Por Jessica Bernardo | 12.02.2020
Reportagem: Lara Deus, Larissa Britos e Lucas Veloso. Infográficos: Magno Borges
Publicado em 12.02.2020 | 7:00 | Alterado em 24.11.2021| 11:16
Levantamento exclusivo da Agência Mural mostra as dificuldades das estações sem acessibilidade da CPTM. A reportagem contou os degraus de estações, onde pessoas com deficiência precisam atravessar trilhos ou serem carregados para embarcar
Tempo de leitura: 7 min(s)Entre a rua e os trens da CPTM, é comum encontrar degraus, muitos degraus. Para entender como eles mexem com a vida dos moradores da Grande São Paulo, a Agência Mural resolveu contá-los. Em média, os usuários enfrentam 25 degraus para conseguir embarcar no trem –somando as escadas de acesso aos bloqueios e as plataformas.
Repórteres da Mural pegaram o mapa e foram até todas as estações do sistema onde a escada fixa é a única opção de entrada e saída. De um total de 94 estações, 25 não possuem rampas, elevadores ou escadas rolantes. Nelas, cada um depende das próprias pernas ou do auxílio de funcionários.
A contagem somou quantas dobradas de joelho são necessárias para ir da rua até a plataforma, e incluiu no levantamento o lado com mais degraus.
A maior dificuldade foi encontrada na linha 7-rubi, que vai do Brás à Jundiaí, no interior paulista. De 18 paradas, há nove apenas com escadas, com uma média de 43 degraus por trajeto rua-trem.
A CPTM indica que 73% das estações possuem acessibilidade. Mas há casos que nem essas paradas resolvem o problema.
É o caso da pior situação encontrada pela Mural que é o da estação Água Branca, na zona oeste da capital. Segundo a CPTM, o local oferece acesso a cadeirantes. No entanto, um de seus lados de acesso -o mais usado- leva a uma rua sem saída. De lá, só é possível atravessar para a Vila Romana por um escadão de 88 degraus, que passa sobre a linha 8-diamante.
Além dos degraus, o escadão é um local de insegurança. “Temia sofrer um assalto quando voltava por ali à noite. As pessoas deixam de passar nele por conta da violência e isso faz com que deixem de pegar trem”, diz Amanda Nogueira, 25, administradora de empresas que estudou na Unip, universidade próxima à estação Água Branca.
Na estação Piqueri, há 71 degraus, que passam embaixo dos trilhos e alagam com frequência em dias de muita chuva.
Na linha 7, também são comuns as saídas com grades giratórias, que vetam a passagem de cadeirantes ou de carrinhos de bebê. Após vencer as escadas, é necessário o auxílio de um funcionário para abrir uma porta.
Na linha 8, também há degraus de sobra. O ramal percorre seis municípios da região oeste da Grande São Paulo. São 22 estações das quais 5 não contam com escadas rolantes, elevadores ou rampas nos acessos aos bloqueios e plataformas.
As estações mais problemáticas são a Imperatriz Leopoldina, em São Paulo, onde os usuários têm que enfrentar 84 degraus, e a General Miguel Costa, em Osasco, que reserva 80 para quem vem da avenida dos Autonomistas, principal via do município.
Ao contar os passos na Miguel Costa, a reportagem encontrou Ismael, 32, levando a filha recém-nascida pelas escadas, dentro de um carrinho, sem ajuda de funcionários. Ele enfrentava um trajeto de 44 degraus para descer a criança, depois de já ter enfrentado outros 36 da plataforma até os bloqueios que ficam na parte superior
“Eu tenho medo dela cair. Sempre preciso pedir ajuda de outros passageiros para descer ou subir com o carrinho. Reformaram o terminal de ônibus lá fora e colocaram um elevador e uma escada rolante, mas aqui não instalaram nada e a gente fica nessa situação”, reclama ele.
A situação comentada por Ismael é um exemplo curioso. Em 2017, no km 21 da avenida dos Autonomistas, limite entre Osasco e Carapicuíba, foi entregue um novo terminal de ônibus, administrado pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos). Ali, passageiros das duas cidades desembarcam para pegar os trens da CPTM, na estação General Miguel Costa.
“A pessoa com deficiência terá toda a acessibilidade, com quatro escadas rolantes, quatro elevadores e seis plataformas. Foram investidos R$ 29 milhões”, disse o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) durante a inauguração.
Ele só esqueceu de um detalhe. A acessibilidade termina na porta do terminal. Quem precisa pegar o trem, tem de sair, caminhar pela calçada e enfrentar 80 degraus para atravessar a catraca e depois descer para a plataforma.
Acessibilidade mesmo só na estação Quitaúna, um quilômetro depois, em um local onde o fluxo é bem menor, pois não há terminal de ônibus por perto.
Na estação Comandante Sampaio, depois de transitar por um trecho de aproximadamente 150 metros repleto de buracos e declives, os passageiros são obrigados a subir 35 degraus para acessar as catracas e, em seguida, depois de mais um trecho caminhando, descer outros 44 para embarcar nos trens.
Na Lapa, os passageiros que desejam embarcar no sentido Itapevi encontram 72 degraus. O único meio para chegar até lá é cruzar uma passarela, com longas escadas de cada lado.
Em Jandira, quem utiliza a estação Sagrado Coração convive com uma escada em forma de ‘caracol’ que possui 34 degraus e, em seguida, uma escadaria de ferro – com a conservação precária – de mais 44.
As estações das linhas 7 e 8 estão entre as mais antigas do sistema. Suas versões atuais foram erguidas nos anos 1970, época em que não havia preocupação com acessibilidade.
As escadas são cansativas para quem está em boas condições, mas um obstáculo real para pessoas com deficiência ou dificuldades para caminhar, como idosos.
“Como se não bastasse não ter sequer um elevador aqui, as escadas são enormes. Às vezes eu paro para descansar, mas o ruim é que quem vem atrás não tem essa paciência e acaba empurrando. O perigo é cair”, reclama a aposentada Ilza Rodrigues, 66, sobre a estação Comandante Sampaio, da linha 8.
Em seu site, a CPTM apresenta um mapa que divide as estações em três tipos: acessíveis (com estrutura completa para receber pessoas com deficiência, como elevadores), rotas adaptadas (rampas) e sem acessibilidade.
Segundo a contagem, as estações adaptadas são 48, concentradas nas linhas 9-esmeralda e 11-coral. Já as com rotas acessíveis são 18, predominantes nas linhas 7-rubi e 8-diamante.
Nas estações que tem apenas degraus, a CPTM informa um telefone, no qual a pessoa que precisa de ajuda deve ligar e esperar que um funcionário a auxilie. Geralmente, a travessia é feita pelos próprios trilhos.
O vendedor de móveis Cássio Andrada, 36, usa o serviço em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Ao chegar na estação que fica no centro da cidade, ele avisa a um funcionário onde vai descer. Ali, como em outras estações que não são acessíveis, existe uma espécie de ponte sobre os trilhos no fim da plataforma, onde é possível que pessoas com deficiência, como Cássio, atravessem a linha de trem sem enfrentar as escadas.
A preocupação do funcionário é olhar a movimentação dos trens para evitar um acidente enquanto o passageiro se desloca pela estrutura de madeira.
No ramal que liga o centro de São Paulo ao ABC, a média de degraus nas estações não acessíveis é de 13. Na estação Capuava, em Mauá, é preciso vencer 34 degraus de cada lado da estação para alcançar a plataforma.
Para permitir que um cadeirante cruze de uma plataforma à outra, funcionários utilizam um tablado de madeira que fica fixo nos trilhos para estas ocasiões. A parada é uma das “adaptadas”, pois possui rampas.
À reportagem, um segurança, que trabalha há mais de cinco anos no lugar, disse que a falta de acessibilidade é uma das coisas que prejudicam o trabalho dele e dos colegas. Ele contou que surgem problemas quando a rampa fica interditada ou quando não há funcionários em quantidade adequada para dar conta da demanda.
Também avaliou que falta um olhar atento da CPTM para melhorar o acesso nas estações. “Nós somos quem trabalha todos os dias por aqui e vemos isso. A empresa poderia nos ouvir, e ouvir os usuários, que diariamente também sofrem aqui, né?”, comentou.
Também em Mauá, a parada Guapituba, com 21 degraus nas entradas principais, é outro exemplo. Segundo moradores e comerciantes ouvidos, a estratégia para embarcar usuários com deficiência é carregando a cadeira de rodas com a ajuda de outras pessoas. Eles dizem que isso é bem comum.
Além dos degraus para entrar na plataforma, os usuários que precisam atravessar para pegar o trem no outro sentido precisam enfrentar mais 54 degraus por cima dos trilhos. No caso de quem tem deficiência, é necessário chamar a equipe da CPTM.
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A dificuldade no acesso às estações, além de apresentar perigo aos usuários, desrespeita a Lei Federal de Acessibilidade, de 2000, que determina que os espaços públicos sejam adaptados para receber pessoas com dificuldades de locomoção.
A CPTM firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Estadual em 2012, no qual reconheceu os problemas nas estações e se comprometeu a resolvê-los. Desde então, várias estações foram adaptadas, mas o problema ainda está distante da solução completa.
Procurada, a CPTM afirmou que tem 69 das 94 estações já adaptadas, e que “continua empenhada para concluir a modernização de toda a infraestrutura, assim como já fez com a frota de trens”.
A companhia informou que atualmente quatro estações estão recebendo obras de acessibilidade: Caieiras e Várzea Paulista, na linha 7-rubi, Guapituba, na 10-turquesa, e na estação da Luz, que atende as linhas 7-rubi e 11-coral.
Sobre a estação Água Branca, a companhia informou que a passarela por onde os moradores acessam a parada é responsabilidade da prefeitura e que “mesmo centenária”, a estação “é acessível a portadores de deficiência e pessoas com mobilidade reduzida”.
“É importante lembrar que sempre que necessário ou requisitado, os funcionários da CPTM estão habilitados e orientados a auxiliar as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida durante o deslocamento nas estações”, diz o texto.
A CPTM disse ainda que oferece deslocamento por meio de táxi acessível para cadeirante ou portadores de necessidades especiais e eventuais acompanhantes até a próxima estação com acessibilidade.
A estatal disse que pretende contar com a participação da iniciativa privada para acelerar a adaptação das estações. A concessão de linhas de trem está em estudo pelo governo estadual, que administra o sistema.
Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.
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