Professora explica a importância do carnaval de bairro, e conta os esforços para mantê-lo em sua rotina
A passista Lia Moura, 26, é professora de educação infantil, mãe do Noah de 3 anos, uber e influencer nas horas vagas. Mas, apesar de todas essas obrigações, para a pedagoga, o carnaval sempre esteve presente.
A história de Lia com o carnaval começou quando ainda tinha 7 anos. “Eu participava de um projeto para crianças da comunidade, e a minha professora de música me apresentou a Terceiro Milênio, escola que hoje eu desfilo”, relembra.
“É onde eu me sinto bem e à vontade para ser quem sou”, declara. E hoje, ela representa o Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo, pela escola de samba Estrela do Terceiro Milênio – que atualmente está no grupo de acesso 1.
A pedagoga comenta que foi destaque na ala infantil e participou de concursos de samba quando, aos 18 anos, entrou na ala de passistas, onde está até hoje.
A relação com o samba e o carnaval foi levada para a sala de aula, onde ela ensina de maneira lúdica para crianças, de até 5 anos, a história do feriado e a importância. “Acho que não tem criança feliz sem uma música, sem uma dança, é onde eu acabo levando as crianças nessa alegria, nessa brincadeira, que são as coisas que eles gostam”, diz a professora.
Durante a insegurança sanitária da pandemia da Covid-19, que teve início em 2020, Lia descobriu que seria mãe.
“Eu me formei [na faculdade] em 2019, e logo no comecinho de 2020 descobri que estava grávida”, conta.
A professora afirma que se viu como mãe-solo quando Noah tinha apenas 4 meses. Por não receber apoio do genitor tanto nas atividades com o bebê, como em na carreira como passista, revela que teve desafios para conciliar as profissões.
“Eu não queria deixar o meu samba. Meu samba ninguém tira”, diz. Durante a pandemia, a jovem não desfilou e não frequentou os ensaios, tendo em vista as medidas de segurança necessárias para aquele período.
Apesar das dificuldades, Lia diz que ser mãe foi um sonho realizado e que ter uma rede de apoio, vinda dos seus pais e irmãs, a ajudou no retorno das atividades na escola Estrela do Terceiro Milênio, e do trabalho como professora de educação infantil.
“Hoje faço apresentações remuneradas aqui no bairro. No período de carnaval, normalmente, os barzinhos e algumas casinhas de show gostam de fazer aquele pré-carnaval”, explica a passista.
A professora revela que sofre julgamento seja pela roupa que veste ou pelo horário do ensaio, e diz que a mulher é sempre criticada, independentemente das escolhas profissionais.
“Eu não sou menos mãe por deixar o meu filho para ensaiar, muito pelo contrário, eu procuro sempre dividir o meu tempo para estar com ele. Às vezes, o homem está fora de casa fazendo coisas muito piores, mas ele não é questionado, é sempre a mãe que tem muitas coisas a ser mudadas”, diz Lia.
“Minha visão sempre foi que a gente não tem que deixar de ser quem a gente é por conta de ninguém, para agradar ninguém. Então, acho que pensar isso foi fundamental para eu ser a mulher que eu sou hoje”, afirma.
Para a passista, ter um carnaval no bairro é importante, entre muitos motivos, para unir e representar a comunidade.
“É importante ter o reconhecimento das pessoas do bairro. Ver o seu amigo, seu vizinho, uma pessoa que estudou com você, alguém conhecido que mora ali perto e frequenta o samba, traz cultura, porque essa é nossa cultura”, comenta.
Como pedagoga, Lia diz que ter um espaço de conexão e cultura é essencial para as crianças e adolescentes do bairro.
“Fica muito difícil a locomoção para quem mora nos extremos, é uma caminhada até chegar lá no centro”. Para a professora, “é uma forma de ser mais acessível para as pessoas das periferias, principalmente aqui da região do Grajaú, que é muito populosa”.
Hoje, Lia se relaciona com a também professora Jennifer Cerqueira, 28, e se vê apoiada pela parceira. “Ela sempre vai nos ensaios, me ajuda com meu pequeno”, relata.
Com o carnaval às portas, a passista leva o filho Noah para os ensaios e afirma: “não posso prever o futuro, mas acho que ele também vai para esse caminho [do samba]”.
A jovem tem presença marcada em dois desfiles: um no dia 11 de fevereiro pela Estrela do Terceiro Milênio, e outro no dia 12 pela Império Real. “A gente segue curtindo, aproveitando, que acho que o mais importante é ser feliz e fazer realmente o que gosta”, conclui.
Jornalista ProUnista formada pela PUC é correspondente do Grajaú desde 2023. Premiada pelo Instituto Vladimir Herzog na categoria Jovem Jornalista. É pesquisadora da cultura Rom/cigana, com um livro escrito a partir de relatos da comunidade.
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