Por: Jacqueline Maria da Silva | Magno Borges | Paulo Talarico
Arte: Magno Borges
Publicado em 29.04.2022 | 15:59 | Alterado em 30.04.2022| 12:31
Na semana do Dia dos Trabalhadores, em 1º de Maio, a Agência Mural apresenta a história de uma trabalhadora do mercado informal da zona sul de São Paulo, que sonha na legalização da profissão e construir um outro futuro para família
Tempo de leitura: 6 min(s)Andressa Poltronieri, 32, é marreteira, uma vendedora ambulante de balas e chocolates nos coletivos da zona sul de São Paulo. Ela mora em Americanópolis e vive uma rotina puxada. Das dores e alegrias do trabalho nas ruas da capital, ela concilia a profissão com as responsabilidades de casa e os cuidados com o filho.
Nesses caminhos que percorre, trazemos um diário da vida dela nesta reportagem especial em texto e quadrinhos.
Desde 2016, essa é a rotina de Andressa pelos ônibus da zona sul de São Paulo. Mas para ser uma marreteira, o dia começa bem antes de entrar no ônibus.
Pela manhã, dá café para filho de 9 anos e o leva para escola que fica próxima de casa. Depois, vai até as ruas de comércio do distrito de Santo Amaro, também na zona sul, para comprar os doces que vai vender. Às 9h, com a mercadoria na cestinha, percorre a avenida Cupecê, indo e voltando dentro dos ônibus.
Andressa vive em Americanópolis, na região entre os distritos de Cidade Ademar e Jabaquara, regiões onde moram mais de 500 mil pessoas. Se tornar marreteira foi o caminho quando perdeu o emprego de promotora de vendas.
Desempregada, resolveu levar a habilidade de comerciante para dentro dos coletivos, oferecendo cartões de presente de uma ONG.
Nessa época, ganhava apenas R$ 200 por mês. Sem o retorno esperado, decidiu mudar o rumo e comprar a própria mercadoria.
Foi quando apostou em balas, chocolates e chicletes para ajudar no sustento da família. Chega a somar R$ 90 em um dia bom.
“Quando você consegue fazer um dinheiro bom, faz R$ 7, R$ 8 em cada ônibus, mas geralmente de R$ 3 a R$ 5 é a média. Dá para tirar uns R$ 80, R$ 90. Quem tira isso hoje em dia com carteira assinada?”
Nas primeiras vezes em que entrou em um ônibus para vender, ela sentiu vergonha de encontrar pessoas conhecidas do bairro, mas logo se acostumou com o ambiente.
“Foi uma coisa diferente do que eu já estava acostumada, mas tirei de letra. Você acaba conhecendo o pessoal. Muita gente me reconhece e acaba comprando também.”
Mas esse trabalho está longe de ser fácil nem deve ser romantizado. Mas é a forma com que Andressa e milhares de trabalhadores em São Paulo tem conseguido o sustento.
“Muita gente não sabe o que um marreteiro passa, em quantos ônibus ele entrou, o que faz, com quantas pessoas conversou”, conta a vendedora que desenvolveu algumas técnicas.
Deixar os doces com os passageiros começou quando ela percebeu que muitos sentem vontade de comprar, mas não se manifestam. Com a mercadoria em mãos, agiliza o processo.
A escolha do ônibus também é estratégica. Com paciência, ela procura um ponto que tenha uma quantidade considerável de pessoas, pois é certeza de que algum ônibus vai parar.
Para conseguir vender mais e melhor, Andressa também optou por horários em que o coletivo não está lotado, assim ela pode anunciar o produto e não correr o risco de ser roubada.
Além disso, os marreteiros costumam atuar na região onde moram para não gerar conflitos.
Para entrar no ônibus, ela usa duas táticas: dar sinal com o polegar, uma espécie de código que indica ao motorista que ela deseja entrar pela porta traseira.
Caso o condutor não pare, ela tenta subir enquanto os passageiros estão descendo. A estratégia de entrar sem pagar é o modo encontrado para garantir a renda no final do mês. “R$ 4,40 em cada ônibus que entrar, a gente vai trabalhar só para pagar a passagem.”
A maioria dos motoristas e cobradores é amigável e permite a subida pela porta traseira, mesmo sendo proibido e comprometendo o emprego.
Andressa diz haver algumas vantagens de ser marreteira. Há mais proximidade com passageiros que costumam pegar o ônibus no mesmo horário.
“Tem uma senhora que, se eu ficar um mês sem vir, ela falou que fica um mês sem chupar uma bala.”
“E são produtos baratos, o que você geralmente pagaria R$ 2 em uma padaria, aqui você vai pagar metade do preço, no máximo.”
Entre as desvantagens estão os riscos do trabalho informal. Ela já se machucou em fechadas bruscas. Há também muita reação de quem não gosta da atuação dos ambulantes no transporte e reclama da circulação deles.
“As pessoas acham que todo marreteiro está lá porque quer zoar, porque não quer encontrar um trabalho, porque para eles é mais cômodo, mas não é assim.”
“Muita gente manda arrumar um trabalho, como se isso não fosse um trabalho. Estou oferecendo uma coisa, é um comércio como outro qualquer, não é pedinte.”
Apesar disso, ela reforça que o que está fazendo é trabalhar. “Acho um exemplo de batalha, a pessoa não ter um trabalho e mesmo assim não estar esperando no sofá. Somos exemplo de não parar, de ser ativo, de não esperar cair do céu.”
A profissão de vendedor ambulante foi regulamentada em 1940, por meio do Decreto- Lei nº 2.041. Porém, um artigo proíbe a oferta de mercadorias dentro dos transportes em movimento.
Em 2020, o Projeto de Lei nº 5.381 foi criado para legalizar os trabalhadores que atuam nos coletivos, mas ainda tramita no Congresso.
A taxa de informalidade no Brasil cresceu entre 2020 e 2021. No país, há 38 milhões de pessoas que trabalham no mercado informal (ou 40%, segundo o IBGE). Desses 25 milhões trabalham por conta própria, caso dos marreteiros.
São brasileiros que, sem emprego formal, buscam alguma alternativa para conseguir dinheiro. A venda como ambulante foi uma alternativa para alguns, como Andressa, mesmo sem a legalização.
Não há dados recentes sobre quantos atuam como vendedores ambulantes ou marreteiros no transporte. O último levantamento específico da categoria apontava 532 mil vendedores ambulantes e camelôs que trabalhavam por conta em 2008.
Na cidade de São Paulo, 17 mil vendedores ambulantes foram cadastrados no processo “Tô Legal”, da prefeitura, mas para a venda em pontos fixos e não no transporte.
De todo modo, o que se sabe, pelo menos na percepção de quem anda pelos ônibus, é que houve aumento de vendedores informais desde a chegada do coronavírus.
Pouco antes das 11h30, Andressa faz uma pausa para buscar o filho na escola. Ela almoça e, de tarde, volta para a jornada na avenida Cupecê.
Nessa pausa, ela lembra que nesses cinco anos de trabalho conseguiu viver sem passar necessidade, apesar de a profissão ser repleta de incertezas.
A pandemia de Covid-19 foi um desses momentos incertos. O período de isolamento por causa do coronavírus diminuiu a circulação de pessoas no transporte e impactou a renda dela.
“Antes da pandemia, a gente vendia muito bem. Cada marreteiro na avenida tirava seus R$ 120, R$ 150, no mínimo”.
Andressa não parou de trabalhar. Na verdade, estendeu a jornada para 10 horas diárias para garantir a renda. “Eu chegava às 6h e saia às 18h.”
Ela também viu o aumento de marreteiros nos ônibus.
“Na pandemia aumentou demais, aqui na avenida mesmo éramos eu e mais três. Agora quando vem todo mundo, vem 15 pessoas, sabe?”
Andressa já ajudou pessoas que tentavam entrar na área. Uma vez, um senhor recém-chegado do Piauí veio para São Paulo com a promessa de um emprego que não deu certo.
“Ele não tinha nada, não tinha onde ficar e estava pedindo dinheiro dentro do ônibus para poder se sustentar até conseguir um trabalho.”
“Eu tinha investido tudo em doces para trabalhar no dia seguinte. Dei uma caixinha de bala para esse homem. Um tempo depois eu o encontrei vendendo dentro do ônibus e ele falou que faria aquilo até arrumar um trabalho, graças a mim. Eu gostei muito”
Apesar da informalidade e de ainda não haver legalização do trabalho dos marreteiros, Andressa se vê como uma empresária.
“Empresário não é aquele que investe? Eu sou uma nanoempresária. Todo dia invisto um pouquinho, mas é um investimento.”
Nanoempreendedor é aquele cuja receita bruta no ano-calendário seja igual ou inferior ao limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Essa definição consta no Projeto de Lei 6012/2005 que criava o Estatuto de Proteção ao Trabalhador Informal. Mas a proposta foi rejeitada em 2007.
Quando soube que o filho pensava em seguir a profissão dela, ela disse que havia muitas possibilidades e que ele tinha muito tempo. “Ele só tem nove anos, pode correr atrás do futuro e, com 18 anos de idade, estar fazendo uma coisa melhor.”
Para realizar os sonhos de estudar e montar o negócio, ela tem na ponta do lápis o valor que teria de guardar. “Aumentando minha meta diária em R$ 50, R$ 60, já consigo pagar minha faculdade [de gastronomia] durante um ano ou dois.”
Enquanto esse sonho não vem, são 17h. Hora de voltar para casa antes de começar mais um dia no diário da marreteira.
No Próxima Parada, ouvimos um pouco mais sobre a história dessa marreteira da periferia de São Paulo. Se liga:
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Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.
Nascido no Jaraguá, desenhista introvertido desde pequeno. Já foi ator e assistente de artista plástico, hoje é ilustrador e designer da Agência Mural, formado em Game Design. Correspondente do Jaraguá desde 2017
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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