Após abandonar a faculdade ao descobrir gravidez, a dançarina Carol Xavier ganha concurso e conquista uma bolsa integral de jornalismo
Joyce Melo/Agência Mural
Por: Joyce Melo
Notícia
Publicado em 28.05.2021 | 11:29 | Alterado em 23.11.2021 | 19:01
Luara Ayo tem apenas um ano de idade e estava na barriga quando sua mãe, a dançarina Carol Xavier, 22, moradora de Sussuarana, precisou trancar, ainda no terceiro semestre, a faculdade de jornalismo. Mas a gloriosa alegria (significado em origem latina e iorubá respectivamente de Luara Ayo) estava no colo quando Carol conquistou sua bolsa integral para retomar os estudos.
De acordo com a pesquisa do Projeto de Intervenção Gestantes Universitárias, realizada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), o abandono acadêmico é uma realidade comum com a chegada da maternidade.
Para Carol, a gravidez despertou o sentimento de incapacidade. “Foi como se fosse impossível construir aquilo [o sonho do diploma] de novo, porque o processo de entrar na universidade não é de um dia para o outro”, disse a dançarina.
Na época, Carol conta que trabalhava no telemarketing e se viu sem condições financeiras para continuar o curso. “Nem tive coragem de ir pessoalmente, cancelei minha matrícula pelo telefone e só chorava. Se houvesse alguma forma, eu não trancaria”, conta.
A reviravolta veio após o nascimento da sua filha, quando Carol foi premiada este ano no concurso “Raoni é 10”, que concede bolsas de jornalismo para mulheres das periferias de Salvador na UniFTC.
Vencedora com quase 60% dos votos na disputa, ela produziu uma reportagem sobre o concurso de beleza negra que acontece em Sussuarana, do qual ela já foi rainha em 2016. “Sem essa bolsa eu não teria perspectiva de me forma”, afirma.
Carol lista as adversidades que enfrentou ao tentar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no ano passado. “Fiz a inscrição, consegui a isenção, mas tive que desistir. É fácil o governo dizer para estudar de qualquer lugar, quando se tem local adequado, internet e computador. Aqui, tenho barulho de tiroteio, paredão, briga de vizinhos e o tempo da criança não espera. Sou mãe preta, solo e me sinto muito sozinha”.
A professora Taisa Ferreira explica que durante a pesquisa sobre gestantes universitárias entrou em contato com uma diversidade de mulheres estudantes e pontua que a evasão ocorre principalmente com mulheres que são mães pretas.
“Geralmente essa rede de apoio é mais limitada porque todo mundo da família está tentando dar conta da própria sobrevivência”. E exemplifica: “Vi casos de mães que esperam a filha crescer para tentar retornar a universidade e quem não evadiu, como é meu próprio caso, teve que diminuir o ritmo no curso para equilibrar maternidade e essa dinâmica de desenvolvimento da graduação”, explica Taisa, mãe de Zion.
O desemprego também foi obstáculo na trajetória de Carol, que foi demitida no fim da sua licença maternidade. Segundo o estudo “Mulheres perdem trabalho após terem filhos”, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), metade das mães que trabalham são demitidas até dois anos após o término da licença.
Com a chegada da pandemia, o auxílio emergencial se tornou a principal fonte de renda de Carol. Pra não ficar parada, a jovem, que é bailarina e rainha do bloco afro Malê Debalê, passou a dar aulas de dança afro e produzir conteúdo para internet; atividades que entraram na rotina dos cuidados com a filha.
Carol relaciona o trabalho como dançarina e professora de dança com sua futura profissão como comunicadora.
“O tempo todo estou me comunicando com pessoas através do meu corpo e fazendo com que essas pessoas se comuniquem através dos seus corpos”, diz.
O curso de jornalismo da universitária começará no segundo semestre de 2021 e ela conta que a fase exigirá novos esforços, como a concentração nas aulas on-line em casa e, depois, a necessidade de encontrar alguém para cuidar de Luara Ayo nos horários das aulas presenciais.
“É sempre preciso buscar e encontrar novos caminhos, o fim pode ser um novo começo, um renascimento e dessa forma o importante é manter a motivação e coragem”, conclui Carol.
OUTRA VENCEDORA
Assim como Carol Xavier, a universitária Samara Nascimento, 35, é outra moradora de Sussuarana que precisou adiar a trajetória acadêmica por conta da maternidade.
Mãe aos 16 anos, e com um segundo filho nove anos depois, Samara viu o sonho do diploma ficar mais distante ao ter que priorizar o trabalho para manter suas contas.
Sem casa própria e sem companheiro, Samara encontrou no curso pré-Enem popular, do quilombo educacional Bakhita, em seu bairro, a oportunidade para retomar os estudos e mudar sua história.
Após dez anos fora do ambiente de ensino formal, Samara conta que encontrou dificuldades para acompanhar uma turma pré-Enem com pessoas mais jovens, trabalhar e cuidar dos filhos.
“Persisti, é claro, e com 29 anos, pude, depois de um longo ano, provar do gosto único e maravilhoso que é passar em uma universidade pública”.
Samara passou no curso de geografia do IFBA (Instituto Federal da Bahia) e, após seis anos de estudos, defenderá seu trabalho de conclusão do curso no próximo mês.
LEI PARA AS MÃES
Para garantir a permanência na universidade das mulheres mães estudantes, em 1975 foi criada a Lei n° 6.202, que permite a gestante a partir do oitavo mês entrar no regime de exercícios domiciliares e permanecer em casa após três meses do nascimento do bebê. Podendo ocorrer variações a depender do caso e orientações médicas.
De acordo com a pesquisa do Projeto de Intervenção Gestantes Universitárias, do curso do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA, as mães universitárias enfrentam dificuldades de acesso ao regime de exercício domiciliar, como baixo rendimento, falta de apoio familiar, falta de apoio institucional, depressão, sobrecarga, entre outros.
VEJA TAMBÉM:
Estudante vence preconceitos e cria projeto de moda que atrai jovens no Nordeste de Amaralina
Estudante campeã de karatê golpeia adversidades e mostra a potência do Nordeste de Amaralina
“Essas dificuldades se tornam empecilhos para continuidade dos estudos, podendo acarretar também em trancamento e abandono da vida acadêmica. Mas também a diminuição extrema da carga horária o que protela demais a formatura”, afirmou o professor orientador do projeto, Felipe Fernandes.
O professor diz, portanto, que sendo uma Lei de 1975, todo docente e corpo institucional deveria saber que uma aluna ao atingir o oitavo mês precisa se ausentar por direito e o professor deve garantir a formação dela. Ele também avalia ser necessário uma ampla divulgação deste direito para estudantes.
Na UFBA, é possível ainda concorrer às vagas na creche. Contudo, devido ao número restrito, uma rede de mães se formou para revezar nos cuidados com as crianças entre uma aula e outra, mesmo sem um espaço familiar apropriado.
Jornalista, correspondente de Sussuarana em Salvador, BA, desde 2021. Taurina que ama um desapego e pagodeira. Conecta seus conhecimentos em comunicação à sua vocação ao empreendedorismo com propósito e inovação social.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para republique@agenciamural.org.br