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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Daniel Santana

Edição: Paulo Talarico

Arte: Magno Borges

Publicado em 11.09.2024 | 9:01 | Alterado em 30.10.2024| 15:02

RESUMO

Eleitores com até 29 anos discutem a falta de mais vereadores pretos e pardos no legislativo municipal em um cenário que pode se repetir. Levantamento da Agência Mural mostra que há apenas 2% de candidaturas de jovens pretos e pardos entre os mais de mil postulantes a uma vaga na capital

Tempo de leitura: 7 min(s)
Esta reportagem foi produzida com apoio da Fundação Tide Setubal logo
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“Quando não me enxergo em determinado espaço, não me sinto pertencente e não quero nem chegar a acessar aquele lugar”, afirma Lino Bernardo, 21. Educador negro, morador do Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, ele convive diariamente com adolescentes nas aulas e sabe da importância de se pensar em política enquanto jovem.

“Muitos jovens que vejo, que são engajados, que tem a possibilidade de fazer a diferença sobre aquele espaço, às vezes não se sentem confortáveis de nem ao menos tentar”, ressalta.

Essa dificuldade será colocada à prova nas eleições deste ano em São Paulo. Na Câmara de Vereadores de São Paulo, dos 55 vereadores eleitos nas últimas eleições municipais, 11 se autodeclaram negros (20%), sendo apenas sete pretos e quatro pardos.

Essa tímida presença de parlamentares não reflete a proporção da população de São Paulo que é negra. Segundo o Censo de 2022 do IBGE, 4.980.399 habitantes da capital se autodeclaram pretos ou pardos, o equivalente a 43,5% dos paulistanos.

O cenário segue complicado para a disputa deste ano. Há 1.033 pessoas concorrendo aos cargos de vereador, prefeito e vice-prefeito. Destas apenas 57 tem até 30 anos, sendo 24 negras, aponta levantamento da Agência Mural.

‘Para a gente se enxergar pertencente a algum lugar, precisamos passar por muitas barreiras. Não dá pra não citar também que quando a gente fala do atual cenário, temos que citar a falta de representatividade’

Lino Bernardo, educador

Nesta reportagem da série Juventudes Periféricas e a Política, a Agência Mural mostra como a baixa representatividade afeta jovens negros das periferias e o que tem sido feito para tentar contornar essa situação.

Motivos da baixa

A poetisa e educadora Aline Anaya, 32, possui uma grande vivência em diversos movimentos na zona sul de São Paulo. Além do trabalho com as letras, ela experimentou na pele a realidade das juventudes das quebradas nos últimos anos.

Ela afirma que as violências sofridas pelo povo negro e o apagamento histórico são algumas das razões para essa baixa representatividade na Câmara. “São inúmeros os motivos”, afirma.

‘A gente sofre muitas violências cotidianamente, simbolicamente, fisicamente. Além disso, a gente não tem uma educação de qualidade. Falta representatividade e várias outras coisas

Aline Anaya, poetisa

A educação também foi citada por Lino, que vê na falta de acesso um dos obstáculos para que essas juventudes cheguem ao Palácio Anchieta, como é chamado o prédio onde fica a Câmara Municipal.

“Quando a gente cruza os dados de evasão ou de falta de acesso ao ensino superior de pretas esse número aumenta por N motivos. São situações que nos impedem de chegar a esses lugares”, aponta.

Quem são os jovens eleitores

Jovens de 16 a 24 anos, pretos e pardos, aptos a votar, estão concentrados nas periferias da cidade, ao menos no que é possível estimar.

Das dez ZEs (zonas eleitorais) com os maiores eleitorados negros desta faixa etária, todas se encontram em regiões periféricas: cinco na zona sul, região que conta com a maior parcela da população preta e parda de São Paulo, onde se localizam os três bairros mais negros da cidade: Jardim Ângela, Grajaú e Parelheiros.

Aline Anaya vê o apagamento histórico do povo negro e a falta de representatividade nas câmaras municipais @Daniel Santana/Agência Mural

A zonas eleitorais com o maior número de eleitores jovens e negros é a de Parelheiros, que abrange os bairros de Parelheiros, Marsilac e uma parte do Grajaú. Ao todo, essa zona eleitoral registra 4.993 eleitores de 16 a 24 anos, sendo 3.692 pardos e 1.301 pretos.

No entanto, mais de 762 mil eleitores com até 24 anos não informaram sua raça ou cor ao TSE ao tirar o título. Em nota a Agência Mural, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) informou que os dados de raça, cor ou etnia, como quilombola e indígena, passaram a constar no cadastro eleitoral a partir de 8 de novembro de 2022.

O processo de inclusão desses dados no cadastro eleitoral “dependerá, em regra, que as pessoas tenham a iniciativa de realizarem alguma operação eleitoral para a atualização”.

Invisibilidade da juventude negra

O “não se enxergar” no cenário político é um grande problema para as juventudes negras das periferias. “A maioria que está lá não vai enxergar essa parcela da população. Devemos pensar em como acessar esses lugares e quais são as políticas públicas que precisamos fazer”, pontua Lino.

A socióloga e pós-graduada em produção cultural Anabela Gonçalves, 43, destaca os dados das últimas eleições de 2022, quando houve uma presença significativa de jovens de até 24 anos nas urnas, mas ainda é um número “ínfimo” em relação àqueles que estão aptos a votar na capital.

Ela aponta falta de preocupação nas discussões políticas sobre a formação dos jovens como um ser político. “Não existe investimento de forma nenhuma na politização da juventude”, afirma.

Anabela Gonçalves, socióloga aponta falta de preocupação nas discussões políticas na formação dos jovens @Daniel Santana/Agência Mural

Apesar disso, ela vê uma juventude negra com bastante engajamento dentro das periferias, mas ainda distante do parlamento. “Quantos desses jovens candidatos são negros? Quantos são mulheres? Infelizmente, ele coloca a gente num quadro muito difícil.”

Mulheres negras

Dos onze vereadores autodeclarados negros eleitos em 2020, apenas cinco foram mulheres: Erika Hilton (PSOL), Luana Alves (PSOL), Elaine do Quilombo Periférico (PSOL), Sonaira Fernandes (Republicanos) e Juliana Cardoso (PT).

Vale destacar que Erika e Juliana se licenciaram dos cargos para concorrer nas eleições de 2022, nas quais ambas foram eleitas deputadas federais.

Das parlamentares negras que ainda estão na Câmara, apenas três apresentaram projetos ligados às periferias ao longo do mandato: Elaine Mineiro do Quilombo Periférico (PSOL), Jussara Basso (PSB) e Luana Alves (PSOL).

Thais Rosa, enfatiza a importância de mulheres negras na política @Daniel Santana/Agência Mural

Mesmo com uma presença ainda menor em relação às mulheres negras, o fato de as três estarem lá já representa um passo e uma inspiração para quem é atuante e debate questões políticas.

Este é o caso da educadora Thais Rosa, 28, moradora do Jardim Ibirapuera, na zona sul. Ela destaca a importância de se ter representatividade feminina e racial na Câmara, mas enfatiza que esse cenário deveria ser mais amplo.

“Temos a Eliane, que pensa o nosso território aqui, principalmente com esse recorte tanto racial, quanto de gênero. Mas ainda estamos muito atrás, pois a cidade tem um número alto de mulheres e adolescentes negras que precisam desses serviços e da política acontecendo”, ressalta.

Sobre a falta de mulheres, Aline ressalta o ponto trazido por Thais e cita as dificuldades em ter negras que pensem em pautas de diversidade e que façam o povo se ver dentro da Câmara.

“As mulheres negras conseguem pensar a partir da própria corporeidade em políticas públicas. Elas vivenciam uma série de negligências com suas famílias e você não tem representatividade”, completa Aline.

Nas dez zonas eleitorais com o maior número de jovens negros até 24 anos, a ZE de Piraporinha possui o maior número de eleitoras pretas e pardas, com 2.094 eleitoras na região que abrange o Jardim Ângela e o Jardim São Luís. Em nenhuma ZE o número de jovens negras é maior que o de homens, de acordo com os dados do TSE.

Sobre esse cenário, Thaís também abordou as diversas vulnerabilidades enfrentadas pelas jovens negras nas periferias, desde a falta de assistência pública até as “microviolências” que elas sofrem diariamente, como a falta de oportunidades de estudo e trabalho.

‘A gente não tem um projeto de vida assertivo para essas adolescentes negras, principalmente na questão da política e tomada de decisões neste espaço e direcionamento de políticas públicas’

Thaís Rosa, educadora

Educação e a cultura

Mas o que pode ser feito para mudar esse cenário? Todos os entrevistados destacaram a educação como um problema na formação política nas periferias, mas também como um possível caminho para um maior engajamento.

Anabela afirma que o atual modelo de ensino nas redes públicas não estimula os jovens a pensarem politicamente. “As escolas ainda trabalham de forma ultrapassada. A gente tem novos jovens, que têm outra perspectiva profissional, de vida, por que ele vai conseguir se olhar ou se enquadrar no modelo escolar de hoje? Não vai.”

Ela complementa que o voto nessa faixa etária, entre 16 e 24 anos, é uma forma de aprendizado e consolidação da vida política desse jovem negro.

Além disso, ressalta a importância de movimentos como os grêmios estudantis, que, segundo a socióloga, são um passo inicial para entender o processo político como um todo.

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Os espaços culturais também podem ser um caminho para levantar essas discussões, pois são espaços em que ocorrem trocas de conhecimento e circulam muitos jovens..

“Aqui temos que questionar: quem está nas decisões nos espaços de poder? Quais são os objetivos dessas pessoas? Elas têm letramento racial? Como mudar isso?”

Interesses dos jovens negros

De acordo com a pesquisa “Democracia” do Instituto Cidades Sustentáveis, de setembro de 2023, mesmo que ainda baixa, a “Vontade de Participar” da vida política da cidade é mais expressiva entre jovens de 16 a 24 anos (26%).

Lino reitera essa informação, destacando que ainda se fala muito pouco sobre política dentro das comunidades, mas acredita que há inúmeras possibilidades de mudança.

Segundo o educador, ter opiniões individuais sobre política é importante, mas também é essencial pensar de forma coletiva em um ambiente periférico.

Eleger candidatos que pensem na comunidade e que falem para essa parte da população deve ser uma maneira de engajar cada vez mais os jovens negros no processo eleitoral.

“Levo em consideração os candidatos que estão pautando coisas que são realmente hoje necessárias dentro do território que eu moro, como educação e cultura. Além de apresentar eles aos meus, mostro se eles estão falando pros pretos e periféricos. Coletivamente, a gente tem um poder enorme.”

Lino Bernardo, morador do Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo @Daniel Santana/Agência Mural

Pensando também na coletividade, Anabela destaca a força que havia antigamente nos saraus, slams, nas mensagens transmitidas pelos raps e em outros eventos nas comunidades para levar um pensamento político à periferia e à juventude negra.

Para ela, esses movimentos e as redes sociais são um trunfo para mostrar que a coletividade dos jovens na periferia é forte.

“A gente tem uma estatística muito alta que a maioria dos jovens hoje se conectam por meio de redes sociais. Em aplicativos, grupos de WhatsApp. Então, se reúnam para conversar. A reunião coletiva para discutir, para criar, para pensar, para estudar junto é uma força muito grande.”

“Quando o Racionais fala: ‘a maioria por aqui se parece comigo’. É isso, eu preciso de pessoas que se parecem comigo, preciso olhar no teu olho e te reconhecer em mim, mesmo com as nossas diferenças, mas dentro das nossas singularidades. Eu preciso me reconhecer em você e se reconhecer em mim”, completa Aline.

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Daniel Santana

Jornalista, apaixonado por livros, samba e carnaval. Corintiano, vivo o futebol de domingo a domingo. Adoro contar histórias através do jornalismo.

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