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Agência de Jornalismo das periferias

Por Paulo Talarico | 01.04.2021

Reportagem: Ana Beatriz Felicio

Edição: Paulo Talarico e Tamiris Gomes

Publicado em 01.04.2021 | 13:25 | Alterado em 01.04.2021| 18:04

RESUMO

Foram três meses de espera. Enquanto a pandemia se agravava, o número de casos e mortes subia, o apoio financeiro para que a população mais pobre pudesse se proteger não veio. Na próxima semana, começa uma nova rodada do auxílio emergencial que é até 70% menor do que o pago em 2020. Especialistas avaliam os motivos para a demora e apontam falta de planejamento e vontade política para retomar o benefício.

Tempo de leitura: 6 min(s)
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Falta de planejamento e vontade política. Essas foram as respostas iniciais de três especialistas ouvidos pela Agência Mural para explicar os motivos básicos para o dinheiro de uma nova rodada do auxílio emergencial ainda não estar nas mãos daqueles que mais precisam.

Aprovado por meio de uma Medida Provisória publicada em 18 de março, o auxílio emergencial 2021  começará a ser pago na próxima terça-feira (6), com valores que chegam a ser 70% menores do que os desembolsados pelo governo federal no ano passado. 

Além disso, pelas novas regras, cerca de 22,6 milhões de pessoas ficarão sem receber o novo auxílio e não haverá como efetuar novos cadastros.

Em média, serão pagas quatro parcelas mensais de R$ 250 com exceções para aqueles que moram sozinhos (que receberão R$150) e para mulheres chefes de família (R$375).

No pior momento da pandemia no Brasil, além do número alarmante de mortes e casos de contaminação pela Covid-19, os impactos econômicos estão sendo sentidos principalmente pela população mais pobre

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Ação comunitária em Paraisópolis @Léu Britto/Agência Mural

Buscando explicar os principais impasses tanto na economia como na política que envolveram e ainda envolvem o auxílio emergencial, conversamos com a professora e pesquisadora Regiane Vieira Wochler, mestra em economia política pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com o professor da Universidade de Economia da USP (Universidade de São Paulo), Paulo Feldmann, e com Cleberson da Silva Pereira, economista pesquisador integrante do CEP (Centro de Estudos Periféricos).

PLANEJAMENTO E VONTADE POLÍTICA 

Para a economista Regiane, faltou planejamento e senso de urgência do governo federal, principalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade social, que precisaram escolher entre se expor ao risco de morte pela pandemia ou pela fome. 

O auxílio emergencial começou em abril e pagou, no máximo, cinco parcelas de R$ 600 e mais quatro de R$ 300, a depender do mês em que o beneficiário foi contemplado. Depois, foi interrompido.

A fome e a miséria estão afligindo as periferias. As famílias se viram de uma hora para outra sem essa ajuda, num momento em que o aumento de preços de alimentos dificultou ainda mais colocar comida nas mesas”, diz a pesquisadora. 

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Catador de material reciclável em Perus. Dependentes do trabalho informal tiveram reforço na renda com auxílio em 2020 @Ira Romão/Agência Mural

Resposta semelhante a de Cleberson Pereira, que acredita que o governo teria condições de se preparar melhor para que o auxílio não demorasse tanto a chegar.

“Será que eles [governo] imaginaram que depois do corpo a corpo das eleições, das festas de final de ano e do surgimento de novas cepas [do coronavírus] as coisas voltariam ao normal automaticamente?”, questiona. 

“Os políticos se preocuparam em comemorar as eleições municipais, promover as articulações para a eleição da Câmara dos Deputados e esqueceram do povo. Esqueceram que existem 14 milhões de pessoas sem emprego.”

Já para Paulo Feldmann, houve falta de vontade política em priorizar a população mais pobre. Além disso, o professor diz que o resultado de não ter investido na continuidade do auxílio foi um erro grave do governo, que terá impactos na economia do país, já que gerou uma queda no consumo. 

Ele destaca que ter pensado no auxílio como apenas um “gasto a mais” foi um raciocínio errado e houve outros gastos que poderiam ser evitados.

“O governo aprovou no orçamento do Brasil um aumento expressivo nos gastos do Ministério da Defesa. E para quê? Não estamos em guerra, a única guerra que a gente tem é com o vírus. Fora o aumento salarial que foi dado, justamente, para os militares.”

O TETO DE GASTOS 

Uma das grandes preocupações do Ministério da Economia em relação à volta do auxílio, era fazer isso de uma forma que não se passasse do chamado teto de gastos.

Esse teto é uma medida aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB), em dezembro de 2016, que cria uma espécie de limite máximo de despesas, para tentar fazer com que o país gaste menos e não se endivide mais. 

Os recursos financeiros da União vêm dos impostos que todo mundo paga, das receitas das empresas públicas e, algumas vezes, via emissão de títulos de dívida pública. Com o teto de gastos, houve a limitação do gasto do governo. Ele só pode investir o mesmo que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação do período.

“O argumento do governo está ligado à disciplina fiscal. E a disciplina fiscal tem um objetivo: garantir segurança e solvência (capacidade de honrar suas obrigações financeiras) para investidores e consequentemente apreciação do mercado financeiro brasileiro”, afirma Cleberson.

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Favela da Tribo, na zona norte de São Paulo. De acordo com uma pesquisa realizada em fevereiro de 2021 pelo DataFavela, Instituto Locomotiva e a CUFA (Central Única das Favelas) 58% dos moradores de favelas pediram e receberam o auxílio emergencial. Com o fim do benefício, 67% precisariam cortar despesas básicas. @Léu Britto/Agência Mural

No entanto, a lógica atende o mercado financeiro, os bancos, sem levar em conta o impacto na vida da população, aponta Feldman.  

“Na prática, representa o congelamento dos gastos e investimentos públicos por 20 anos”, diz Regiane.

“Temos que lembrar que o governo não é como uma família, a lógica de gastos é diferente. Num cenário de crise econômica e alta incerteza, os gastos do governo são de extrema importância para estimular a retomada da atividade econômica, geração de empregos e prover renda às famílias mais pobres”, acrescenta.

DE ONDE VEIO O DINHEIRO?

No ano passado, o valor gasto para pagar o auxílio emergencial foi de R$ 293,11 bilhões. De acordo com Regiane, para o dinheiro poder chegar nas pessoas, o  governo utilizou recursos que estavam depositados na Conta Única do Tesouro Nacional, que é um órgão que gerencia o fluxo de caixa do governo – a arrecadação dos impostos entre outras receitas.

Isso aconteceu porque o Congresso Nacional decretou estado de calamidade pública, o que permitiu que o governo gastasse esse dinheiro sem considerar as regras fiscais do teto de gastos, liberando créditos por meio de uma Medida Provisória.

Para a especialista, essa estratégia seria um caminho mais rápido para o novo auxílio, o que não aconteceu. O Governo preferiu buscar a aprovação da PEC 186, que trata de mudanças nas regras fiscais do Teto de Gastos e, dentre outras medidas, congela os salários dos servidores quando as despesas obrigatórias atingirem 95% das despesas totais. 

“Na prática, vemos um potencial desinvestimento ainda maior em educação e saúde e comprometimento da oferta desses serviços públicos no futuro próximo”, aponta Regiane. 

“Não faz sentido congelar salários de servidores públicos, dentre eles professores e profissionais do SUS (Sistema Único de Saúde), que, apesar do sucateamento da saúde e educação, estão se dedicando ao máximo durante a pandemia”, diz. 

Para ela, seria necessária uma reforma na taxação de impostos que possibilitasse uma melhor distribuição de renda.

VALOR INSUFICIENTE

Tanto para Regiane como para Cleberson, os valores do auxílio emergencial pagos no ano passado não foram suficientes para cobrir todo o custo de vida de uma família.

Em nível de comparação, de acordo com o Dieese (departamento intersindical de estatísticas e estudos socioeconômicos), o salário mínimo ideal, levando em consideração o preço da cesta básica de alimentos para uma família, deveria ser de R$5.495,52, quase cinco vezes o valor atual.

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Apesar disso, Regiane ressalta que estudos mostram que as famílias que estavam em pobreza extrema e foram beneficiadas pelo auxílio emergencial experimentaram na prática um aumento de renda, no período que se refletiu em uma redução momentânea da extrema pobreza.

De acordo com Feldmann, além de ser um apoio fundamental para atender as necessidades básicas dos mais pobres durante a pandemia, o auxílio também ajudou a melhorar a arrecadação de vários estados. Ao consumir, as pessoas acabam pagando impostos, movimentando a economia como um todo. 

“Com o dinheiro do auxílio emergencial, uma pessoa compra o leite, pão, remédio. Ele gera alguma entrada para o dono da padaria, para o dono da farmácia. E esse dono da padaria vai gerar mais consumo em outro lugar. É um efeito positivo para a economia toda.”

Regiane ressalta que os novos valores do auxílio de 2021 não serão suficientes sequer para garantir a segurança alimentar das famílias em vulnerabilidade social. E que há outros jeitos de pensar em soluções.

Taxar grandes fortunas, flexibilizar o teto de gastos e colocar o Estado Brasileiro como investidor, buscando a geração de empregos, foram soluções apontadas por Cleberson Pereira. Citou também o Renda Básica de Cidadania, projeto do ex-senador Eduardo Suplicy (PT).

“A ideia é fomentar iniciativas dentro dos bairros. Redes de empreendimentos econômicos da economia popular. Quem mais gera emprego no Brasil são as pequenas e médias empresas e este seria o foco dos investimentos na economia real.”

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Paulo Talarico

Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.

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