Indígenas lutam para preservar os costumes em Mogi das Cruzes: ‘um povo sem cultura é um povo sem alma’, afirma cacique
Por: Renan Omura
Notícia
Publicado em 26.08.2022 | 13:10 | Alterado em 02.09.2022 | 15:58
Em uma área rural no bairro Porteira Preta, periferia de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, 11 famílias da etnia tupi-guarani moram na aldeia M’Boiji. No local, há casas de bambu, plantações, uma escola, criação de animais e um espaço de reza.
O território tem aproximadamente 30 mil m² e abriga em torno de 30 moradores. Ali, os indígenas mantêm a tradição. Entoam cantos, ensinam o dialeto dos povos originários, praticam danças e rituais religiosos.
Apesar da comunidade estar bastante próxima da área urbana e a poucos metros da Avenida Japão, uma via bastante movimentada, a maior parte dos mogianos desconheciam a existência da aldeia.
Luis Wera JyekupeLima, 60, é cacique e morador da comunidade M’Boiji. Ele relata que a liderança e os integrantes da aldeia optaram em permanecer no anonimato durante 16 anos, pois isso fazia parte de uma estratégia de preservação da cultura e uma forma de garantir a segurança dos originários.
“Estamos aqui há muito tempo, mas preferimos nos manter afastados. Essa distância com os juruás (não indígenas em tupi-guarani), permitiu continuarmos vivendo os nossos costumes e tradições”, explica o cacique.
No entanto, em decorrência da pandemia, os moradores da aldeia decidiram encerrar o afastamento e solicitaram o auxílio da Secretaria de Saúde de Mogi das Cruzes. Luis conta que a gestão municipal ficou surpresa ao saber da existência da comunidade.
“Foi novidade para as autoridades. Eles também não sabiam que estávamos aqui há tanto tempo, pois a nossa tekuá (aldeia) nunca foi divulgada”, relata.
Em janeiro deste ano, durante o início da campanha de imunização infantil contra a Covid-19, os integrantes da aldeia M’Boiji passaram a ser conhecidos pelos moradores da cidade. Na ocasião, Mirindy, 6, foi o primeiro a ser vacinado, seguido de outras cinco crianças indígenas. O fato gerou repercussão e tornou a comunidade mais popular no Alto Tietê.
Porém, antes de realizar essa abertura, houve um longo processo de decisão entre os integrantes da aldeia. “Nós nos preparamos para essa abertura. Foi uma decisão organizada e discutida com todas as famílias”, explica.
Luis afirma que, apesar dos anciões terem concordado com a abertura da comunidade, muitos optaram em manter-se afastados, pois temem sofrer perseguições.
“Temos parentes que estão reclusos e nós respeitamos isso. Muitos anciões têm medo de passar pelas mesmas opressões que os nossos ancestrais sofreram”
Segundo Luis, a aldeia M’Boiji nasceu de povos indígenas que já viviam na região, originários da grande aldeia Takuasé, em uma área onde hoje está o município de Itaquaquecetuba.
“O meu povo viveu décadas em guerra contra os invasores e bandeirantes. Isso fez com que muitos buscassem abrigos em outras regiões com climas mais quente, como a Aldeia Rio Silveira, em Bertioga, porém alguns permaneceram no Alto Tietê”, afirma.
Os indígenas que moram na comunidade M’Boiji convivem diariamente com o contraste de duas realidades diferentes. Apesar de estarem inseridos na aldeia, eles também estão próximos das áreas urbanizadas.
“Nós temos algumas dificuldades. Nossos keringués (crianças) estão acostumados a usar poucas roupas. E eles se sentem um pouco intimidados com os juruás (não indígenas)”, conta o cacique.
A aldeia M’Boiji @Renan Omura/Agência Mural
Famílias da etnia tupi-guarani moram na aldeia M’Boiji @Renan Omura/Agência Mural
Indígenas mantêm tradição na aldeia @Renan Omura/Agência Mural
Cacique relembra que povos viveram em outros municípios do Alto Tietê @Renan Omura/Agência Mural
Luis explica que atualmente 42 famílias da etnia tupi-guarani moram em Mogi das Cruzes, porém, não há moradias o suficiente na aldeia M’Boiji para abrigar todos, por isso maior parte dos indígenas vivem inseridos no ambiente urbano ou em outras aldeias, as quais permanecem no anonimato.
“Estamos trabalhando para estruturar melhor a aldeia e trazer os outros parentes de volta. Não queremos que eles sofram influência da vivência urbana, se apegue somente aos bens materiais, vícios e desrespeito a natureza”, explica.
Na aldeia, há uma escola onde 11 keringués de até 6 anos estudam todos os dias. Lá, é ministrado aulas do dialeto guarani, língua portuguesa, canto, danças e todo conhecimento sobre a fauna e a flora.
O cacique relata que a educação é primordial para a sobrevivência da cultura indígena. “Os originários do século 21 devem estudar. Buscar conhecimento, aprender a usar a tecnologia a seu favor. Porém, ele também precisa entender de onde ele vem e o valor da nossa cultura”, afirma.
Atualmente as lideranças da aldeia M’Boiji têm participado de reuniões com a Secretaria de Educação do município. Os indígenas solicitam que o local faça parte da rede municipal de ensino. Dessa forma, a comunidade receberá o auxílio necessário para manter o funcionamento da escola.
“Um povo que não preserva a sua cultura é um povo sem alma. Temos que preparar os nossos guerreiros, para continuar essa luta. Por isso lutamos pela educação dos nossos keringués.”
Jornalista. É fotógrafo por hobby (as vezes por trabalho), é amante dos dias frios e nunca dispensa um café. Correspondente de Suzano desde 2019.
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