Lindemberg Alves é fundador da Afrontarte (Associação Afro Brasileira de Cultura e Arte), que oferece oficinas temáticas, confecção de brinquedos e danças
Arquivo Pessoal
Por: Jessica Silva
Notícia
Publicado em 19.05.2021 | 16:45 | Alterado em 23.07.2021 | 22:13
Há alguns meses, o porteiro Lindemberg Alves, 45, resolveu demolir a parte da frente da casa em Jundiapeba, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. O motivo era realizar um sonho: construir um espaço para a cultura afro na periferia da cidade.
É nessa parte da residência que vai funcionar a Afrontarte (Associação Afro Brasileira de Cultura e Arte) com ações como oficinas temáticas, confecção de brinquedos, ensino de danças e apresentações como capoeira, maracatu, candomblé, jongo e samba.
Lindemberg foi entrevistado pelo Próxima Parada, novo podcast da Agência Mural e um Original Spotify.
Confira o episódio completo:
Natural de São Miguel Paulista, na zona leste da capital, Lindemberg chegou em Mogi das Cruzes com 19 anos de idade, após a família conseguir trocar um terreno antigo por uma casa no distrito de Jundiapeba.Antes mesmo de se mudar para Mogi, ele já tinha contato com a cultura do hip hop e começou a escrever rap e poesias junto com amigos.
Ao se mudar, Lindemberg percebeu que na cidade não existiam atividades culturais voltadas para a cultura nas periferias, principalmente em Jundiapeba (região mais afastada do centro).
“Ia muito para São Paulo, porque não tinha nada aqui. Cheguei em Mogi no começo da década de 1990 e não tinha nenhuma atividade cultural”, relembra.
“A gente decidiu trazer as coisas para cá, como a oficina de hip hop. Nos fins de semana a gente ocupava as escolas, tinha um rap, espaço para o pessoal grafitar, tinha dançarinos e DJ”, relata.
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O nascimento do projeto foi dentro de um antigo programa do governo estadual, o “Escola da Família”, que abria a escola para os moradores nos fins de semana, em 2014.
A Afrontarte seria oficializada quatro anos depois, em 18 de julho de 2018, no dia em que Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e ativista político, faria 100 anos se estivesse vivo.
A ideia era mudar as perspectivas na região. De acordo com Lindemberg, Mogi ainda tem um “estilo tradicional” com forte influência de famílias que comandavam a cidade – uma das mais velhas do estado, com 409 anos.
Exemplo dessa realidade é que o município possui estátuas e parques que valorizam a cultura oriental e dos bandeirantes, mas poucas ações que destacam a cultura afro-brasileira. “Não tem nada que marque a passagem do negro pela cidade.”
“A ideia era fazer da Afrontarte um ponto de fortalecimento das lutas auxiliando na formação de multiplicadores culturais e divulgação da diversidade”, finaliza.
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
Lindemberg é arte educador, mas também trabalha como porteiro e montador para manter as contas. Usa o próprio dinheiro para comprar material e realizar a construção do espaço, que tem apoio apenas de doadores. Ele quer ainda construir uma pequena sala para um futuro cursinho popular.
“Estou montando com minhas próprias mãos, sem recursos públicos e com salário de R$ 1.800 que é dividido com as despesas da minha casa”, afirma.
Junto com ele, moram a esposa, quatro filhos e um neto. Todos ajudam nos projetos culturais da organização. “Minha família cresceu em volta do meu trabalho e todos os meus filhos realizam alguma atividade cultural. Nós crescemos em volta disso e todo esse projeto é em família”, conta.
Quando os filhos eram mais novos, Lindemberg os levava no carrinho de mão junto com uma aparelhagem de som para fazer eventos de rap. O filho mais velho, Paulo Alves, 24, hoje é dançarino profissional.
Ao todo a associação tem oito diretores, entre financeiros, artísticos, geral e mais de 20 artistas que colaboram de forma voluntária com o projeto.
Entre eles estão Alessandra Gomes Félix, 43, uma das coordenadoras do grupo. Ela realiza oficinas de artesanato em material reciclável como as bonecas africanas “Abayomi”, símbolo de resistência. E o bailarino e fotógrafo Paulo Cícero, 25, que também é oficineiro.
De acordo com os integrantes, a falta de políticas públicas eficazes em áreas periféricas durante a pandemia agravou a situação do grupo, visto que não existe um tipo de subsídio que atenda de forma objetiva o artista periférico.
“A periferia já sofre há anos com a falta de incentivo a seus artistas, falta de estrutura e de condições mínimas para produzir e desenvolver seus talentos”, relata Lindemberg.
Além disso, o grupo tem se preocupado em arrecadar alimentos e mantimentos para doações locais. “Precisamos agora pensar na higiene e no alimento, deixando a arte e a cultura em segundo plano”, diz.
A sede improvisada no cômodo da casa tenta minimizar também uma demanda de anos da região de Jundiapeba, onde não há um espaço cultural aberto aos moradores.
“As crianças, por exemplo, brincam na rua e ocupam os espaços que elas encontram, mas não tem nenhum projeto voltado [à cultura]”, explica.
Jornalista formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, Pedagogia e Mestra em Educação pela PUC-SP. Ama fotografias, séries, filmes e não vive sem Netflix. Correspondente de Mogi das Cruzes desde 2013.
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