Nas últimas décadas, distrito ganhou ares de desenvolvimento como a construção de hospital, centros educacionais, praças e parques
Por: Redação
Publicado em 13.03.2017 | 14:42 | Alterado em 13.03.2017 | 14:42
João Trindade se divide entre duas profissões na Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, local onde mora. Ele administra uma barbeira há duas décadas e há quatro dá aulas de língua portuguesa em uma escola pública do bairro.
Há quase trinta anos, Trindade e sua família trocaram Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, para viver no maior Complexo Habitacional da América Latina.
“Na época ainda era tudo terra. Só tinha uma empresa de ônibus. Era um sacrifício”, relembra o professor que engrossa o total de 220 mil pessoas. A área é extensa. São 15 km² nos quais foram construídas 40 mil unidades habitacionais. Mesmo com números expressivos, a região ainda recebe o status de “bairro-dormitório”, mas há quem conteste esse título.
Nas últimas décadas, a Cidade Tiradentes ganhou ares de desenvolvimento como a construção do Hospital Municipal Cidade Tiradentes, centros educacionais, praças e parques. “Temos coisas que em outros bairros não têm: hospital, AMA (Assistência Médico Ambulatorial), postos de saúde, escola técnica, parques”, lista Trindade.
Para o ex-motoboy Marcio Reis, 40, é preciso desmistificar a ideia de bairro-dormitório. “Se eu conhecesse Cidade Tiradentes hoje, teria outra visão. Está uma maravilha, tem bastante comércio, parque, escolas”, diz.
“No começo, aqui não tinha nada. Nem lazer, pouco comércio. Para chegar ao trabalho demorava muito. Daqui até o metrô Penha, gastávamos duas horas. Não tinham corredores, mas fui me acostumando”, emenda Reis, que assegura que o termo tem grande parcela de falta de informação por parte dos próprios moradores.
“Muitas pessoas daqui não conhecem o lugar onde vivem. Quando mostro o Parque da Consciência, por exemplo, a primeira coisa que dizem é ‘como eu não sabia desse lugar antes?’. Dizem que a violência aqui é grande, mas como, se também dizem que aqui é um bairro-dormitório, em que as pessoas só vêm para dormir?”, emenda.
Morador da Cidade Tiradentes há 24 anos, Reis relembra o dia exato em que avistou, pela primeira vez, aquele mar de prédios iguais.
“Lembro até hoje quando chegou a carta da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação). Era dois de outubro de 1993. Não queria vir porque era longe, mas a gente tinha que sair do aluguel. Começamos outra vida. Com o tempo, aprendi a gostar da Cidade Tiradentes”.
Trindade também destaca o antes e o depois de chegar ao seu endereço atual. “Quando eu morava em Ferraz já tinha estigma de morar na Tiradentes. Tinha matéria todo dia no Gil Gomes (repórter policial que apresentou o extinto Aqui e Agora, no SBT) falando de tiroteios. Agora mudou muito. Tiroteio só se vê quando tem passagem de ano, quando se solta fogos”, brinca.
Reis, no entanto, afirma que a falta de segurança é o principal problema da região, posto que, segundo ele, antes pertencia à ausência de investimentos públicos em saúde. “Claro, os problemas com segurança afetam toda a cidade, não é apenas aqui. Hoje temos hospitais, embora faltem médicos”, diz. De acordo com dados do Observatório Cidadão, 11 unidades básicas de saúde estão espalhadas pelo distrito.
POPULAÇÃO NEGRA
Segundo dados do Censo Demográfico de 2010 de IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estática), a maior parte da população negra paulistana está concentrada na periferia da cidade. Os extremos sul e leste ocupam as primeiras posições do ranking.
Parelheiros, na zona sul, lidera o porcentual, com 57,1% de negros. O M’Boi Mirim, também na sul, ocupa a segunda colação, 56% da população negra. Enquanto os distritos de Cidade Tiradentes e Guaianases, na zona leste, figuram a terceira e quarta posição da lista, com 55,4% e 54,6% respectivamente. Reflexo deste cenário, reportagem do 32xSP mostrou que mulheres negras têm dificuldades com exame pré-natal em Guaianases.
Ainda segundo o Observatório Cidadão, a expectativa de vida em 2015 na região não ultrapassou 53,85 anos — mais de 25 anos a menos que Pinheiros, na zona oeste –, ou seja, a mais baixa de toda a cidade.
Em relação ao número de vagas de emprego gerada, a região ocupa a pior posição dentre todas as prefeituras regionais da capital. Os números mais recentes mostram que em 2014 foram gerados 6.875 vagas. Enquanto isso, em Pinheiros foram geradas 658.728.
HISTÓRIA APAGADA
Após trabalhar por 10 anos como motoboy, Marcio Reis trocou a moto pela sala de aula. Desde 2014, ele dá aulas de história, agora no próprio bairro, que foi inclusive tema de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
“Quero mudar completamente essa história. Quando cheguei aqui, a única história que eu conhecia era apenas a história da Cohab. Descobri uma história fantástica, da Fazenda Santa Etelvina, em 1895, que pertencia a uma colônia italiana”, afirma o historiador.
Segundo sua pesquisa, naquela época já havia três indústrias, tinha energia elétrica, telefone e até uma linha particular de trem, que interligava o distrito a Guaianases, também na zona leste.
“Quero divulgar essa história para a gente ter uma origem. Nossa história está apagada. Quero comprovar que a Cidade Tiradentes tem, na verdade, 122 anos”, revela Reis, que planeja levar o tema para o mestrado. A partir da pesquisa na graduação, a história da Cidade Tiradentes na página da Prefeitura de São Paulo foi atualizada.
“Dou aula para crianças a partir dos 10 anos. Elas dizem que os amigos de outros bairros falam que elas moram no fim do mundo. Hoje digo para elas perguntarem se na região delas já existia energia elétrica no século 19. É um estímulo para criar identidade com o bairro”, diz o professor.
O estímulo à identidade e imagem do bairro também é um dos principais desafios para Trindade. “Ano passado, a escola na qual eu trabalho apareceu três vezes na mídia como lugar que existia tráfico, mas isso não é verdade. Existe tráfico sim, mas na rua, assim como em outros lugares. Porém, nossa região só aparece assim. Precisamos mudar isso”, almeja Trindade.
“Cidade Tiradentes tem uma juventude que é linda. Os meios de comunicação mostram que existem 50 ruas sem árvores, que não há áreas verdes, mas temos três parques”, finaliza o barbeiro.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para republique@agenciamural.org.br