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29 de agosto é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Para marcar a data, reunimos relatos de lésbicas e bissexuais moradoras das periferias de São Paulo.
Arquivo pessoal
Por: Larissa Darc
Notícia
Publicado em 29.08.2019 | 10:42 | Alterado em 22.11.2021 | 16:13
Andar de mãos dadas com a pessoa amada não é algo tão simples para uma pessoa LGBT. Em zonas periféricas, o gesto é ainda menos usual. E o medo de demonstrar afeto não é infundado.
Quatro em cada entrevistados pela “Pesquisa Viver em São Paulo: Direitos LGBTQI+ 2019”, realizada pela Rede Nossa São Paulo, relataram ter presenciado ou vivido alguma situação de preconceito em espaços públicos. Quem mais denunciou episódios de discriminação foram as mulheres LGBT negras, moradoras da zona leste e integrantes da classe C.
“Ser periférica não é apenas sobre local, é também sobre raça, classe e sexualidade. No meu caso, estar à margem é ser uma mulher negra e LGBT em espaços que não foram destinados para nós”, afirma Beatriz Moraes Silva, 22, moradora do Jardim Jaú, zona leste.
Em um texto publicado no livro “A liberdade é uma luta constante”, a filósofa Ângela Davis explica que é necessário pensar nas formas como raça, classe, gênero e sexualidade se entrelaçam. “Precisamos entender não tanto a interseccionalidade de identidades, mas a interseccionalidade de lutas”, argumenta Beatriz.
Na prática, isso significa que cada grupo tem pautas específicas acerca de opressões que sofrem diariamente. Foi com base nessa premissa que o Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ) organizou o 1º Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) em 1996. Com discussões voltadas para sexualidade, prevenção de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), trabalho e cidadania, o evento se tornou referência na luta pelos direitos da mulheres lésbicas, fundando o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica em 29 de agosto.
Para refletir sobre o significado da data, conversamos com mulheres lésbicas das periferias de São Paulo.
Beatriz Moraes Silva, 22, estudante de história da arte. Moradora do Jardim Jaú – distrito de Cangaíba (zona leste)
“Hoje em dia eu sou uma mulher adulta e independente, então posso assumir quem eu sou no espaço em que eu vivo. Mas, antes disso, eu não trazia essa responsabilidade para o bairro onde eu morava porque não queria colocar a minha família em risco”, relata Beatriz Moraes Silva.
Nascida e crescida na zona leste de São Paulo, descobriu o seu interesse por mulheres cedo, no início da adolescência. Ainda na época da escola encontrou apoio em amigos LGBT, que acompanharam o seu processo de aceitação.
“Hoje frequento apenas meios que são confortáveis para mim. Eu já trabalhei em empresas nas quais eu era a única mulher negra ou LGBT e isso demandava uma eterna desconstrução. A gente sai do armário todos os dias”, afirma.
Beatriz também enfatiza que a identidade periférica vai além da localização de sua casa no mapa. A estudante de história da arte acredita que classe, raça e sexualidade também influenciam na forma como as pessoas são percebidas.
Paloma Vasconcelos, 28, jornalista. Moradora da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte)
Paloma escutou a palavra ‘sapatão’ pela primeira vez aos 11 anos de idade. Ao elogiar uma atriz de uma novela, ouviu a própria mãe questionar sobre a sua sexualidade. A forma como a progenitora usou a palavra foi tão pesada que ela negou de imediato o adjetivo.
Hoje, aos 28 anos, diz que esse é o termo que melhor a define. “De dois anos para cá entendi que eu não sou lésbica, sou sapatão. Dizer isso é pegar toda a carga ruim que existe em volta da palavra e ressignificar o sentido dela. Isso vai muito além da minha sexualidade”, explica.
Em função das roupas largas e do cabelo curto, já enfrentou episódios de lesbofobia tanto em zonas periféricas quanto no centro. “Na periferia eu já senti alguns olhares, principalmente quando estou andando de mãos dadas com outra lésbica não-feminilizada. Mas eu fico muito mais incomodada em não ser percebida como mulher”, desabafa.
A discriminação ao usar banheiros públicos é recorrente. “Porque se eu não uso determinadas roupas ou não tenho cabelo grande, deixo de ser vista como mulher”, explica.
Apesar disso, a jornalista afirma que tem percebido uma maior tolerância em zonas mais afastadas. Educadora na Escola de Notícias, projeto de jornalismo comunitário do Campo Limpo, diz que tem percebido maior receptividade para discutir pautas LGBT com o público jovem.
“É muito diferente como a turma mais nova enxerga a sexualidade dentro do contexto periférico. Eles têm mais referências e lidam melhor com essas questões”, explica.
Natália Soueid, 23, moradora da Vila Curuçá (zona leste)
“Uma vez eu fui até a rua Augusta com a minha família e a minha irmã mais nova perguntou se eu frequentava muito aquele lugar. Eu disse que sim, pois naquele espaço poderia andar de mãos dadas com a pessoa que eu gosto”, narra Natália Soueid, 23, residente da Vila Curuçá.
Lésbica assumida, conta que costuma frequentar as regiões centrais desde a adolescência. “Quando eu tinha 16 anos, todos os meus rolês e dates eram sempre no centro. Eu só marcava encontros do Tatuapé para frente”, explica.
Natália observa o surgimento de iniciativas LGBT nas periferias como um sinal de melhora na aceitação, mas ainda restringe demonstrações de afeto para zonas que considera mais seguras.
“Eu seguro a mão da minha namorada nos mercados do centro, onde ela mora. Mas, lá onde eu moro, prefiro evitar. Eu estou cansada e quero evitar problemas. Parece que você tem que estar disposta a enfrentar problemas se quiser demonstrar afetos em determinados espaços”, desabafa.
Yakini Kalid de Souza Silva Oliveira, 19, estudante. Moradora de Pirituba (zona noroeste)
“Têm muitas formas de olhar para a realidade sapatão na periferia. Quando você vive na quebrada, todo mundo te conhece e você corre o risco de ficar mal falada”, diz Yakini Kalid de Souza Silva Oliveira, 19.
Moradora do bairro de Pirituba, costuma frequentar com mais assiduidade as regiões centrais da cidade. “Eu me sinto mais segura no centro porque lá eu sou mais aceita. Na perifa têm poucos casais lésbicos assumidos ou espaço para receber atividades e rodas de conversa sobre o assunto. Já em outras áreas eu tenho amigas com quem eu posso contar”, explica.
Mulher negra e lésbica, acredita que questões de raça e classe são ainda mais determinantes para a exclusão e a discriminação. “Eu percebo a intersecção de opressões o tempo todo, mas sinto que sofro mais em função da minha raça do que pela minha sexualidade”, aponta.
Yakini aconselha que mulheres lésbicas que estão se descobrindo cultivem redes de afeto. “É importante conhecer pessoas que te ajudem a criar uma bolha de acolhimento, cuidado e amizade.”
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Jornalista, bissexual, É autora dos livros "Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais" e "Tálamo". Correspondente do Parque do Carmo desde 2017.
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