Carlos Pires / Agência Mural
Por: Egberto Santana
Notícia
Publicado em 17.05.2024 | 17:04 | Alterado em 20.05.2024 | 11:19
Perto de completar 20 anos, a Virada Cultural prevista para este fim de semana, nos dias 18 e 19 de maio, será bem diferente do começo em 2005. Criada quase como um festival focado na região central, o evento promete levar mais de 600 atrações para cerca de 12 arenas espalhadas pela cidade. Apesar de o evento estar mais próximos das periferias, as mudanças têm dividido moradores.
Alguns lamentam o fim da possibilidade de ver vários shows diferentes em uma mesma região e a ocupação da região central, enquanto outros veem como positiva a proximidade de espetáculos em bairros periféricos.
A Agência Mural conversou com quatro pessoas de diferentes regiões para entender o que pensam sobre, porque frequentam ou deixaram de frequentar a Virada Cultural.
Cria de Artur Alvim, na zona leste, Lívia Lima acompanha a Virada Cultural desde a primeira edição. Para a jornalista de 37 anos e hoje moradora do Tatuapé, o evento era a oportunidade de acessar grandes shows de forma gratuita que, com o pagamento dos ingressos, ela talvez não conseguisse ir.
“Vivi muitos momentos felizes com meus amigos em diversas edições e o que mais me agradava era a ideia de circular pelo centro da cidade, ir em diferentes palcos, acompanhando a programação ao longo da madrugada”, relembra Livia que é co-fundadora do Nós, Mulheres da Periferia e já foi correspondente da Agência Mural.
Criada em 2005, a Virada tinha como um dos objetivos movimentar o centro da cidade com atrações culturais gratuitas. Pessoas de todas as idades e regiões circulavam pela região que se tornava, durante 24 horas, um polo cultural concentrado em palcos próximos.
No entanto, um primeiro indício de transformação foi em 2017. A gestão João Doria (então no PSDB) descentralizava o evento, mas concentrando parte da programação em espaços como o Anhembi e o Jóquei Club, ainda mais distantes das periferias.
Na época, Lívia escreveu um texto para o site Labcidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, projeto de extensão da Universidade de São Paulo), intitulado “Por que a Virada Cultural no centro de SP favorece a população periférica”.
No texto, ela defendia a importância da visitação dos moradores das periferias paulistanas aos espaços públicos da Virada.
Devido ao ritmo de vida impelido pelo trabalho, as quebradas não conseguiam ter o tempo, a energia e os mesmos acessos financeiros que outros moradores de São Paulo, durante a semana. A abertura gratuita dos espaços públicos do centro durante um fim de semana se tornava um facilitador para o lazer cultural de quem mais circulava pelo espaço nos outros dias.
“Quando discutimos os locais onde a programação das 24 horas do evento deve ou não acontecer, também estamos pré-definindo quais são as relações que os sujeitos vão estabelecer com a cidade”, escreveu ela, na época.
“E nós, moradores dos bairros mais afastados, temos poucas oportunidades, devido às diversas condições e contextos, de fruição cultural no centro de São Paulo.”
O direito à cidade alinhado ao movimento e a origem da Virada é um dos pontos centrais na discussão trazida por Lívia.
Essa noção de circulação livre pela cidade pode ser encontrada nas experiências de Felipe Teixeira Aragão, 27, designer de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Ele começou a ir ao evento aos 15 anos, em 2012, e viu na Virada a oportunidade perfeita para virar à noite e ainda ver os artistas que ele mais gostava.
Um deles foi o rapper nova- iorquino Mos Def, um dos mais importantes da história do gênero. “Foi meu primeiro show de grande porte. Na época parecia um festival, tinha muita atração próxima uma da outra”, relembra.
Essa sensação de estar em um festival era proporcionada pelos palcos próximos uns dos outros, como no Anhangabaú e na avenida São João.
Ele também relembra o projeto “SP na rua”, evento organizado pela prefeitura que reunia diversos coletivos da cidade no centro antigo para uma noite de intervenções artísticas e diversas ações culturais. A última edição foi em 2019. “Teve anos em que tínhamos ‘2 viradas’. O centro ocupado e cheio era muito bonito para um jovem que estava começando a conhecer a vida.”
Felipe não pretende ir no evento deste ano e ressalta que toda essa sensação de festival já não existe por conta da segmentação e descentralização do evento. Ele também reitera os casos de violência que acontecem no centro, contribuindo ainda mais para dificultar o rolê.
“Acho legal pra poder levar os shows para outros lugares, principalmente as periferias, mas limita a possibilidade de ir aos shows, uma vez que muitos que você consegue ir são no mesmo dia, muito distantes e no mesmo horário”.
Se naquela época havia o desejo de desbravar os espaços pela madrugada, hoje esse sentimento foi trocado pelo medo que muitos frequentadores da Virada possuem.
Érica Cristina da Silva, 37, de Guaianases, na zona leste, também designer, fazia jus ao nome do evento e virava a noite junto dos amigos. Por ter amigos espalhados por São Paulo, combinavam de se encontrar no centro e curtir as atrações juntos. “Era literalmente um grande evento, com 1 mês de antecedência”.
Esse ano, a divulgação nas redes sociais ocorreu pouco mais de uma semana de antecedência, com as atrações sendo anunciadas aos poucos e espalhadas pelos diferentes canais digitais da Virada. No canal oficial do Instagram as publicações começaram no dia 10 de maio, na Secretaria de Cultura, no dia 8, e na Prefeitura de São Paulo, no dia 11.
Tal estratégia impossibilitava uma ação recorrente de Érika. “Nós até fazíamos planilha com os shows que queríamos ver para traçar rota do início ao fim do evento”.
Nos últimos anos, ela tem deixado a madrugada para procurar os locais mais próximos de onde mora. “Evitei virar a noite devido aos riscos maiores e procurei atrações em palcos descentralizados. Continuo quando isso é possível e, neste ano por exemplo, talvez não seja.”
Os riscos são comprovados em relatos de anos anteriores, como o de 2022, com pessoas esfaqueadas, e, em 2023, com diversos relatos de furtos. Todos na região central.
Essa sensação de insegurança no centro foi comentada por todos os entrevistados pela Agência Mural, e aponta para outra característica das mudanças na Virada Cultural: os eventos nas periferias têm tido mais tranquilidade.
‘Em um dos últimos shows que fui da Virada, o encerramento era próximo de onde moro e o clima era totalmente diferente, além do benefício de não se preocupar tanto com locomoção aglomerada. Me sinto mais segura estando mais afastada de lá’
Érika Cristina, moradora do Guaianases
Para Matheus Maurício da Silva, 25, morador do bairro Jardim Almeida, localizado em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, a imagem negativa da Virada apareceu já em 2013, quando um colega de sala foi furtado. Porém, isso não o impediu de prestigiar, no ano seguinte, e nos próximos, os artistas preferidos gratuitamente.
Sem ir para o evento entre os anos de 2017 e 2022, o estudante de filosofia pela Unifesp está animado para ir no palco próximo de casa, onde os artistas Veigh, Mc Kevin o Chris, Banda Mel, Raça Negra e Planta e Raiz irão fazer as apresentações.
Em relação a descentralização, ele avalia de forma positiva, ressaltando o fortalecimento da economia local, o deslocamento e os gastos com passagem e alimentação.
“Hoje se alguém que mora no centro tem o desejo de assistir uma atração que esteja num palco descentralizado, apenas enfrentará o que os jovens das periferias já enfrentam há muitos anos, a grande diferença é que eles farão isso de maneira eventual, nós fazemos todos os dias”, comenta Matheus.
Nem só de rolê e música vivem os periféricos que colam na Virada Cultural. O fotojornalista e produtor audiovisual de Guaianases, Carlos Pires, foi chamado pelo evento em 2022 para expor trabalhos no Anhangabaú na Eban – Galeria de Arte Digital, uma ação cultural que exibiu diferentes obras visuais produzidas nas periferias de São Paulo.
O artista apresentou o projeto “Resgate”, sobre a história do time de Várzea do bairro São Pedro, território de Carlos, projetado no Anhangabaú. “Foi uma experiência bem única, levar um pouco do nome da nossa quebrada para o centro.” Hoje a obra se encontra projetada no Museu das Favelas, no espaço Visões Periféricas.
No dia seguinte, Carlos foi prestigiar o show do rapper Djonga, na Praça Brasil, em Itaquera, e aproveitou para registrar algumas fotos do show. Com lotação da casa, algumas pessoas passaram mal e chegaram a ser atendidas pelo corpo do bombeiros, mas nenhum relato sobre questão de furto ou violência.
“Às vezes as pessoas marginalizam muito as periferias e esquecem que nem tudo acontece por aqui [em relação aos casos de violência].”
Carlos também argumenta que o aumento dos casos de violências no centro colaboram para uma visão estigmatizada do evento , como a que ele tinha antigamente. “Quem era da periferia achava que era um campo de guerra.”
Para o artista audiovisual e também muralista, a decisão da descentralização foi acertada, pensando na facilidade do transporte quando os shows são atraídos para as quebradas, mas a divulgação e a diversidade das atrações seriam pontos que devem ser revistos.
“Às vezes você fica sabendo do trampo do artista grande, mas um artista pequeno que vai estar às vezes no mesmo palco não tem a mesma divulgação. Além disso, ter mais atrações de audiovisual dentro da vida cultural também seria um ponto interessante.”
Em 2024, o evento terá o nome de ‘Virada Cultural da Solidariedade”, para arrecadar doações voluntárias às vítimas das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, será nos dias 18 e 19 de maio.
O evento promete levar mais de 600 atrações para cerca de 12 arenas espalhadas pela cidade, incluindo as periferias: Brasilândia, Campo Limpo, Capela do Socorro, Cidade Tiradentes, Heliópolis, M’Boi Mirim, Parelheiros e São Miguel. O Anhangabaú e o Butantã representam o centro.
Evento começou em 2005, com eventos na região central como ponto principal, enquanto nas periferias havia apenas atrações nos CEUs (Centro de Educação Unificado) e Centros Culturais,
Formato atual, com palcos nas quebradas, começou em 2021, após um ano sem o evento, por conta da pandemia de Covid-19.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) investiu um valor recorde na Virada Cultural da Solidariedade: R$ 59,8 milhões, um aumento de 25,3% em relação ao ano anterior, sendo que a maior parcela será para a estrutura, enquanto para os artistas serão destinados R$ 26,4 milhões.
Em nota enviada ao portal da Alpha FM, a prefeitura destaca que o “valor representa um investimento significativo na periferia, estimulando a economia local nos bairros das pontas, seguindo o norte da gestão de descentralização das ações e dos recursos da pasta”.
Para a Agência Mural, a Prefeitura diz que o evento é “amplamente aprovado pela população e pensado para levar cultura, sobretudo, aos bairros da periferia, além de relevante estímulo para a economia local.”
Também ressalta números das pesquisas de satisfação, como “os dados do Observatório do Turismo, que mostram que 86% do público considerou acertado o modelo de atrações distribuídas pela cidade. Para 63,9% dos entrevistados, o evento tem melhorado a cada ano.”
Em relação à segurança, foi informado que “todos os palcos terão controle de acesso e revista, contando com o efetivo da Guarda Civil Metropolitana, apoio aos agentes públicos e parceria com a SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado).“
Sobre a divulgação, a nota diz houve publicações nos canais oficiais (sites e redes sociais), apoio dos artistas, anúncios nos relógios digitais, abrigos de ônibus, TV do metrô e spots em rádios, além da divulgação espontânea pelos diversos veículos de imprensa.
Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.
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