Por: Cleber Arruda
Publicado em 19.02.2019 | 18:01 | Alterado em 20.02.2019 | 14:05
Educadora mora em Cidade Líder, na zona leste, e desde 2013 tem dedicado às férias para ir em países como México, Estados Unidos, Itália e a Jordânia
Tempo de leitura: 5 min(s)Desde 2013, a professora de educação fundamental Raquel Gomes, 38, tem tido férias agitadas. Mesmo sem falar inglês fluentemente e apenas com o que recebe como educadora, ela passou por cinco continentes e viveu diversas aventuras.
Moradora do Parque Savoy, distrito de Cidade Líder, na zona leste de São Paulo, ela já pegou carona com garimpeiros para Guiana Francesa, visitou o Coliseu, em Roma, vestida de gladiadora, fez amigos beduínos na Jordânia, ganhou dinheiro nos cassinos de Las Vegas, foi roubada em Cancún, no México, entre outros perrengues e desbravamentos.
As viagens internacionais começaram há seis anos e somam quase 20 carimbos no passaporte. “Sempre sonhei conhecer o mundo, mas até uns 30 anos eu achava que isso era um projeto para fase idosa, por conta de grana. Achava que precisava trabalhar a vida inteira e curtir isso só na terceira idade, mas descobri que não era assim”, conta.
Para conseguir, Raquel investe na lábia. “Negociar faz parte do meu jeito zona leste de ser e ninguém me passa a perna”, completa.
A primeira viagem fora do Brasil foi para o Peru, em 2013. Ela conta que estava no Acre passeando e na rodoviária viu um ônibus para Cuzco. “Fiquei 24 horas dentro do ônibus, sem saber onde ficar lá, sem conhecer ninguém, como para todo lugar que vou. No fim, foi uma experiência muito bacana. Conheci Machu Picchu, Puno, o Lago Titicaca e não parei mais. Viciei”, relata.
A mochileira, contudo, diz não fazer planos prévios. Na viagem mais recente, chegou ao Egito, no último dia 23 de dezembro, sem roteiros elaborados. Fez reserva de hospedagem apenas para as duas primeiras noites, como costuma fazer. Para ela, isso pode possibilitar mudanças nos planos, mas a estratégia causou estranhamento na chegada ao país.
“As autoridades ficaram bastante desconfiadas. Tive todas as minhas coisas minuciosamente revistadas no aeroporto, passei por aquelas revistas íntimas de presídio brasileiro; tirei toda a minha roupa, fiz cinco agachamentos e levei três murrinhos leves na barriga, depois pediram até comprovante de reservas em árabe”, relata.
Após entrar no país, a professora diz ter tido dias incríveis. “Parecia uma celebridade por onde andava. Ganhei os egípcios, me davam presentinhos e me chamavam de Shakira e Nefertari (rainha egípcia)”.
Do Egito, Raquel foi para Israel, onde também conta ter tomado um “chá de canseira” na fronteira. Foram cinco horas de explicações. “A diferença é que não tive que tirar a roupa, as pessoas me trataram de forma educada e o tempo todo se preocupavam em pedir desculpas e saber se eu estava bem. Mas precisei mostrar meu celular e explicar sobre as minhas fotos e roteiros no Egito”.
Apesar disso, foram as duas únicas vezes que ela conta ter encontrado dificuldades. E olha que o passaporte já tem carimbos de países como os Estados Unidos, México, Suriname, África do Sul, Itália, Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru, Moçambique, Suazilândia e Jordânia.
ECONOMIA
Para realizar as viagens, Raquel conta economizar durante o ano inteiro. “Não frequento salões de beleza, baladas, não tenho carro, nem casa própria e compro tudo à vista”, relata. “Tenho um estilo de vida minimalista, economizo com pedreiros e faço os serviços de casa por mim mesma, além de tudo, ainda ajudo financeiramente os meus pais.”
Ela escolhe os destinos de acordo com os preços das passagens aéreas. Está sempre de olho nas promoções e em buscadores na internet para a compra dos tíquetes. “Não costumo pagar mais que R$ 2 mil com passagens de ida e volta, opto por hospedagens mais baratas e uso transportes públicos ou faço caminhadas mesmo nos países”. Conta que prioriza viver experiências com pessoas locais do que apenas os passeios turísticos. “Pra viajar não precisa ser rico, precisa de coragem e disposição”.
A arte de pechinchar é outra dica fundamental da mochileira. Para isso, ela aprendeu uma frase essencial em inglês que virou um bordão para a hora de negociar: “Do you have a special discount for me?” (Você tem um desconto especial para mim?)”, diz com sorriso acompanhado de uma breve gargalhada.
“O inglês é um problema, pois eu não sou fluente e dou uma arranhadinha, mas na hora de negociar, ele sempre aparece. Também é importante combinar bem antes de fechar qualquer negócio”, diz.
Sobre a língua inglesa, a professora conta também que o idioma antes era algo que lhe causava um certo entrave. “Durante um tempo, eu não viajava fora da América Latina porque achava que ia me enrolar. Depois vi que a parte falada é apenas 7% da comunicação e que os gestos e a expressão facial dizem muito mais”. Como exemplo, Raquel conta que fez uma viagem de trem do Cairo para Alexandria, no Egito, conversando com um senhor, que só falava árabe, por meio de mímicas.
Por ser negra e mulher, conta ter passado por situações de machismo e racismo algumas vezes, mas não se intimida. “Em uma viagem para Machu Picchu, fui a única passageira a ser barrada e entrevistada ao entrar em um trem. Era a única negra e vi [o episódio] como racismo. Como uma mulher que viaja só, às vezes, passo por situações que percebo que os homens querem se aproveitar, mas eu sei lidar bem com isso”, diz.
No México, passou pelo pior perrengue. Um dia antes de voltar para o Brasil, ela teve a bolsa roubada com todos os documentos, inclusive o passaporte, além de dinheiro e pertences. Sem ter para quem recorrer ela foi atrás de um taxista e reclamou. “Eu fui roubada no seu país, vocês precisam me ajudar”, diz que gritou para o perplexo motorista.
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Ela seguiu reclamando até conseguir ir de Cancun para a Cidade do México, onde fica o Consulado, onde recebeu apoio.
Para o futuro, Raquel quer ir para Nova Zelândia, onde quer fazer o “rolê do Senhor do Anéis”, visitar todas as capitais brasileiras (perdeu as contas de cabeça para quantas já foi) e conhecer as sete novas maravilhas do mundo. Dessas, a professora já conheceu as ruínas de Petra (Jordânia), Machu Picchu (Peru), Chichén Itzá (México), Cristo Redentor (Brasil) e Coliseu (Itália); só faltam duas delas: a Muralha da China e o Taj Mahal (Índia).
Apesar disso, nega que sejam planos. “Gosto de viver o que a vida coloca na minha frente, mas tenho esses projetos que irei concretizar aos poucos”, diz. E como dica final, aponta a espontaneidade. “Se joga. E não se desespere com os perrengues, eles vão rolar, mas não precisa de desesperar. Tudo se resolve”.
Cleber Arruda é correspondente da Brasilândia
cleberarruda@agenciamural.org.br
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Cofundador, correspondente da Brasilândia desde 2010 e editor em projetos especiais. É jornalista do Valor Econômico e voluntário do projeto Animais da Aldeia. Canceriano, gosta de cachorros e de viajar por aí.
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