Por: Caroline Pasternack | Gabriela Costa
Notícia
Publicado em 21.02.2019 | 9:24 | Alterado em 22.11.2021 | 16:11
“Deus está me falando que é pra gente dormir na igreja hoje”, disse o autônomo Renato de Araújo Silva, 44, à sua esposa, a dona de casa Risalda de Araújo Silva, 38, na noite de 17 de janeiro.
A casa onde moravam, no Córrego Diniz, no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, desabou na madrugada do dia 18m. Um mês depois, os dois seguem morando em cômodos do templo. No total, cinco residências desabaram e outras três precisaram ser demolidas.
Na manhã anterior ao ocorrido, uma vizinha procurou Risalda para lhe contar que precisaria se mudar, pois estava com a casa interditada. “Fui até lá e vi várias rachaduras na sala e perto da porta de entrada. Em algumas delas dava para colocar o punho inteiro dentro da abertura”.
Ao contrário dessa e de outras vizinhas, Risalda conta que a casa não havia sido interditada, tão pouco vistoriada.
Em nota, a prefeitura diz que a residência foi interditada após vistoria da Defesa Civil. “A Prefeitura lamenta o incidente ocorrido dia 18 de janeiro, e informa que o trabalho da Defesa Civil, que já havia interditado as cinco casas que caíram naquela sexta-feira (18) e retirou famílias que permaneciam nos imóveis, permitiu que não houvesse vítimas.”
Naquele dia, Risalda seguiu com a rotina. Ajudou o marido nas vendas de doces em um pequeno quiosque que mantém na região; participou de atividades na igreja evangélica que o casal administra, também no Campo Limpo – o marido é o pastor. À noite, compareceu ao culto realizado toda quinta-feira.
No caminho de volta, Renato compartilhou o mau pressentimento. Decidiram passar a noite no templo. Na manhã seguinte, por volta das 7h, o casal retornava ao lar quando percebeu uma movimentação atípica logo na entrada da rua.
O local estava interditado e os moradores todos na calçada, assustados. “Eles me abraçavam, pensavam que a gente estava lá dentro. Disseram que não dava para pegar nada na casa. Eu tinha perdido tudo, fiquei apenas com a roupa do corpo”, lembra Risalda.
MANUTENÇÃO
Quem também perdeu a moradia foi Marcela Ribeiro Pereira, 38. Desde dezembro ela vê problemas nas estruturas e aponta que a situação começou após obras da prefeitura de limpeza do espaço. Os moradores culpam a ação como o motivo que levou aos desabamentos e cobra uma nova moradia. A gestão afirma que tem autorização judicial para realizar as intervenções.
Em 13 de janeiro, ela precisou acionar a Defesa Civil. “Quando acordei, minha porta tinha caído e o teto estava cedendo”. Os agentes a aconselharam a deixar a residência, que na manhã seguinte foi interditada. Marcela ainda teve tempo de recolher alguns pertences.
Os desabamentos do dia 18 não derrubaram a casa por inteiro, mas a deixou inabitável. O imóvel foi demolido.
Na manhã seguinte, equipes técnicas trabalharam na desobstrução do córrego e na vistoria de outras casas. Em seguida, a área voltou a ser interditada.
UM MÊS DEPOIS
Risalda e o marido estão morando na igreja. Atrás do púlpito, há dois cômodos pequenos que servem de apoio às atividades do salão principal. O menor é uma cozinha e o outro, originalmente ocupado por crianças durante os cultos, foi adaptado em um quarto.
Num canto rente à parede fica o colchão, doado por membros da igreja. Ao lado, uma arara com poucas peças de roupas.
Abatida, Risalda reflete sobre a brusca mudança que a vida sofreu. “A minha casa tinha dois andares, três quartos, churrasqueira. O propósito desse lugar [o templo] não é a moradia, mas o que posso fazer?”.
A situação de Marcela também não avançou. Desempregada, a única opção foi se mudar para a casa da irmã com o filho, de 18 anos. Todos que perderam as casas têm direito ao auxílio aluguel, no valor de R$ 400. O benefício, contudo, ainda não foi liberado pela prefeitura.
“Com esse dinheiro, eu mal pagava minhas contas básicas, que dirá um aluguel nessa região”, avalia Marcela. “E não é isso que nós queremos. A gente quer uma casa.”
A Defesa Civil afirma ter distribuído, por intermédio do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), 114 cestas básicas e kits higiênicos e 400 colchões e cobertores. “Eles deram uma micro-cesta básica por família e um micro kit-higiene”, comenta Marcela. “O cobertor era péssimo, daqueles capazes de machucar a pele. Não tive nem coragem de doar a moradores de rua”, lembra Risalda.
A Defesa Civil comunicou também que foi oferecido acolhimento no abrigo da Prefeitura, em Santo Amaro, a aproximadamente 9 km de distância. Segundo o órgão, ninguém aceitou a oferta. As duas moradoras contam que essa possibilidade não lhes foi dada. Risalda só ficou sabendo dias depois, por meio de uma vizinha, mas para ela não fez diferença. “Não iria para lá de jeito nenhum, aquilo não é lugar pra gente ficar, eu quero a minha casa”.
Gabriela Costa e Caroline Pasternack são correspondentes do Campo Limpo
Jornalista, correspondente do Campo Limpo desde 2017. Ama cinema, livros, é fã do Stanley Kubrick e troca bares para assistir Netflix.
Jornalista, correspondente do Campo Limpo desde 2018. Ama música, livros, doces e tudo que deixa a vida mais leve.
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