Com acessos principais em bairros distintos de Salvador, o parque mostra condições e infraestruturas diferentes, segundo moradores do Nordeste de Amaralina
Bruna Rocha/Agência Mural
Por: Bruna Rocha
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Publicado em 12.11.2021 | 18:06 | Alterado em 23.11.2021 | 18:27
Apesar das diversas opções de lazer, uma agenda cultural variada e de ser um respiro para Salvador com suas inúmeras espécies da Mata Atlântica, o Parque Joventino da Silva, mais conhecido como Parque da Cidade, é observado com atenção por seus frequentadores que apontam problemas de infraestrutura e formas desiguais de preservação do território.
Inaugurado em 1975 e reformado em 2014, o parque está localizado entre os bairros de Itaigara e Santa Cruz, na região do Complexo do Nordeste da Amaralina. O geólogoClímaco Dias, 65, que estudou as relações de vizinhança e parentesco do Nordeste de Amaralina, exemplifica nuances distintas na estrutura do local.
“Apesar de ser o principal público do parque, a comunidade vizinha ainda sofre um processo de segregação que se intensificou com a reforma realizada em 2014. A entrada do Itaigara é completamente diferente da que temos em Santa Cruz. A localização do banheiro é mais distante, não tem bebedouros e lixeiras na região, a alternativa é migrar para parte mais estruturada”, pontua.
Entrada do parque pelo bairro de Santa Cruz tem portões danificados @Bruna Rocha/Agência Mural
Placa com nome do parque na entrada pelo bairro de Santa Cruz está quase apagada @Bruna Rocha/Agência Mural
As entradas do parque são diferentes. O acesso pelo bairro do Itaigara é apresentado por um painel com o nome do parque rodeado por flores, portões conservados, mosaicos na calçada e um estacionamento ao lado. Ali, o visitante já encontra um parquinho, bancos na praça e uma variedade de produtos oferecidos pelos vendedores locais cadastrados.
No acesso pelo bairro da Santa Cruz, duas das três partes do portão de ferro foram retiradas e ficaram apenas vigas de concreto. O letreiro que identificava o nome do parque está praticamente apagado pelo tempo. Não há estacionamento, bancos, bebedouros ou banheiros por perto dessa entrada.
Contudo, Dias destaca a importância do equipamento público para a comunidade. “O parque está muito próximo a esse aglomerado de bairros que é o Nordeste de Amaralina, o que nos leva a pensar numa apropriação cotidiana, diferentemente dos outros bairros, que normalmente visitam esse espaço aos finais de semana. Por isso, é natural vermos partidas de futebol, passagem para o trabalho e práticas esportivas mais intensas”.
Para a técnica de análises clínicas Tamires Santos, 25, que costuma levar seu filho para brincar no parque, é preciso mais atenção à infraestrutura do ambiente. “Sinto falta de uma manutenção mensal. Alguns brinquedos estão quebrados e tem baixa variedade de alimentos sendo vendidos. É interessante trazer meu filho para se divertir num meio natural, mas tem esses pontos que poderiam melhorar”, avalia Tamires.
Já a universitária Maria Cecília Cerqueira, 21, atravessa o parque diariamente para ir ao trabalho e diz que adora observar as plantas e sons dos pássaros. Contudo, ela reclama da situação próxima a entrada do Santa Cruz durante os períodos chuvosos. “Quando chove fica tudo alagado e não tem um local para passar chuva. Além disso, sinto que poderia aumentar o número de bancos na praça”, diz.
O exemplo da utilização do parque pela estudante como forma de condução ao trabalho é visto como ponto positivo da geolocalização do equipamento público pelo economista Edval Landulfo, 43. “Ao caminhar pelo parque indo para o trabalho, os moradores passam menos tempo nos ônibus e engarrafamentos, e evitam um estresse cotidiano. Ao invés disso, podem andar por uma área verde e escutar sons de pássaros”, diz.
E ressalta: “No fim, se tem um desgaste físico menor, melhores noites de sono e, claro, tem o fator econômico. Poder transitar nesse espaço gera uma economia de até R$ 8,80 por dia. Sem considerar ainda as famílias que têm esse espaço como fonte de renda”, conclui Landulfo.
Com a reforma em 2014 também vieram novas regras de utilização, como por exemplo, não é mais permitido colher folhas e frutos da área e os vendedores ambulantes precisam de licença da prefeitura para trabalhar no local.
A mudança não agradou o vendedor ambulante Raimundo Teixeira, 56.“Quando tentei conquistar uma barraca já era tarde. Todas já têm donos, mesmo assim consigo vender meus produtos fora delas”, diz.
Já o autônomo André Pereira, 48, filho de Santo do Ilê Asé Ibá de Óya, reclama que com as novas normas não é mais permitida algumas práticas religiosas no parque, sobretudo das religiões de matriz africanas, como a realização de oferendas, visitas a lagoa, retirada das folhas e areia para eventos.
“Costumava levar muitas oferendas para o parque, tirava folhas, insabas para as oferendas e, hoje, até pegar uma pedra é motivo de problema. Não podemos colocar presente na lagoa e nem na mata. Está muito difícil cultuar o nosso sagrado”, diz.
Morador do entorno do parque, ele conta que atualmente precisa se deslocar para realizar suas práticas religiosas. “Hoje preciso ir até a Paralela, localizada a 13,7 km de distância de casa, e nesse deslocamento já tem os olhares intolerantes e o próprio custo financeiro, ou seja, se eu não tiver transporte fico sem realizar minhas atividades, quando tenho uma área próxima a mim que poderia auxiliar nisso”, observa.
Em resposta às questões apuradas durante a reportagem, a Secis (Secretaria de Sustentabilidade e Resiliência), da Prefeitura de Salvador, que administra o parque, fez considerações sobre cada um dos pontos discutidos.
A respeito das reclamações sobre a preservação dos acessos, a pasta afirma que o primeiro passo dado quando se iniciaram as intervenções que requalificaram o Parque da Cidade foi focar no diálogo com o bairro Santa Cruz. Por isso, os muros que existiam no local foram substituídos por portões de acesso. “A estrutura de acesso ao parque pelo bairro da Pituba é maior e diferente pelo fato de ser por onde a maior parte da população, de outras localidades de Salvador, acessam o equipamento”, explica.
Sobre a proibição da retirada de folhas e frutos, o órgão diz que “não existe proibição, e sim uma recomendação/orientação, uma vez que a maneira com que os frutos são retirados das árvores, através do arremesso de paus e pedras, geram alto risco de incidentes para quem passa pelo local”.A Secis diz ainda que o Parque da Cidade é um Área de Proteção Ambiental, por isso não é permitida a retirada de nenhuma espécie arbórea do local sem a devida autorização.
A respeito das queixas sobre a distância dos bebedouros e da manutenção do parque, a secretaria diz que por questões referentes a protocolos sanitários não há bebedouros no Parque da Cidade e que a manutenção dos equipamentos/brinquedos de todos os parques municipais são realizadas pela Secretaria de Manutenção da Cidade periodicamente ou na medida que surja alguma urgência.
“O Parque da Cidade é um parque natural, o que é considerado algo positivo e valioso do ponto de vista ambiental e cultural. Considerando isso, quanto menos intervenção urbana houver no local melhor, o que proporciona ao visitante um contato mais original com o ambiente. Por isso, é evitado intervenções estruturais no espaço”, finaliza a Secis.
Estudante de jornalismo, correspondente da Barra/Pituba em Salvador, BA, desde 2021. Gosta de ler, resenhar, e sempre estar informada, pois acredita que através da comunicação de qualidade e ética pode quebrar barreiras.
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