Fila para o procedimento tem média de 197 dias em 2021, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. No ano passado, a espera era de 151 dias
Por: Redação
Publicado em 07.07.2021 | 21:52 | Alterado em 07.07.2021 | 21:52
Muitas famílias já encontravam dificuldades para realizar uma laqueadura (operação cirúrgica para esterilizar quem não deseja uma futura gravidez) na cidade de São Paulo antes mesmo da pandemia. E a situação tem se agravado.
Em 2019, o tempo médio de espera era de 147 dias. Em 2020, 151 dias. E agora, em 2021, a fila para o procedimento chega a 197 dias, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Esses são os números oficiais.
De acordo com alguns relatos ouvidos pela reportagem do 32xSP, o prazo é até maior. Daniela Cristina Neves, 41, por exemplo, é moradora do Jardim Maringá, na zona leste, e está aguardando há oito meses (ou seja, mais de 240 dias).
“Fiz o pedido, pois tive depressão pós-parto. A nossa médica da saúde da família disse que me colocaria no programa, mas não deu previsão por conta da pandemia”, conta ela, que tem um filho de um ano.
Por ser um procedimento eletivo (não são considerados de urgência e emergência), todas as laqueaduras agendadas foram remarcadas. Isso por conta do plano de isolamento e enfrentamento ao surto de Covid-19 na cidade.
ESPERA DE ANOS
“Mãe de três crianças, eu esperava desde 2010 por uma vaga para realizar a laqueadura. Só quando minha trombose evoluiu para embolia pulmonar que consegui atendimento rápido, operei em março de 2012″, conta Fabiene Mattos Souza, 36, assessora de imprensa e moradora de Artur Alvim, na zona leste.
Com um pedido explicando a urgência para fazer a laqueadura, a assistente social arrumou um encaixe para Fabiene na UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro onde mora. “Em um mês já tinha todos os exames prontos e estava operada”, diz aliviada.
DIREITOS REPRODUTIVOS
Segundo o presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Nacional, Henderson Fürst, a laqueadura representa um aspecto importante do direito fundamental da mulher, que é o respeito aos seus direitos reprodutivos.
“Historicamente, esses direitos passaram por diversas violações e, atualmente, os critérios estabelecidos pela lei brasileira de planejamento familiar inclusive estão sendo discutidos no STF (Supremo Tribunal Federal) — na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.911, pois tais critérios reduzem a autonomia da mulher.”
Fürst analisa que o tempo de espera para realizar a laqueadura em 2020 foi um pouco maior do que em 2019, período em que não havia pandemia. Essa espera já é, por si só, injustificável, aponta o advogado.
“O fato de ser uma cirurgia eletiva não é justificativa suficiente quando nos deparamos com os riscos dos efeitos colaterais de outros meios contraceptivos. Além de ser uma espera abusiva, é inconstitucional (e desumano).”
Outro método contraceptivo buscado é o DIU (dispositivo intrauterino). A veterinária Ana Carolina Marques, 26, moradora da Santa Cecília, na região central, fez o pedido na UBS do bairro durante a pandemia.
Ela conta que não foi até o final do procedimento porque ficou com muita dor durante a inserção e desistiu.
“Fui encaminhada para uma palestra sobre planejamento familiar com duração de um ou dois dias. Lá explicam os métodos. Assinei um papel que estava ciente de tudo, marquei a consulta e fiz exames. Pediram para eu retornar lá no primeiro dia de menstruação.”
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, as inserções do DIU foram reorganizadas, pois a pasta tem priorizado os pré-natais e os exames de prevenção do câncer. No entanto, afirmam que os métodos contraceptivos continuaram a ser ofertados nas UBS.
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Não há espera para a inserção do DIU, segundo a SMS. Após consulta para esclarecimento de dúvidas, e não havendo contraindicação, é agendado o procedimento.
O serviço de teleatendimento Alô Mãe (0800 200 0202) é também responsável pelo agendamento da consulta de inserção do DIU de cobre no ambulatório PAISM (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher) CEJAM.
PRESERVATIVOS
Outro método anticoncepcional disponibilizado pela prefeitura, a distribuição de preservativos masculinos (camisinhas) teve uma queda desde o começo da pandemia.
Bruna*, 19, moradora do Jardim Tremembé, zona norte, diz que toda vez que ia ao posto havia preservativos à disposição. Agora na pandemia não está indo mais, devido ao isolamento.
“Estou me cuidando, mas evitando de ir na UBS justamente porque acredito que esteja cheia, por isso não tenho ideia de como está a distribuição”. Assim como Bruna, muitos paulistanos deixaram de pegar os preservativos nesses locais.
Em 2019 foram distribuídos 22,7 milhões milhões de preservativos masculinos nas unidades básicas de saúde e, em 2020, ano que começou a pandemia, o número caiu para 17,6 milhões. É uma diferença de mais de 5 milhões.
Por outro lado, é importante destacar que a distribuição de preservativos femininos aumentou, chegando a 821.764 em 2020.
De acordo com a pasta, as unidades continuam oferecendo regularmente os métodos contraceptivos na pandemia.
OUTROS MÉTODOS
A Secretaria Municipal de Saúde afirma que tem ampliado a oferta de outros métodos contraceptivos de longa duração para as mulheres vulneráveis (mulheres em situação de rua, usuárias de drogas e adolescentes).
Entre esses métodos estão o implante de etonogestrel (implanon, com duração de três anos) e o DIU hormonal (mirena, com duração de cinco anos, além do DIU de cobre, com duração de 10 anos), pois são mais efetivos na prevenção da gravidez não planejada.
A pasta ressalta que geralmente a responsabilidade pelo planejamento reprodutivo definitivo acaba ficando mais sob responsabilidade das mulheres, porém, o SUS (Sistema Único de Saúde) também oferta vasectomias. A secretaria informa ainda que as unidades também disponibilizam o preservativo feminino e masculino.
*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.
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