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Como o narguilé entrou na onda dos jovens nas periferias de SP

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Por: Julia Reis | Karol Coelho

Notícia

Publicado em 05.02.2019 | 16:50 | Alterado em 16.08.2021 | 21:12

RESUMO

Última pesquisa sobre o tema, em 2013, mostrou que em 5 anos o número de usuários na faixa de 18 a 25 anos cresceu em 134%. Com o aumento de jovens usuários e tabacarias, há cuidados a serem tomados ao usar a substância

Tempo de leitura: 5 min(s)

Todo sábado, o mesmo rolê. Quando a estação do trem fecha, poucas pessoas estão na rua e os ônibus noturnos começam a parar nos pontos, grupos de amigos começam a se arrumar. Cada um coloca um “tênis de marca” antes de irem para o baile funk.

É na praça de Guaianases, na zona leste de São Paulo, que o paredão de som lidera uma multidão de gente que dança, se diverte, e socializa enquanto usa o narguilé, uma espécie de cachimbo com água perfumada e tabaco aromatizado.

Entre eles está Gabriel Krkic, 24. Morador da região, ele trabalha como vendedor de roupas e começou a usar a substância por influência dos amigos. “Experimentei, gostei e costumo fumar com um parceiro meu”, conta. Ele diz fumar no máximo duas vezes na semana e não misturar nada. Geralmente, os usuários costumam adicionar essências saborizadas.

O cachimbo de água, como também é chamado, surgiu na Índia, mas foi na China que começou a ser utilizado como é hoje. Aqui no Brasil, a cultura surgiu com a entrada de imigrantes árabes no fim do século 19, que popularizou a substância. No entanto, houve um avanço desse tipo de estabelecimento pelas periferias de São Paulo nos últimos anos.

Segundo a última Pesquisa Especial sobre Tabagismo, em 2013, 97% dos usuários estão na região Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. O estudo diz que são 212 mil usuários e campanhas foram feitas para conscientização sobre os riscos de usar a substância.

Além disso, a comparação da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), feita em 2013, com a PNT (Pesquisa Nacional de Tabagismo), em 2008, mostra que no Brasil a proporção de fumantes de narguilé na faixa dos 18 aos 24 anos cresceu  134% em 5 anos.

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Carvão é usado para queimar o fumo, para então ser resfriado pela água e virar fumaça (Wallace Leray/Agência Mural)

RITUAL E CONVERSAS

Papel alumínio, essência, um pouco de água e carvão quente. O ritual é assistido por todos em uma roda. Cada um espera ansiosamente sua vez. Aquele amigo que segura a mangueira por muito tempo já é cobrado: “casou com o narguilé, mano?”. A diversão e troca de ideia entre os jovens têm saído das tabacarias e também se tornado comum em ruas, bares ou em festas em casa.

Foi assim que Luiz Thomaz Gonçalves, 22, conheceu a onda. O jovem vive em Perus, na região noroeste de São Paulo, e diz que é muito comum o uso de narguilé durante o encontro de amigos. “Nunca teria experimentado se não tivesse amigos que fumassem”, relata Luiz, que é mecânico de ar condicionado.

“Um amigo trouxe. Experimentei e passei a fumar sempre nos encontros com a galera. Depois foi abrindo as tabacarias aqui em Perus e começamos a ir semanalmente”, conta Luiz, ex-usuário da mistura.

Em Guaianases, o sucesso da fumaça que começou a aparecer nos bailes é tanto, que nas últimas semanas duas lojas foram abertas nas ruas próximas. E, mesmo sem funk, elas não ficam vazias durante o dia.

A percepção do auxiliar administrativo Renan da Silva Lopes, 26, é de que no Jardim dos Ipês, bairro que mora na zona leste, cresceu muito o número de estabelecimentos do tipo. “O que mais vejo no lugar onde moro são tabacarias. E esses locais vivem lotados”, diz. “A partir do momento que você vê alguém fazendo alguma coisa, você vai fazer, você vai provar. Foi assim com o narguilé.”

A opção vem também pela falta de espaços de lazer na região que se restringem às tabacarias e alguns barzinhos. Cita também que se tornou uma oportunidade para quem vive no bairro. “Foi um modo que eles encontraram de trabalhar e ter um negócio”.

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Rami Abou Kheir, 30, era professor de história na Síria e hoje tem sua própria tabacaria no bairro da Vila Maria (Wallace Leray/Agência Mural)

AUMENTO DAS TABACARIAS

Rami Abou Kheir, 30, era professor de história na Síria. Quando veio para o Brasil, começou a trabalhar em uma tabacaria na zona norte de São Paulo. Depois, abriu a própria no bairro da Vila Maria. O imigrante conta que o narguilé no oriente é para outros propósitos, diferente do Brasil.

Ele diz que na Arábia e na Síria, principalmente, o público que fuma costuma ser mais velho. Segundo ele, depois de um dia de trabalho, os sírios voltam para casa e o usam como forma de relaxamento. “Aqui no Brasil, a coisa é diferente. O narguilé faz conhecer outras pessoas, ele junta”.

O sírio foi influenciado a abrir o comércio por ser uma coisa nova e diferente no Brasil. “Todo mundo gosta por fazer fumaça, ter vários sabores, diferente do cigarro”.

Por conta da maioria dos usuários serem jovens, em 2009 foi criada uma lei que proíbe a venda do cachimbo oriental para menores de 18 anos. Durante o mandato do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) começou a ser exigido a comprovação de maioridade dos usuários nas tabacarias.

Para não correr o risco de ter o bar fechado, Rami diz conferir o RG dos clientes para que eles tenham a permissão de usar os equipamentos. “Se você quer alugar narguilé, você vai fumar, mas deixa eu ver o RG”.

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No Brasil, a cultura do cachinbo se popularizou com a entrada de imigrantes árabes no fim do século 19 (Wallace Leray/Agência Mural)

RISCOS PARA A SAÚDE

O motivo da lei de maioridade faz sentido. Para Gustavo Prado, pneumologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, o narguilé acaba atraindo mais crianças e adolescentes. Por isso, a lei sancionada se faz necessária.

“A gente sabe que mais de 80% dos fumantes, começou a fumar antes dos 18 anos. Desses, mais da metade antes dos 15. Então a gente tem que entender o tabagismo como uma doença da faixa etária pediátrica, do jovem, do adolescente e da criança”.

Além disso, o narguilé é mais prejudicial do que o cigarro. Isso acontece porque além de o usuário ingerir mais fumaça, ela é mais tóxica. Além das partículas da essência, há também os resíduos da queima do carvão, que ao contrário do imaginário popular, não são filtrados pela água contida no recipiente.

“Tudo que a gente vê e tudo o que a gente sabe de prejuízos à saúde causados pelos cigarros, que é a forma mais comum de consumo do tabaco, a gente deve esperar também para o narguilé.  A única diferença é que menos gente fuma narguilé, pois é um hábito mais recente na nossa sociedade. Então ainda não temos essa evidência consolidada através de um estudo muito grande”, explica o médico.

O estudante Lucas Santana, 22, faz o uso do narguilé desde o ensino médio. O morador do Parque Tietê, zona norte de São Paulo, vê esse consumo como algo natural e reconhece que foi instigado pelo odor da essência e influência dos amigos, assim como relatou o pneumologista.

“Eu comecei a usar porque via a maioria dos meus amigos usando, colocando nas redes sociais e quis experimentar”, comenta Lucas. “Hoje isso é algo comum aqui no bairro, virou um hábito na roda de conversa entre amigos, a famosa ‘resenha’ que os jovens falam”, completa.

“O narguilé estimula o câncer e equivale a muitos cigarros”, reconhece o estudante, que compreende os efeitos prejudiciais que o uso do narguilé causa para saúde. “Tudo que é em excesso faz mal.”

Colaboração: Carolina Franca, Ira Romão, Karina Oliveira, Letícia Marques, Lucas Veloso, Renan Cavalcante, Rubens Rodrigues e Wallace Leray

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Julia Reis

Jornalista, sagitariana e correspondente de Taboão da Serra desde 2017. Trabalha também como repórter na VICE Brasil e ama música, dados e boas histórias pra contar.

Karol Coelho

É jornalista, cofundadora da Agência Mural e correspondente do Campo Limpo desde 2010. Colaborou com a criação da Escola Comunitária de Comunicação da Escola de Notícias, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Escreve poesias e tem um livro chamado "Estado Atmosférico", que produziu de maneira independente. Na Mural, também apresentou o Rolê Na Quebrada e o PodePá! e foi editora de projetos especiais.

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