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Favela em Cena transforma peça teatral em livro e relembra periferias nos anos 1980

Produzida por atores que cresceram na zona norte de São Paulo, "Muro" aborda a vida na região por meio da memória dos moradores

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Divulgação

Por: Lucas Veloso

Notícia

Publicado em 20.01.2020 | 9:00 | Alterado em 20.01.2020 | 12:26

RESUMO

Produzida por atores que cresceram na zona norte de São Paulo, "Muro" aborda a vida na região por meio da memória dos moradores

Tempo de leitura: 3 min(s)

“No morro você é tudo o que é tipo de gente. Só que não existia pessoa mais gente boa que o Boa Gente. Ele chegava e a criançada pirava. Comprava bola, doce, jogava capoeira com eles, contava histórias. Boa Gente era estiloso. Vaidoso. Sempre andava perfumado. Coisa de primeira linha”.

Boa Gente é um dos personagens da peça “Muro” produção do grupo Favela em Cena e que se transformou em livro, lançado no mês passado.

A obra foi elaborada pelos atores André Santos, 40, morador do Jardim Fontalis, e William Gutierre, 35, da Brasilândia. Criados desde pequenos nas periferias de São Paulo, os dois tinham vontade de escrever algo sobre o que viveram nestas regiões da zona norte. 

Escrita em maio de 2016, “Muro” traz histórias de diferentes pessoas que moram nas periferias. Inicialmente, os personagens não têm relação, mas as histórias se cruzam ao decorrer da trama.

O texto é inspirado na vida nesses bairros no anos 1980 e 1990, mas traz diversas semelhanças com os tempos atuais, como as brincadeiras e festas nas ruas. 

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André Santos e William Gutierre criaram peça em 2016 @Divulgação

Em 2017, com o texto em mãos, eles fecharam uma temporada na Oficina Cultural Oswald de Andrade, após a realização de um financiamento coletivo na internet. Antes, o grupo Favela em Cena tentou editais, mas sem sucesso. 

“É muito difícil alguém dar oportunidade de uma temporada para um coletivo de favela em teatro. Por isso partimos para o ‘Plano B’, que foi o financiamento”, relembra Gutierre. 

Para complementar o orçamento, eles fizeram a venda de alguns produtos ao final dos espetáculos, como camisetas, bonés e canecas. 

No palco, o jogo cênico conta com a sonoplastia de um DJ e alguns efeitos de luz e sombra. O destaque são os elementos utilizados pelos atores em cena. Como o próprio nome da peça indica, ao fundo, um muro encontra-se fixado e, durante a encenação, os atores utilizam tintas, sprays e lambs para fixar figuras e mensagens nele.

Ao todo, são oito personagens. Todos inspirados em ‘tipos’ característicos das periferias para falar das festas, eventos e também os problemas enfrentados, como a falta de equipamentos públicos de cultura.

Um exemplo das histórias é Simone, ‘outro tipo’ da periferia. Caixa no Açougue Mão de Vaca, seu quinto emprego na vida, depois de trabalhar como manicure, panfleteira e auxiliar escolar. 

A ideia é mostrar as favelas e comunidades como elas realmente são: locais onde existem problemas, mas que também são o lar de uma grande diversidade de pessoas e famílias.

“Nós somos contadores de história. Somos dois atores que emprestam seu corpo e sua voz para trazer um discurso narrativo ou uma história”, define Gutierre.

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Dupla começou a escrever em 2016 @Divulgação

PERIFERIA NO PALCO

Para Santos, que também é correspondente da Agência Mural, o teatro e a literatura são os que mais estão antenados com a realidade das periferias. “Existe um movimento de produções periféricas que está tomando corpo e se apropriando das próprias narrativas. Existem grupos teatrais espalhados em vários pontos das periferias da cidade, como as ocupações culturais”, exemplifica.

Ele cita que na literatura o mesmo acontece. Os saraus e eventos literários nas bordas da cidade têm ampliado as possibilidades de publicações no mercado de livros. “Com a tomada desses espaços por grupos e escritores oriundos das quebradas as narrativas passam a ser menos estereotipadas, menos caricatas”. 

Gutierre diz que ainda existem poucas dramaturgias que abordam esse universo periférico. “Quase não se vê essa temática em cartaz nos grandes circuitos. E quando são feitas, muitas não tem o agente periférico como o protagonista em sua feitura e execução”, critica. “A desigualdade social é o problema central do nosso país, atrelado a isso as injustiças com as demais minorias”. 

O livro pode ser comprado diretamente com os atores do coletivo por meio da página do coletivo. A peça não tem programação para este ano ainda. 

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Lucas Veloso

Jornalista, cofundador e correspondente de Guaianases desde 2014.

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