Neste 3 de Julho, Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, a Agência Mural entrevistou Najara Lima Costa, professora, socióloga e autora de "Quem é negra/o no Brasil?", que será lançado na terça-feira (7)
Mauro Donato
Por: Lucas Veloso
Notícia
Publicado em 03.07.2020 | 16:02 | Alterado em 22.11.2021 | 16:11
Neste 3 de Julho, Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, a Agência Mural entrevistou Najara Lima Costa, professora, socióloga e autora de "Quem é negra/o no Brasil?", que será lançado na terça-feira (7)
Tempo de leitura: 5 min(s)Nos últimos anos, a professora, socióloga e mestra em Ciências Humanas e Sociais, Najara Lima Costa, 39, tem pesquisado sobre o conceito de raça enquanto construção sociológica por membros de comissões de heteroidentificação (que analisam possíveis destinatários para o ingresso nas universidades e concursos públicos que reservam vagas para negros).
Para ela, o conceito é a chave para o entendimento do racismo em seu formato no Brasil. Dessa dissertação de mestrado nasceu o livro “Quem é negra/o no Brasil?”, fruto das pesquisas, defendida em 2019, na UFABC (Universidade Federal do ABC), que será lançado na próxima terça-feira (7).
O lançamento durante o período de pandemia do novo coronavírus servirá para discutir o momento da população negra e das periferias. “Estamos lutando por sobrevivência, especialmente no contexto de crise econômica causada pela Covid 19, onde tudo fica tudo mais complicado”, diz Najara, moradora de Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
“Na periferia a gente vê que o racismo limita a possibilidade e dificulta o acesso a direitos”, pontua, citando a desigualdade social nessas regiões.
Além disso, se trata de um período em que a discussão está em grande evidência, mesmo após décadas de legislação para combater o racismo.
Nesta sexta-feira (3) é o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. A data lembra o dia em que o Congresso Nacional aprovou a Lei 1.390, em 1951, conhecida como Afonso Arinos, nome do jurista e político mineiro, proponente da iniciativa.
Essa legislação foi a primeira contra o racismo no Brasil, que estabelecia como contravenção penal qualquer prática resultante de preconceito por raça ou cor. Nos anos 1980, o tema se tornou crime inafiançável, mas a discussão sobre a questão racial no país sempre foi mascarada.
“O processo histórico do Brasil tem algumas características distintas de nações como os EUA, por exemplo. O debate racial em nosso país era, até pouco tempo atrás, negligenciado. Apontar a existência de um racismo estrutural na sociedade brasileira é o primeiro passo para que as mudanças comecem a acontecer”.
RACISMO À BRASILEIRA
Nos últimos meses, o debate racial ganhou repercussão depois que o afro-americano George Floyd morreu em 25 de maio de 2020, depois que Derek Chauvin, policial branco de Minneapolis, ajoelhou no pescoço de Floyd durante oito minutos e quarenta e seis segundos, enquanto ele estava deitado de bruços no chão.
Na discussão sobre o racismo no Brasil e nos Estados Unidos, Najara observa que os dois países têm processos históricos diferentes, o que impacta no entendimento racial.
“O movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] nos EUA surge em 2013 e toma forte dimensão com a execução de George Floyd, por um grau de grande inconformismo da população negra, estabelecido por uma série de fatores como a crise econômica que avançou rapidamente com a pandemia e se agravou por meio de ‘saídas neoliberais’, oriundas das ações políticas de um presidente da extrema direita, resume.
O contexto da pandemia trouxe um grande entendimento sobre o fato da questão racial ligado à desigualdade, o que é visto com mais intensidade pelos americanos.
No Brasil, Najara diz que uma das formas mais perceptíveis do racismo são as ações policiais. “A polícia age de forma repressiva com as pessoas negras”.
Apesar da pandemia, as mortes provocadas por agentes da segurança pública em São Paulo aumentaram. Um exemplo é que os números oficiais da Secretaria Estadual de Segurança Pública mostraram que, em abril, 119 pessoas foram mortas pela Polícia Militar, um aumento de de 53% na comparação com o ano passado, quando houve 78 vítimas.
Protestos contra mortes como a de Guilherme Guedes, na Vila Clara, zona sul da capital, também aumentaram os debates sobre as ações.
“O racismo aqui é muito profundo, porém a gente não fala sobre isso. É uma prática que se consolida. Temos um imaginário social de que não existe um conflito de racismo no Brasil, a gente nasceu sob o mito da democracia racial, inclusive nas universidades”, comenta Najara.
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A professora diz que no país o racismo é mais complexo porque não há entre grande parte dos brasileiros o entendimento do quanto ele impacta negativamente a trajetória das pessoas negras, o que dificulta o avanço das políticas de promoção da igualdade, em especial, no mercado de trabalho.
No entanto, de acordo com ela, o país aponta para o aumento dos debates e denúncias sobre o tema, tendo em vista a participação de mais negros nas universidades e serviços públicos, em especial após a adoção das políticas de cotas raciais.
OS NEGROS MORREM MAIS
A Agência Mural publicou matéria sobre os bairros da capital paulista com maior população negra, onde os números da Covid-19 são maiores.
O texto diz, que apesar da falta de dados sobre raça e cor das vítimas da doença, indícios mostram que a população negra tem sido mais atingida pela doença, em especial por conta das desigualdades sociais existentes na cidade.
De acordo com os dados oficiais, dos 48 distritos que possuem maior população negra, 32 deles estão entre os que lideram o número de mortes e mortes suspeitas.
Najara comenta que, antes da pandemia, algumas pesquisas já apontavam que os negros acessam a saúde de forma mais precária do que os não negros, como um estudo da ativista de direitos humanos e diretora da Anistia Internacional, Jurema Werneck. “[A pesquisa] mostra que os negros ficam menos tempo no atendimento médico, em comparação dos brancos. Por exemplo, mulheres negras recebem menos anestesia no momento do parto”.
Para a professora, no contexto da pandemia, os negros morrem mais porque se infectam com mais rapidez e por vezes tem o acesso à saúde dificultado. “É uma questão muito simples. Negros não dispõem do mesmo tratamento de saúde do que o destinado à pessoas brancas. As condições em que vivem grande parte da população negra não permitem o isolamento social, isso torna nossa população muito mais vulnerável em meio à pandemia”.
Najara diz ainda que casas pequenas, falta de renda e saneamento básico compõem uma série de fatores que impedem a prevenção de grande parte da população negra e pobre contra o coronavírus.
LANÇAMENTO
Na próxima terça-feira (7), às 19h, Najara fará uma live de lançamento do livro “Quem é negra/o no Brasil”, editado pela Dandara. O evento contará com o professor Juarez Xavier, presidente da Comissão de Averiguação das Autodeclarações da Unesp (Universidade Estadual Paulista), autor do prefácio da obra.
Também terá a participtação de Isadora Brandão, defensora pública de São Paulo e da Coordenação do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, que escreveu a orelha do livro também participa do evento. A transmissão será pela página da editora no Facebook. O livro está em pré-venda no site: www.dandaraeditora.com.br
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