Filmes concorrem em premiação entre 200 autores que produziram obras de casa;
Arquivo Pessoal
Por: Patrícia Vilas Boas | Luana Nunes
Notícia
Publicado em 27.07.2020 | 18:38 | Alterado em 27.07.2020 | 23:21
Filmes concorrem em premiação com em lista de mais de 900 autores que produziram obras de casa;
Tempo de leitura: 3 min(s)A produtora audiovisual Heloísa Maria, 21, e a técnica de som Juliana Santana, 25, encontraram na arte uma maneira de retratar os sentimentos de solidão, angústia e incertezas, em meio à pandemia de Covid-19, com os filmes “Uma Fase” e “Alternativas felizes para quando o sol não vem”.
Ambas são moradoras da periferia da zona sul de São Paulo, Heloísa em Parelheiros e Juliana, na Vila Clara, e foram duas dos 200 selecionados pelo projeto Curta em Casa do Instituto Criar. Os produtores receberam apoio de R$ 3.000 para produção. Ao todo, mais de 900 se inscreveram.
Com uma câmera, um tripé, anel de luz, uma tela preta que o padrasto Clóvis Albuquerque, 44, comprou para ela e um enfeite de aniversário como rebatedor, Heloísa roteirizou, gravou, atuou, produziu e editou o próprio filme direto de casa.
Ela utilizou o estilo cinema experimental (mais abstrato, diferente de um filme comercial) para abordar a ansiedade e depressão em tempos de isolamento social. Heloísa conta que escolheu esse estilo para sair das produções tradicionais e poder retratar mais fielmente o que se passa no psicológico humano.
“Tudo o que tem no filme, os questionamentos ‘quando eu vou poder sair?’, ‘quando tudo isso vai melhorar?’, têm relação com o que a gente vive hoje.”
Clóvis, que também está em quarentena, diz ter se identificado com o filme da enteada. “O filme transpassa bem o que é essa agonia de viver numa pandemia dessa, como é a insegurança, a falta de perspectiva, falta de paciência. Isso acaba mexendo com todo o nosso psicológico.”
Heloísa conta que muitos colegas também se reconheceram no filme. “Até falei para as minhas amigas que a intenção não era gerar um gatilho”, afirma. “Tentei tocar outras pessoas.”
O título do curta-metragem “Uma Fase” é uma crítica para quem minimiza e considera passageiro os problemas de saúde mental, que se mostraram mais evidentes após as medidas de isolamento social. “Está tudo bem, não é? Isso tudo não passa de uma frescura, uma fase, logo vai passar”, diz trecho do curta.
QUANDO O SOL NÃO VEM
Seguindo na linha de emoções durante a quarentena, o curta de Juliana, “Alternativas felizes para quando o sol não vem”, retrata a vida de uma idosa viúva que, isolada dos familiares e morando sozinha, revive as memórias por meio das fotografias.
A mãe, Ivonete Alves Santana, 63, é a personagem principal e, por meio de diálogos e flashbacks, tenta se reconectar consigo mesma para não ser afetada pela solidão. “Muitas pessoas vieram me falar que assistindo ao filme lembraram da mãe, lembraram da avós”, conta Juliana.
Ela afirma que o objetivo foi fazer com que as pessoas se identificassem com a situação. “Acho que não é necessário [no filme] falar que ela é minha mãe”, conta. “Ela pode ser a mãe de todo mundo”.
Ivonete, que atua no curta pela primeira vez, aprovou o resultado final da sua atuação. “Para o primeiro filme, está bom”, diz. “Até falei para ela [Juliana] ‘nossa, quero fazer mais’, gostei”.
O título do curta é inspirado na quebrada em que a família vive. Juliana conta que em muitas casas da periferia, conseguir assistir ao pôr-do-sol sem interferências é complicado devido às construções altas.
“As casas são como prédios, a galera sempre quer construir para cima, até porque não tem muito espaço geográfico, né? Todo mundo tem que caber”. Mas, no caso dela, a janela de sua casa tem uma visão privilegiada do horizonte, que sempre foi motivo de contemplação pelo pai, já falecido, e a mãe.
“[Esse nome] ‘Alternativas felizes para quando o sol não vem’ é porque quando o sol vem, eu sei que a felicidade é certa.”
Ambas as produções foram para votação popular e agora concorrem à exibição no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, o Kinoforum.
Os lançamentos têm sido realizados em um período de relaxamento da quarentena e reabertura dos comércios no estado de São Paulo, que registra 21,6 mil óbitos e mais de 400 mil casos de coronavírus. Só na Grande São Paulo, são 14,5 mil.
Os distritos de Parelheiros e Jabaquara, região da zona sul de São Paulo onde moram Heloísa e Juliana, já contabilizam 383 óbitos. Segundo a edição mais recente do Mapa da Desigualdade, divulgado pela Rede Nossa São Paulo, as periferias têm sido as áreas com mais vítimas fatais pelo novo coronavírus.
A votação começou na última segunda-feira (20), e termina na quinta-feira (30), e bastar ir no YouTube. Os dez mais curtidos na plataforma serão premiados e a lista dos 200 concorrentes está no site do Instituto Criar.
Jornalista em formação. Curiosa, gosta de sol, praia e um bom livro nas horas vagas. Correspondente da Vila Curuçá desde 2019.
Moradora de um lugar tão tão distante, que carinhosamente chama de Paris. Colaborou na HQ “Minas da Várzea”. É apaixonada por música, futebol, fotografia, shows e viagens. Atualmente é repórter de tecnologia no Gizmodo Brasil. Correspondente de Parelheiros desde 2018.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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