Por: Ira Romão | Mariana Lima | Matheus Oliveira | Paulo Talarico
Edição: Paulo Talarico
Arte: Magno Borges
Foto: Léu Britto e Matheus Oliveira
Publicado em 22.03.2023 | 16:11 | Alterado em 20.04.2023| 15:40
24 das administrações regionais investiram menos do que o previsto no ano passado. Cenário reforça enfraquecimento da área em meio à centralização das decisões na cidade
Tempo de leitura: 6 min(s)O orçamento da Subprefeitura de Vila Nova Cachoeirinha/Casa Verde, na zona norte de São Paulo, previa R$ 10 milhões para uma obras em áreas de riscos em 2022. Na zona leste, a Subprefeitura de Sapopemba tinha R$ 2 milhões destinados para obras de manutenção, zeladoria e intervenção no bairro, enquanto no Itaim Paulista, cerca de R$ 20 milhões seriam destinados à urbanização do bairro, como a contenção de córregos e pavimentação.
Em comum, essas três despesas em políticas públicas previstas para as subprefeituras no ano passado não tiveram nenhum centavo gasto em 2022 pelas administrações regionais. Esse tipo de situação foi frequente longo do último ano.
Levantamento da Agência Mural nos dados abertos da Prefeitura de São Paulo mostra que 24 subprefeituras gastaram menos do que foi prometido na LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2022. Isso significa que, apesar da promessa inicial, o dinheiro para a execução de serviços públicos não foi enviado – essa verba foi direcionada durante o ano para outras regiões ou outras áreas.
A discussão sobre a desigualdade no orçamento da capital tem sido comum, com a disparidade na distribuição entre as 32 subprefeituras. No entanto, a execução orçamentária – que é como o dinheiro é realmente gasto – mostra que a situação é ainda mais delicada.
Em Cidade Tiradentes, onde a subprefeitura tem o terceiro orçamento mais baixo da cidade, eram previstos R$ 33 milhões para ações da administração regional. Por lá só foram liquidados R$ 25 milhões (76% do total). Liquidado é o termo usado quando uma ação contratada é realizada, antes ainda do pagamento. Em Sapopemba, por exemplo, apenas R$ 6 a cada R$ 10 previstos foram liquidados até o fim do ano passado.
No Campo Limpo, onde o investimento é o menor na comparação com o número de habitantes, R$ 7 milhões deixaram de ser executados. Por outro lado, na região de Parelheiros, na zona sul, de R$ 88 milhões previstos, a subprefeitura recebeu R$ 120 mi, sendo a líder em recursos.
Moradores e lideranças comunitárias relataram à reportagem a falta de execução de serviços nessas regiões e dificuldades que se repetem em várias regiões da cidade, como a falta de ações contra enchentes que estavam previstas no orçamento.
Em nota enviada à Agência Mural, a Prefeitura não comentou sobre os casos dessa diferença e a dificuldade de execução das subprefeituras. A gestão diz que criou um índice de regionalização do orçamento previsto no Plano Plurianual, e que os investimentos por região não são feitos apenas pelas subprefeituras, mas pelas demais secretarias municipais como a de saúde e educação. [Veja abaixo]
A falta do cumprimento no orçamento da maioria das subprefeituras mostra as dificuldades que essa área enfrenta na cidade e como elas têm sido deixadas em segundo plano, transformando esses espaços em locais que servem para atender apenas aos interesses políticos.
“Tem subprefeituras que têm pessoal, equipamento e técnicos qualificados e tem subprefeitura que não, com um monte de quadros indicados politicamente, sem saber tecnicamente nada. Muito provavelmente essa subprefeitura vai ter percentual de execução menor do orçamento”, afirma Igor Pantoja,assessor de coordenação da Rede Nossa São Paulo, instituição que realiza estudos sobre a capital como o Mapa da Desigualdade.
Criada em 2002, na gestão da Marta Suplicy (PT), as subprefeituras já viveram várias fases na cidade, com a ideia de descentralizar a administração. No entanto, cada novo prefeito lidou de forma diferente com o setor.
Durante a gestão Gilberto Kassab (PSD), entre 2006 e 2012, os cargos de subprefeitos foram ocupados na maioria por ex-policiais militares. No governo do ex-prefeito João Doria (então no PSDB), houve a troca de nome para Prefeitura Regional em 2017, com a promessa de maior protagonismo. O nome voltou a ser subprefeitura, após decisão judicial.
Nos últimos anos, já sob Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB), essas administrações locais fazem apenas serviços básicos de zeladoria, apesar que mesmo essas áreas por vezes apresentem falhas, como indica a execução orçamentária de 2022.
A ideia de descentralizar a administração era uma forma de atender melhor a toda a cidade. Há regiões que possuem mais de 500 mil habitantes, do tamanho de municípios de médio e grande porte, e que poderiam ter melhora na qualidade das políticas públicas locais.
‘Quanto mais capacidade de planejamento e de intervenção as subprefeituras tiverem, mais elas vão conseguir progredir no sentido de que você consiga fazer com que as pessoas vivam mais naquele território, para o lazer, para a cultura, para o trabalho, para educação’
Igor Pantoja, assessor especial da Rede Nossa São Paulo
A lei 13.399, que cria as subprefeituras, estabelece dez atribuições para o órgão, como ser uma instância regional da administração, executar programas locais, criar mecanismos que democratizem a gestão pública e atuar como indutoras do desenvolvimento local.
Na prática, porém, as sedes das subprefeituras representam perto de 4% do orçamento, num total de R$ 3,5 bilhões. O grosso dos serviços é feito por outras secretarias. Além disso, a maior parte desse valor fica centralizado na Secretaria Municipal das Subprefeituras. Essa divisão dificulta também a participação da sociedade na definição do que deve ser gasto.
Rua em Sapopemba, na zona leste, região em que a subprefeitura menos executou o orçamento Matheus Oliveira/Agência Mural
Membro do Fórum de Cultura da Zona Sul, Fernando Ferrari exemplifica que as áreas de cultura e esporte localizadas dentro da subprefeitura não abrem espaço para discussão do que será feito com o dinheiro. “Não existe uma transparência do orçamento público participativo. Existe um orçamento público fechado e quem está dando as cartas são meia dúzia de pessoas”, afirma.
Ferrari avalia que o orçamento dos últimos anos teve alguns avanços, com o crescimento das verbas destinadas a algumas regiões periféricas, sobretudo na zona sul, como Parelheiros e Campo Limpo. No entanto, ele aponta que o grande problema ainda está na falta de participação dos moradores para a definição do que será feito na cidade.
‘Falta um trabalho amplo com audiência pública para que a população pense o orçamento com as subprefeituras’
Fernando Ferrari, membro do Fórum de Cultura da Zona Sul
Ele também cita o problema da falta de equipe das subprefeituras para executar o orçamento, dando como exemplo a Lei Paulo Gustavo, que destinará recursos para o município. “Como a subprefeitura vai gerir esse recurso. Ela precisa ter uma pessoa destinada para gerir o orçamento da cultura no território.”
O orçamento é elaborado pela Prefeitura com base em uma estimativa do que a gestão vai arrecadar durante o ano. A partir disso, ela define para onde esse dinheiro será destinado. O texto é enviado para a Câmara Municipal para ser votado no final do ano. Em 2022, por exemplo, os legisladores votaram um orçamento de R$ 96 bilhões para 2023. Apesar disso, subprefeituras de regiões populosas tiveram uma promessa de repasses menor.
Depois de aprovado, a execução é feita durante o ano e depende tanto da prefeitura arrecadar o que previu, quanto manter o que havia planejado como política pública. Parte do orçamento pode ser remanejada pelo prefeito, em especial, em caso de emergências.
No caso das subprefeituras, por exemplo, dos R$ 3,5 bilhões, R$ 3,4 bi foram liquidados segundo os dados da transparência, num índice de 95% de execução. A questão é que enquanto algumas subprefeituras tiveram recursos acima do que estava previsto, outras foram preteridas.
Entre os motivos, podem estar atrasos em ações, mas também a atuação política ao longo do ano de vereadores para garantir que áreas recebessem as quantias previstas. “Certamente faz diferença, se você tem uma estrutura que é politicamente loteada, e que o subprefeito está ligado a vereadores específicos”, ressalta Pantoja.
No ano passado, a LOA teve alterações até a hora da votação, com mudanças nas regiões que teriam mais recursos enviados. Em 14 subprefeituras, houve queda no valor previsto para despesas em relação ao ano de 2022. Uma delas é Sapopemba, que este ano tem a previsão de R$ 37 milhões, em vez de R$ 45 mi. Tudo isso ficou apenas no texto, já que Sapopemba gastou apenas R$ 26 milhões.
A Prefeitura de São Paulo afirma levar em conta as demandas de diferentes regiões da cidade para a elaboração do orçamento e que tem feito um esforço para a regionalização. “Um dos destaques neste sentido foi a regionalização obrigatória de parte dos recursos para investimentos e expansão de serviços da Prefeitura no Plano Plurianual (PPA) 2022-2025.”
O PPA orienta como serão elaboradas as leis que definem o orçamento. Segundo a gestão, há o objetivo de “que regiões que apresentam maior vulnerabilidade e elevado déficit de infraestrutura urbana sejam priorizadas de forma estruturada e sistemática no Orçamento municipal”.
A assessoria informou que foi feita uma iniciativa em parceria com a Fundação Tide Setubal para medir a vulnerabilidade de cada região e que, ao menos, R$ 5 bilhões serão destinados no período de 2022-2025 seguindo esses critérios.
Você pode acessar informações sobre sua região no Telegram, por meio do bot Orçamendômetro.
Texto alterado em 27 de março, às 13h51. A versão inicial deste texto disse que a Subprefeitura de Sapopemba tinha R$ 2,6 milhões destinados para a manutenção dos conselhos participativos que não foram gastos. Na verdade se tratava de recursos para “Melhorias de Bairro, Serviços de Zeladoria, Manutenção e Reforma de Espaços e Áreas Públicas, Serviços Urbanos e Saneamento na Região da Subprefeitura de Sapopemba” e outras obras de intervenção. Os conselhos tinham dotação de R$ 2.000 que não foram executados.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
Jornalista e roteirista. Coautora do livro-reportagem "A Voz Delas: a literatura periférica paulistana". Pode ser vista com frequência em bibliotecas públicas. Correspondente de Parelheiros desde 2021.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
Com base nos dados abertos da Prefeitura de São Paulo, baixamos as informações da execução orçamentária de 2022. A partir dessa planilha, filtramos os dados relacionadas a cada uma das subprefeiuras, o quanto foi orçado, o quanto foi gasto e em que áreas houve essa redução.
Com isso, conseguimos estabelecer quais regiões tiveram despesas abaixo do que estava previsto e as que superaram a estimativa.
Ouvimos especialistas, moradores, lideranças comunitárias e conselheiros participativos sobre a situação das regiões em que o cenário foi mais gritante e questionamos a prefeitura sobre a situação.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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