Isabela Alves/Agência Mural
Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 18.01.2024 | 10:41 | Alterado em 18.01.2024 | 13:04
Esta é a primeira reportagem da série especial “Periferias e Justiça Climática: alternativas ambientais para os nossos”.
Tempo de leitura: 6 min(s)A estudante e ativista Karoline Freire Dias, 17, é uma das criadoras da Na Ilha – Agência Jovem de Notícias, uma agência de notícias para falar sobre a importância da preservação do território da Ilha do Bororé, península localizada no Grajaú, no extremo sul de São Paulo.O grupo trabalha sobre quatro frentes urgentes no território: o desmatamento, a falta de saneamento básico e energia, e a mobilidade urbana.
“A população não aguenta mais viver desassistida. O ônibus demora mais de 40 minutos para passar e nem todo mundo tem dinheiro para construir a própria fossa. Aqui também ocorre muito desmatamento por causa das invasões e já chegamos a ficar 15 dias sem luz”, relata.
O olhar dela para o ativismo começou na Escola Estadual Adrião Bernardes, única escola pública de ensino fundamental e médio na Ilha, enquanto participava do NAEA (Núcleo de Arte e Educação Ambiental do Bororé) em 2021, projeto orientado para a educação ambiental feito por uma equipe de arquitetos e geógrafos da USP (Universidade de São Paulo).
Depois da formação, a jovem passou a enxergar beleza dentro do território e lutar pela preservação ambiental. “O que temos aqui na Ilha [do Bororé] são potências e a gente tem que cuidar. Tomei gosto pela coisa”.
Ao total, 20 alunos participaram da formação, onde tiveram a oportunidade de fazer experimentações que combinavam o cuidado ambiental com o conhecimento sobre a região.
Entre os lugares que conheceram foi a Cogu Li, iniciativa de produtores independentes do cogumelo shimeji, o Parque Ilha do Bororé, e a Casa Ecoativa, espaço público de lazer, convívio, cultura e consciência ambiental, onde aprenderam a fazer tinta de terra e fizeram um minhocário.
Os passeios também se estenderam para localidades fora do distrito do Grajaú, como o Quilombo da Fazenda e a Aldeia Indígena do Rio Bonito, ambas em Ubatuba.
‘Vimos que era muito importante ocupar o lugar onde a gente mora, ocupar a periferia. Comecei a pensar no quanto queria trabalhar com isso’
Karoline Freire Dias, jovem do Grajaú
Ao especial “Periferia e Justiça Climática: alternativas ambientais para os nossos”, ela fala sobre a importância de lutar pelo meio ambiente dentro das periferias e como as mudanças climáticas afetam principalmente a população que vive nestes locais.
Karoline mora na Ilha do Bororé há 10 anos. Antes, a jovem vivia com a família no Parque América, próximo ao Terminal Grajaú.
Com a mudança, vieram novas perspectivas de vida: a ativista passou a viver em uma chácara, com mais contato com o verde, acesso a água por meio de um poço, e começou a fazer a plantação de árvores frutíferas.
Essas vivências não são comuns para pessoas que vivem nas periferias de uma grande cidade como São Paulo. No entanto, a Ilha do Bororé é uma APA (Área de Proteção Ambiental) e contempla importantes remanescentes florestais secundários pertencentes ao bioma mata atlântica. Para chegar ao território, é necessário fazer a travessia de balsa gratuitamente.
“Vi que aqui temos uma pauta muito importante, que é o desmatamento, mas inserido nas periferias junto com o racismo ambiental. Então comecei a pensar que precisamos criar projetos para combater isso, porque as periferias são as que mais sofrem com as mudanças climáticas”, observa.
De acordo com o relatório Mudança Climática: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (ONU) em 2022, as consequências mais graves das mudanças climáticas atingem principalmente a população urbana marginalizada, como os moradores das periferias que em sua maioria são pretos e pobres.
Na última década, em todo o mundo, habitantes dessas regiões morreram 15 vezes mais pelas secas, enchentes e tempestades do que aqueles que vivem em áreas seguras.
“Inundações e desmoronamentos de terras são problemas muito sérios e a gente sabe que essas populações não estão lá porque querem, mas por necessidade. A gente precisa mudar. Pensar nas soluções ambientais não é só um fardo meu ou da juventude, mas de todos, porque vivemos em coletividade”, aponta.
A ativista observa que, no caso da Ilha do Bororé, os moradores não pagam energia por viverem em área de manancial e as pessoas não têm acesso a saneamento, então os canos de esgoto acabam indo parar nas nascentes.
Outra questão recorrente entre os visitantes é a construção de uma ponte, ao invés da balsa. Nos fins de semana, a população chega a ficar 2 horas no trânsito para fazer a travessia, mas Karoline aponta que os moradores locais resistem a essa construção justamente em prol da preservação do meio ambiente. “O acesso seria mais fácil e teriam muitas outras moradias irregulares”, teme Karoline.
Para conscientizar os moradores locais, os conteúdos produzidos pela agência são via digital por meio das redes sociais e o meio impresso, com folhetins espalhados em quatro pontos-chaves da Ilha: o posto de saúde, a Casa Ecoativa, a creche e a escola Adrião.
Além das dicas de como construir fossas e minhocários, a informativa também fala sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas).
“A gente almeja que as pessoas descubram a potência que o nosso território é. O quanto ele é rico, principalmente na conservação ambiental, e que as pessoas conheçam a história”, conta Isabela Alves Aguiar, 15, estudante e também participa do projeto.
Ao chegar na Ilha do Bororé é possível ver nos muros um memorial a céu aberto com pinturas que contam a história dos primeiros moradores, curiosidades da Represa Billings e dos povos originários que habitavam a região antigamente.
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Ilha do Bororé, na zona sul de São Paulo @Isabela Alves/Agência Mural
Com isso, eles também buscam conscientizar sobre o conceito de patrimônio, que de modo geral, se refere a bens de grande valor para pessoas de uma comunidade.
No caso do território, a população reconhece como um patrimônio a ser preservado a Represa Billings que está ao entorno, a fruta do cambuci que é típica da região e a Igreja da Comunidade São Sebastião do Bororé e Cruzeiro, que existe desde 1904.
A estudante Ellen Aparecida, 16, que também trabalha na agência, relata que estar na linha de frente é passar a informação para as pessoas que estão dentro e de fora. “Existe muito preconceito com quem é do Grajaú com as pessoas que vivem aqui, mas aos poucos estamos conseguindo desmistificar isso”.
Um reconhecimento importante para a comunidade foi ter sido convidada a participar da 13ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2023, com a exposição “Ilha em mim”, que trouxe narrativas construídas coletivamente sobre o território e suas expressões.
Outra conquista foi que, no ano passado, a Agência foi contemplada no edital “Chama na Solução – Mudanças Climáticas” da UNICEF (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância) para continuar a mapear e denunciar os impactos socioambientais, produzir conteúdos informativos e promover formações abertas à comunidade sobre práticas de reciclagem e consciência ambiental.
A população negra compõe a maioria na sociedade brasileira (56%), de acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), proporção semelhante a vista no distrito do Grajaú. No entanto, essa população não está representada nos espaços de poder e essa situação de também se estende a representatividade de ativistas ambientais negros.
Sendo uma ativista jovem, negra e nascida na periferia, Karoline afirma ainda enxerga dificuldades de ocupar esse debate.
“São diversos os projetos ambientais que são criados por pessoas negras, mas acabam não indo para frente pela falta de investimento”, ressalta.
A ativista aponta como solução que grandes projetos apoiem os menores. A ativista se inspira também em outras vivências que são de periferia, como a Agência Solano Trindade e a Aldeia Guarani Kalipety na Barragem.
“Eles me mostram que é possível construir um novo mundo. Um mundo possível com as nossas vivências”, diz Karoline. A ativista também faz palestras em escolas no Grajaú para falar sobre sustentabilidade e anti racismo, além de guiar visitas com estudantes da região na Ilha.
Para conhecer o trabalho da Agência Na Ilha, acesse: https://www.instagram.com/nailha.agencia/
*A série “Periferias e Justiça Climática: alternativas ambientais para os nossos” foi produzida com apoio do ICFJ (International Center for Journalists).
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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