Upa da Aprendizagem, projeto com bonecas de pano e trabalho com territórios. Conheça algumas das atividades que professores da Grande São Paulo realizam com seus alunos
Arquivo Pessoal
Por: Jessica Silva | Katia Flora
Notícia
Publicado em 09.11.2021 | 15:22 | Alterado em 07.03.2022 | 17:37
Duas vezes por semana, a sala de aula da professora Maria Jozelma Barbosa Mainente, 35, se transforma em uma unidade de pronto-atendimento. Por ali, as crianças pegam senha, fazem prontuário, falam com “doutor” que faz o encaminhamento e explicam as “queixas” sobre a aprendizagem.
Essa foi a forma com que a educadora do 5º ano do ensino fundamental em Santo André, na Grande São Paulo, encontrou para driblar as dificuldades dos estudantes com a volta ao ensino presencial, após mais de um ano de pandemia de Covid-19. Foi quando criou um sistema de senhas para tirar dúvidas de cada um.
“Como a gente já previa, as crianças retornaram no presencial com uma defasagem muito grande. Então para não ter aglomeração, decidi fazer esse sistema de senha para ir um aluno de cada vez tirar uma dúvida”, explica a professora.
De acordo com Jozelma, a ideia surgiu durante uma aula quando ela [a professora] colocou uma placa na sua mesa com a escrita: “Central de Dúvidas” e os alunos tinham que pegar uma senha para falar sobre a lição,
Um dia uma criança falou que aquilo parecia um hospital e foi aí que surgiu o nome “Upa da aprendizagem.”
“Coletivamente a gente pensou na UPA de aprendizagem, porque uma UPA atende todas as especialidades. Então se a criança está com dificuldade na estruturação de texto ou em matemática, por exemplo, a gente faz um atendimento na UPA”, conta Jozelma.
“A gente saiu daquela rotina da sala de aula que é a professora lá na frente explicando a matéria, e construí uma nova rotina”, conclui.
Jozelma também conta que a ideia deu tão certo que os alunos começaram a fazer “currículos” para enviar para atuar na UPA.
“A gente fez um cronograma e quando chega o nosso horário da UPA eles [os alunos] já colocam o crachá e a gente já começa a desenvolver as atividades toda terça e quarta, de língua portuguesa e matemática.”
Entre uma atividade e outra, as crianças também desenvolvem jogos e fazem oficina de pintura, e atividades diferenciadas “Nós desenvolvemos atividades, com blocos, material dourado, palitinhos, utilizamos diversos recursos para auxiliar na aprendizagem dos alunos” conclui Jozelma.
Também em Santo André, a arte-educadora e artesã Elidy Moreira da Silva, 41, tem um trabalho de formação com docentes na discussão sobre questões raciais.
Pedagoga, na época da faculdade, ela percebeu que, na brinquedoteca, as bonecas negras ficavam escondidas e as brancas expostas, em um berço rosa.
A partir daí, sentiu a necessidade de retratar o assunto para outros professores, que tinham dificuldades de abordar o tema com os alunos do Ensino Infantil e Fundamental nas salas de aula.
“A educação precisa estimular a criança, para assimilar o assunto”, explica Elidy que é idealizadora do projeto “Cria Criôla”, uma confecção de bonecas negras de pano que adapta alguns protagonistas de obras infantis para esse universo, como a Preta de Neve, Mulher Maravilha e o Pequeno Príncipe Negro.
Também produz em formato de orixás com a pele retinta, que tem a identidade cultural e não religiosa.
As bonecas são confeccionadas e costuradas com tecidos de pano, no pequeno ateliê dentro do apartamento onde mora, bairro Cidade São Jorge, em Santo André.
A produção de um boneco pode durar até três dias, pois são várias etapas, do corpo feito com cadarço e os tecidos e enfeites. “Cheguei a produzir 800 bonecas no mês, sozinha, não tercerizo meu trabalho”, comenta.
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Durante a pandemia, os professores pediram o brinquedo para ser usado como material pedagógico, faziam contação de histórias e explicavam a importância da representatividade na sociedade. As crianças se identificavam com o item exposto na aula virtual.
Para ela, o trabalho que realiza é fundamental para educação da criança. “Penso como minhas bonecas vão mudar a forma de ver a vida daquele aluno”. Os trabalhos realizados pela educadora podem ser vistos na sua página do Facebook.
Na zona noroeste de São Paulo, em Jaraguá, o professor de geografia da rede municipal de São Paulo, Henrique Macedo, 34, realiza um trabalho sobre territórios com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental 2.
Como tentativa de manter o contato com os estudantes, e junto a outro professor da rede, Tuwilê Jorge, eles desenvolveram o “Prosa Geográfica”, uma continuação do projeto “Território Jaraguá” que existe desde 2018.
“O objetivo é trabalhar os conceitos fundamentais da geografia, tais como lugar, espaço geográfico, paisagem e a relação do ser humano com a natureza”, afirma.
A ideia do programa é fazer aulas por meio de saídas pedagógicas por pontos de interesse do distrito do Jaraguá “valorizando sobretudo os espaços públicos e as potencialidades da periferia”, explica.
O “Prosa Geográfica” foi realizado durante o isolamento por meio de encontros virtuais pela internet com os estudantes dos sextos e sétimos anos.
“Se relaciona com as potencialidades do distrito, tais como praças, parques e demais lugares públicos que a população utiliza no seu cotidiano”, explica Henrique.
Com o retorno das aulas presenciais os estudantes puderam voltar ao antigo projeto, agora intitulado “Território Jaraguá Vol.4”, realizando depois de um ano e oito meses uma saída pedagógica em direção ao Parque Senhor do Vale, valorizando a cultura indígena presente na região.
“Estamos trabalhando o conhecimento a partir do cotidiano deles, demonstrando que a teoria aprendida em sala de aula não paira no ar, ela está profundamente ligada a nossa realidade”
O “Território Jaraguá” é inspirado nos projetos “Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá Perus Anhanguera.
“Além de toda a atuação dos coletivos culturais do Noroeste, que produzem conhecimento por meio da visão da periferia, como acompanhei essas atividades, fiquei com isso na mente, a necessidade de estudar o território”, diz Henrique.
Em 2019, o projeto foi contemplado com a terceira edição do prêmio Territórios do Instituto Tomie Ohtake, trazendo para a escola R$ 2.000, um acervo de 150 livros e um minidocumentário intitulado “Território Jaraguá” disponível no YouTube.
Para o professor, esse trabalho educativo tem duas bases teóricas: uma do geógrafo Milton Santos, que nos coloca a necessidade de se fazer falar do território; e as obras do educador Paulo Freire, segundo o qual a leitura do mundo precede a leitura da palavra.
“Buscamos valorizar no projeto Território Jaraguá a cultura Guarani presente no lugar, além das potencialidades dos espaços públicos na periferia, contribuindo assim um pouco com esse projeto nacional que devemos construir de baixo para cima.”
Jornalista formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, Pedagogia e Mestra em Educação pela PUC-SP. Ama fotografias, séries, filmes e não vive sem Netflix. Correspondente de Mogi das Cruzes desde 2013.
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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