Pesquisa da Rede Nossa São Paulo e Ibope mostra que o coronavírus potencializou desigualdades socioeconômicas e socioespaciais na cidade
Por: Redação
Publicado em 09.06.2020 | 20:47 | Alterado em 09.06.2020 | 20:47
O início de uma pandemia global e as ações de isolamento social que passaram a ser adotadas no Brasil evidenciaram desigualdades sociais, territoriais e econômicas que já existiam nas grandes metrópoles, mas que foram potencializadas devido ao novo coronavírus (covid-19).
Em São Paulo, 87% dos paulistanos concordam (totalmente ou em parte) que a pandemia deixou claro que a cidade precisa investir na redução dessas desigualdades. A informação consta na segunda edição da pesquisa “Viver em São Paulo: Especial Pandemia”, divulgada nesta terça (9) pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência.
“A cidade de São Paulo é marcada historicamente por intensas desigualdades socioespaciais. Essa condição, no contexto da pandemia, acaba por evidenciar que a população mais pobre nas periferias urbanas é penalizada duplamente no território e na mobilidade”, comenta Ricardo Barbosa, 42, professor no Instituto das Cidades, da Unifesp.
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Segundo Barbosa, são nos territórios periféricos onde há uma maior concentração populacional combinada com uma insuficiente disponibilidade de infraestruturas e serviços públicos, em especial, na saúde pública.
“Além da disponibilidade desigual no território, é importante ressaltar que as condições dos equipamentos públicos e as condições de trabalho dos profissionais da saúde, invariavelmente, são mais precárias nas periferias”, observa.
Já no que se refere à mobilidade, o professor menciona o deslocamento da população periférica em direção ao trabalho, já que muitos dos empregos se concentram nas áreas mais centrais da cidade.
“Isso se torna mais dramático devido ao aumento da lotação nos transportes coletivos, combinado, muitas vezes, com o tempo elevado nestes deslocamentos, deixando as pessoas mais sujeitas à contaminação da covid-19”
Ricardo Barbosa, professor no Instituto das Cidades
A opinião é compartilhada pela jornalista Gisele Brito, 34, pesquisadora do LabCidade, da FAU-USP. “Quem está mais exposto a se contaminar é quem tem uma maior demanda de circulação pela cidade e de contato com outras pessoas”, conta.
Ela inclui neste grupo a população mais pobre que permanece trabalhando durante o isolamento social nas funções consideradas essenciais à população. “Algumas funções, de fato, são essenciais. Já outras foram consideradas assim por uma lógica econômica de manter privilégios e confortos das classes ricas”, diz.
Segundo dados da Prefeitura, os óbitos causados pelo coronavírus em São Paulo estão em maior número nos bairros localizados nas periferias, se comparados às regiões centrais da cidade. Até o momento, os distritos da Brasilândia (zona norte), Sapopemba (zona leste), Grajaú e Capão Redondo (ambos na sul) registram os maiores números de mortes.
A população negra também tem 62% mais risco de morte por covid-19 em relação aos brancos, conforme apontou o boletim epidemiológico da Prefeitura do dia 30 de abril. Considerando um grupo de 100 mil habitantes, a taxa de mortalidade era de 15,6 para negros e 9,6 para brancos, na época.
Já dados do Mapa da Desigualdade (outra publicação da Rede Nossa São Paulo, de 2019) mostram que os 10 distritos com maior população preta e parda apresentam os piores indicadores sociais na cidade, como menor taxa de emprego formal e mais baixa idade média ao morrer.
DIREITOS SOCIAIS DURANTE A PANDEMIA
Para Gisele Brito, é muito importante que os direitos sociais e econômicos sejam repensados diante do quadro de uma pandemia. Ela diz que isso poderia ser feito com uma política de seguridade social, o que não ocorreu corretamente.
“É um pouco do que deveria ser o ‘Renda Mínima’, mas que não conseguiu ser diante de problemas burocráticos e de fundo. A própria insuficiência do valor [de R$ 600, pagos pelo governo federal durante três meses] não permite que as pessoas possam se resguardar”, diz.
Já Ricardo Barbosa levanta uma questão acerca de ações emergenciais do poder público para promover o isolamento da população. Em especial, dos paulistanos mais vulneráveis.
“No meu ponto de vista, a proposta deveria ser um bloqueio total, o lockdown. O que vemos hoje é uma ampliação de pessoas mortas por covid-19 e uma proposta de flexibilização do isolamento social. E muito provavelmente serão as pessoas mais vulneráveis as mais afetadas com isso”, diz.
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Para isso, o professor considera que há medidas urgentes que deveriam ser adotadas pelos governantes.
“Se os governantes estivessem realmente preocupados com o isolamento do conjunto da população, deveriam apoiar economicamente as pessoas e pequenas empresas mais vulneráveis, com a indenização dos trabalhadores formais e informais, junto a suspensão de contas de luz, água e internet”, aponta.
Outro ponto abordado por ele é a falta de transparência na divulgação das informações sobre os óbitos por covid-19 e sua amplitude por distritos e grupos sociais (gênero, raça, faixa etária e escolaridade).
“É inconcebível que São Paulo não tenha uma preocupação efetiva na divulgação das informações com mais transparência pública. Sem dúvida, seria uma forma de auxiliar a articulação das pessoas que estão na linha de frente do combate ao coronavírus nas periferias urbanas”
Ricardo Barbosa, professor no Instituto das Cidades
“Mesmo com essas informações, muito pouco transparentes e com baixa regularidade, é possível constatar, por exemplo, a necessidade de ações emergenciais, como instalações de hospitais de campanha nas periferias urbanas”, complementa.
A pesquisa da Rede Nossa São Paulo e Ibope também mostra que 57% dos entrevistados afirmam que passariam a sair menos de casa se recebessem informações oficiais de que o bairro ou a rua onde moram têm altas taxas de contaminação e mortes por covid-19.
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