já estava programada. No entanto, as fotografias retiradas não irão retornar ao acervo.
“O prefeito argumentou que, por ser um espaço público e por citar o nome de um político, por acaso o presidente do país, não poderia manter as fotos”, disse Marina. A curadora disse ter acionado um advogado para avaliar a legalidade da medida tomada pelo gestor
“A questão da isonomia é justamente o poder público atender a todos de forma igual, sem nenhuma distinção. Mas precisamos dessa averiguação jurídica”, explica a curadora.
As fotógrafas apontam que um dos motivos que levaram a irritação do prefeito foi um vídeo publicado por um homem, desconhecido, nas redes sociais. Nas imagens, ele visita a exposição e se diz indignado ao ver que uma exposição contra Jair Bolsonaro estar instalada no Adamastor.
Nas filmagens ele mostra apenas as fotografias de Janaína e não apresenta as demais obras. Para a fotógrafa, a publicação teria motivado a atitude do prefeito.
“Ele viu o vídeo na internet. Um vídeo que mostra só as minhas fotos, fora de contexto, dizendo que é uma exposição partidária. Ele julga uma exposição inteira só pelas fotos que ele viu. Em nenhum momento o prefeito nos procurou para conversar, ou intermediou a situação pela secretaria de cultura”, relata.
A prefeitura respondeu, em nota, que “ao saber que na exposição havia um conjunto de quadros de caráter político-partidário, o prefeito Guti determinou que somente esses fossem retirados imediatamente, já que o Centro Municipal de Educação Adamastor é um espaço público inapropriado para manifestações de cunho político”.
No domingo (20), um áudio mostra o prefeito dizendo que as imagens têm de ser retiradas em, no máximo, dez minutos.
“Há um grave erro de interpretação, meu conjunto [de fotos] é apenas um entre muitos. O prefeito não viu a exposição e, inflado por uma informação deturpada vista na internet, tomou uma atitude que contraria a livre expressão artística, que é um direito constitucional. Isso fala muito sobre o tempo em que vivemos”, ressalta a fotógrafa.
É jornalista e UX Writer. Já fez parte da equipe de redes sociais, do #RolêNaQuebrada e do No Fluxo. Correspondente da cidade de Guarulhos desde 2015.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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